Num blogue a que fui dar por acaso, O Fazedor de Auroras, o autor, reportando-se a um graffiti que fotografou em Montevidéu, interroga-se, 'Hay vida antes de la muerte?'.
Justamente hoje, ao ler algumas crónicas de Pedro Mexia em Nada de Melancolia, dei com uma que achei particularmente interessante, que ele intitulou 'Composto de Mudança'.
Transcrevo o começo, 'Que as células todas do organismo se renovam de sete em sete anos. Que sete anos depois não há nenhuma célula viva daquelas que tínhamos antes, substituídas por outras mais recentes. (...)' e conclui: 'Também eu um dia percebo que não sei quem são (os outros), que não nos aproximámos por causa disto mas do oposto, por motivos diferentes ou caducos. Sete anos passados, umas células mortas, lições aprendidas sem préstimo. E continuamos, uns com outros, como prisioneiros na mesma cela. Ou como um guarda fronteiriço que olhasse para o passaporte e para o rosto do viajante e a foto não correspondesse. Um guarda que visse nos papéis e na carne rostos diferentes e não achasse isso ilegal, apenas inevitável e triste. E deixasse seguir automóvel e passsageiro, pois não há regresso possível e o destino ninguém sabe onde fica'.
Ora, justamente no livro a que me referi no outro dia de Eduardo Punset li que:
'Pelo menos 50 mil milhões de células corporais morrem todos os dias por apoptose (suicídio celular programado) e são substituídas por outras novas.
No entanto, continuamos a ser a mesma pessoa. Ou isso julgamos.
Quando nós morremos, o que é que morre?
Porque os átomos de que somos feitos são praticamente eternos e só as células somáticas é que morrem realmente.
Célula tronco ou germinal |
As germinais, responsáveis pela perpetuação da espécie, são imortais.'
Ora, porque estas questões me causam alguma perplexidade (sabemos tão pouco do que se passa dentro de nós...), comecei a ler 'A Física do Futuro - como a ciência moldará o mundo nos próximos cem anos' da autoria de Michio Kaku, professor catedrático de Física Teórica na Universidade de Nova Iorque, autor de vários livros e um comunicador reputado. Um dos capítulos é 'O futuro da medicina - perfeição e não só'.
O livro não é futurologia, ficção literária. Pelo contrário, é baseado na consulta e compilação das investigações em curso um pouco por todo o mundo. O que se refere resulta de planos de trabalho em curso, de estimativas com base em resultados obtidos ou em vias disso, em extrapolações efectuadas com rigor científico.
Ainda não cheguei ao capítulo que referi mas já dei uma vista de olhos e, face à nossa vida de hoje, é inquietante. No início do capítulo podemos ver 3 citações entre as quais a de Geral Sussman, 'Não acho que seja para já, mas está próximo. Infelizmente, faço parte da última geração a morrer'.
Células estaminais embrionárias - beleza biologicamente perfeita |
E, ao pegar agora no livro, volto a dar uma leitura transversal e, quase ao acaso, escolho o início de um sub-capítulo: " O pioneiro da biotecnologia, William Haseltine, disse-me uma vez: 'A natureza da vida não é a mortalidade. É a imortalidae. Apareceu pela primeira vez há 3,5 mil milhões de anos aproximadamente. Essa mesma molécula, através de duplicações, anda por aí neste momento [...] É verdade que nos esgotamos, mas já falámos sobre a possibilidade de alterarmos isso no futuro. Primeiro, para duplicar ou trriplicar o nosso tempo de vida. E, talvez, se compreendermos o cérebro suficientemente bem, para alargar indefinidamente a duração do nosso corpo e também a do nosso cérebro. E não penso que seja um processo contranatura."
Voltanto ao blogue acima referido e a Pedro Mexia: morremo-nos? renascemo-nos? mutamo-nos? somos perecíveis? somos imortais?
Difícil responder, não é?
Fico-me por outro aspecto: que beleza infinita transportamos dentro de nós, quantos mistérios, quantos atraentes abismos.
2 comentários:
Prezada escritora.
Li o lindo texto. Impressiona-me a rigorosa fluidez do verbo, das ideias e do sentimento. Há profundidade e há altura nestas palavras tão bem colhidas e escritas. A numerosa disposição de viver transporta-se para o talento da escrita.
Fico muito agradecido com a lembrança feita a meu texto. Pra mim isto é algo e tanto!
As fotos que começo a desvendar são dignas de um olhar calmo, por tudo atencioso. O Tejo, os barcos, os casais, gaivotas, as flores, Lisboa em frente iluminada e luminosa.
Há muito que ver e que admirar por aqui.
Sou seu leitor, com o prazer de quem faz uma cálida descoberta a cada leitura (neste labirinto das estantes de infinitas livrarias e internets).
Tenha um excelente dia!
Um abraço.
Jorge
Jorge,
Tal como já escrevi no seu blogue, não me trate por escritora porque não estou à altura dessa palavra. Mas reconheço que gosto (e preciso) de escrever.
Eu também não me canso de descobrir a sua escrita e as suas fotografias.
É engraçado que vivemos em estações opostas (você a entrar no inverno, eu no verão), tantos quilómetros a separarem-nos, um mar enorme pelo meio e, no entanto, a língua portuguesa, que amamos, a aproximar-nos (e a fotografia e a arte - no outro dia li um post seu sobre Basquiat e graffiti e gostei de ver; eu também já dediquei alguns posts a isso).
Um abraço, Jorge, volte sempre.
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