sexta-feira, julho 01, 2011

Ouçam como eu respiro. Estejam onde estiverem, tomem as minhas palavras. São vossas.

Já desabafei no post abaixo: este imposto extraordinário anunciado hoje pelo Passos Coelho aborrece-me. Já se temia que as medidas não fossem suficientes pelo que nem é a necessidade de arrecadar mais dinheiro que está em causa: o que está em causa é que o PSD andou a esconder esta intenção, durante a campanha eleitoral. Faziam-se de caridosos para com os portugueses, coitadinhos, o Sócrates é que era o mau da fita - e nem um pio sobre isto. E agora, como se não estivessem fartíssimo de ter todos os números, saiem-se com esta 'bala de prata' (como a nossa comunicação social agora começou a dizer).

Mas vou pensar noutra coisa, não gosto de estar aborrecida.

*

Estou sentada ao computador. O computador está ligado por um cabo a um modem. O modem está ligado por um cabo a outro equipamento que está ligado por um cabo a outro equipamento do qual partem cabos que se vão ligar a…. e assim sucessivamente.

Ao mesmo tempo que estou a escrever isto, milhares de outras pessoas escrevem também - e as palavras de uns e outros, encarreiradas atrás de códigos, cruzam-se no sub-solo, debaixo das cidades, cruzando montanhas, mares - ordeiramente, não se baralhando.

Um mundo invisível, subterrâneo, de cabos que transportam palavras.

Uma antiga profecia Maia dizia que haveria de vir o dia em que a Terra estaria coberta por uma imensa teia.

Cumpriu-se, pois, a profecia. O planeta, por terra e por mar, está coberto por cabos. As comunicações ligam todos com todos e, integrada no mundo das comunicações, a www (word wide web - ou simplesmente web ou internet ou, mais simplesmente a net) está omnipresente em todo o mundo.


 A coisa fica ainda mais virtual quando a comunicação é sem fios, wireless, feixes que são conduzidos de e para antenas, ou placas 3G (que são pequenas antenas que colocamos nos nossos computadores e que se comunicam com grandes antenas).

Aí, temos as palavras no espaço, invisíveis, encarreiradas atrás de códigos, a cruzarem-se com outras palavras invisíveis, o espaço cheio de palavras. O ar que respiramos repleto de palavras.

Fala-se muito de computação na nuvem - e é isto. No meu caso, estou a usar o blogger, que é da google (mas seria a mesma coisa se usasse sapo, wordpress ou outra ferramenta qualquer) e isso significa que as minhas palavras deslizam por esse mundo fora até chegarem a uma aplicação residente em computadores algures no mundo onde são arrumadas nos meus posts, no meu blogue; e esses mesmos misteriosos e longínquos computadores, depois, quase instantaneamente, devolvem ao mundo o que eu escrevi, seja para que parte do mundo for. Se um destes potentíssimos e longínquos computadores se avariar, automaticamente outro tomará o seu lugar, de forma eficaz e silenciosa.

Ninguém dará por nada. Um mundo robotizado, infalível, trabalha anonimamente para centenas de  milhões de utilizadores, para mim, para si. O admirável mundo novo. A nossa informação, as nossas palavras, circulando pelos ares, pelos cabos, pelo mundo fora, processadas em computadores que estão em salas longínquas, refrigeradas, vazias, geridos remotamente, por técnicos que não fazemos a mínima ideia de quem sejam.

Locais onde existem Centros Informáticos da Google (não sei se o mapa está actualizado - mas um dia, se me lembrar, voltarei ao tema da protecção dos dados segundo a legislação europeia)

Chicago Microsoft Data Center, um dos muitos, muitos Centros da Microsoft espalhados pelo mundo (onde se processam os Messengers, os Bings, os Hotmails, etc)

[Já agora, por curiosidade. Nestes domínios das tecnologias electrónicas já devem ter ouvido falar na lei de Moore que diz que a cada 18 meses, pelo mesmo custo, se consegue atingir o dobro da capacidade de processamento (foi Gordon Moore, presidente da Intel que, em 1965, o disse referindo-se o número de transístores nos chips).

Lei de Moore

No livro de Michio Kaku que no outro dia referi, é dito que esta linha baterá no tecto por volta de 2020 quando a dimensão atingir o nível mínimo a partir da qual a indústria existente já não consegue o manuseamento industrial.

Ou seja, por essa altura assistir-se-á ao declínio de toda a indústria ligada às tecnologias, pelo menos tal como existe actualmente. É um tema cheio de curiosidades e que terá um impacto brutal na economia e no paradigma de desenvolvimento a que nos habituámos nas últimas décadas. A ver se um dia destes volto a isto.]
  

Voltando à dimensão doméstica.


Às vezes estou a escrever e sei que algumas pessoas que me lêem estão aqui, sinto-as próximas. Eu a escrever e elas à espera do que vai aparecer escrito. As palavras ainda não se formaram (porque não planifico, não penso antes, escrevo sem saber o que vai sair) e estes meus queridos leitores aqui, a espreitarem para dentro de mim. Podem estar do outro lado da rua ou do outro lado do mundo e, no entanto - ligados por cabos ou ligados invisivelmente através de feixes que misteriosamente não se enganam no caminho, a uma velocidade quase instantânea - os nossos pensamentos estão próximos.

Na grande maioria dos casos não sei quem são vocês, nem vos imagino fisicamente, e no entanto lêem o que escrevo, que o mesmo é dizer que lêem os meus pensamentos. Às vezes apetece-me dizer que sei que estão aqui, que vos sinto, que gostaria de vos olhar nos olhos, de vos falar de viva voz, de vos ouvir.

No entanto, acho que assim funciona melhor, há a magia da incógnita, o mistério do desconhecimento absoluto, há a proximidade que, apesar de virtual, é tão real (ou deveria dizer ao contrário: que apesar de parecer tão real é, afinal, virtual?).

Será que, se eu estender a minha mão até atrás do écran do computador, alguém a vai segurar?


Onde estão vocês? Os vossos olhos estão a ver o que eu escrevi, é como se eu escrevesse num papel e alguém, aqui ao meu lado, se debruçasse para ler o que acabei de escrever.


Estou a escrever numa mesa redonda cheia de livros, ao lado de uma janela que tem uma vista fabulosa, estou rodeada de estantes cheias de livros, numa sala que tem alguns pontos de luz, que tem uma bailarina suspensa do tecto, uma bailarina que se move quando lhe tocamos, que tem quadros nas paredes livres, que tem livros em cima de algumas cadeiras, e eu estou a partilhar os meus pensamentos convosco. Sentem-se próximos de mim?  

Meus amigos leitores, é para vocês que escrevo, sem saber quem são, sem saber como é a vossa vida, sem saber se estão sozinhos em casa ou em família ou se estão no trabalho, se andam felizes e motivados ou se andam aborrecidos, preocupados, desmotivados, se concordam com o que costumo escrever ou se odeiam, sem saber as vossas preferências ou se me interpretam bem. Escrevo como penso e como geralmente escrevo muito, chego ao fim, tarde na noite, e regra geral, já nem tenho paciência para rever. Posso não me explicar bem, posso ser tão assertiva que, não limadas as arestas, por vezes o texto saia cáustico, rude. É um risco que corro.

Mas, apesar de nada saber, continuo a escrever para vocês. Um mar, muitas montanhas ou todo o mundo pode separar-nos, mas momentos há em que estamos tão próximos. Espero que o sintam.


Daqui vos envio, juntamente com as minhas palavras, longos feixes de luz e quentes raios de sol.

Fiquem bem.

8 comentários:

Lia disse...

Sim, sinto-me muito próxima de si JM.

Obrigada por me ter ajudado a divagar um pouco e mudar o foco dos pensamentos neste momento nada felizes.

Agora aprendi a vir aqui todos os dias a seguir ao blog da Laurinda e gosto muito.
Bem Haja
Lia

Um Jeito Manso disse...

Muito obrigada, Lia. Não sabe como é agradável receber algum feedback, saber que há gente de verdade (e não apenas as estatísticas que o blogger me fornece, gente que está aí, a ler o que eu escrevo.

Agradeço-lhe muito. Bem haja, digo-lhe eu.

JM

Regina Castilho disse...

Conheci o seu blog recentemente pelo seu comentário no blog O FAZEDOR DE AURORA sou apaixonada por Portugal, sua história e cultura.Também me pergunto como é escrever para pessoas de todo o mundo, sempre leio mas não interagia, agora vejo pelo seu texto que isso importa para você, digo este feedback, o que me deixa feliz pq está troca é real. O que você diz faz diferença, me acrescenta. Obrigada.
Regina, Brasil.

Um Jeito Manso disse...

Regina,

Que simpatia a sua, enviar-me as suas palavras de tão longe. Muito obrigada. É tão agradável a gente, que escreve sem saber para quem, receber depois, na volta, um sorriso assim.

Volte sempre, aqui é muito bem vinda.

Obrigada, uma vez mais.

Um abraço,

JM

ofazedordeauroras disse...

JM.

Gostei muito da "volta à dimensão doméstica".
Há sentimento, há poesia nessas palavras que se tecem ao correr da pena sobre o papel (ou correr dos dedos sobre o teclado, vá lá...).
Lembro Drummond quando diz: "Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante".
Que assim seja.
Cumprimentos.
Jorge

Um Jeito Manso disse...

Jorge, obrigada pelas suas palavras e, em particular, pela evocação das palavras de Drummond de que tanto gostei.
Boa semana!

Isabel disse...

Tambem eu não sei quem é e no entanto leio o que escreve para mim sem saber quem eu sou.
Porque o que escreve é com Um Jeito Manso!

Obrigada
Isabel

Um Jeito Manso disse...

Isabel,

Que palavras simpáticas as suas.

E é bem verdade o que diz. Há qualquer coisa de misterioso nisto, de estarmos assim - eu a escrever e os meus leitores a lerem-me (e são as minhas ideias sem disfarces que estão no que escrevo)- e, se nos cruzarmos na rua, não vamos nem ter ideia de quem somos.

Mas é assim mesmo.

Tenha uma boa noite Isabel e volte sempre.

JM