domingo, janeiro 17, 2021

Entre a culinária e o amor com jardins de permeio

 

Pouco a dizer. A casa está arrumada e limpa, não há muito que fazer. Pensei fazer sopa de corvina mas reparei que não tinha tomate maduro. Por isso, depois da nossa caminhada, fomos ao supermercado. Aconteceu o de sempre: vamos lá para uma coisa e vimos de lá carregados. É sempre a mesma lógica: já que ali estamos, aproveita-se para trazer mais coisas para não termos que voltar tão cedo. Mas depois, há-de faltar qualquer coisa que nos voltará a levar lá. Nunca fui fã de idas ao supermercado mas agora é praticamente ao que a minha vida social está reduzida.

Quando regressei a casa, pus uma máquina de roupa a andar e, de seguida, ala que se faz tarde, atirei-me aos tachos. 

Numa panela, coloquei azeite e cebola aos bocados, duas cebolas bem grandes. A cebola é um dos meus ingredientes de eleição. Quando alourou, juntei cinco tomates grandes, bem maduros. Envolvi-os na cebola. Depois juntei um alho francês mas apenas o talo branco -- não as folhas verdes, essas ficam para a sopa de legumes --, uma cenoura grande, umas batatas normais (poucas), uma batata doce e uma maçã. Juntei um pouco de água. Depois juntei um pouco de sal e uma generosa quantidade de salsa e de coentros. Depois de ferver, baixei e ali ficou uns minutos.

Num outro tacho, coloquei um pouco de água, uma cebola grande aos bocados, um pouco de sal, um fio de azeite e uma posta grande de corvina (devidamente escamada). Quando a água ferveu juntei 4 ovos descascados.

Quando vi que estava tudo devidamente cozinhado, desliguei os lumes.

Juntei o caldo de cozer o peixe e a cebola ao tacho da sopa. Moí tudo com a varinha, tudo bem moído para ficar um puré bem cremoso. 

Num prato, tirei as espinhas da posta da corvina. Depois juntei o peixe, aos bocados, bem com os ovos escalfados à panela da sopa. Envolvi tudo.

Digo-vos: bem boa, uma sopa bem gulosa e, creio, bem saudável.

De tarde, depois de estendermos a roupa, estive lá fora, ao sol, a ler. Estava-se bem. Às tantas, olhei para cima e vi uma rola, num ramo, a olhar para mim. Verdade: o pescoço curvado para baixo, a espreitar-me. Fiquei a olhar a ver quem desistia primeiro. Fui eu. 

Quando o sol se baixou e começou a esfriar fui apanhar laranjas.

Num tacho largo, coloquei açúcar mascavado. Cortei, para cima da cama de açúcar, as laranjas às rodelas largas, com casca. Cobri com mais um pouco de açúcar. Esqueci-me de trazer do supermercado paus de canela pelo que misturei canela em pó. Juntei um pouco de gengibre, casca de limão e um pouco de vinho do porto. O meu marido ainda apareceu com uma bebida de maçã, não reparei qual. Só um pouco. Juntei uma pinga de água. Tapei. Deixei que fervesse e depois envolvi as rodelas na calda. Baixei o lume e deixei ficar assim, tapado, durante talvez meia hora ou mais. No fim, deixei ficar a cozinhar por mais um pouco, o tacho destapado, para reduzir. Depois coloquei numa caixa de vidro.

O cheirinho que esvoaçou pela casa não vos digo nem vos conto. Bom, bom, aconchegante. Aquele perfume morno da laranja, do açúcar, da canela...

Comemos, de sobremesa, ao jantar. O meu marido, que nunca engraçou muito com casca de laranja, comeu apenas a parte da fruta. Eu não, eu comi tudo. Gostei. Na parte final, lembrei-me de comer ao mesmo tempo que chocolate preto. Ficou melhor ainda.

E, portanto, é esta a minha vida de agora. Não tarda o Um Jeito Manso vira um blog de culinária. Parece que pouco mais tenho para contar. Uma seca.

Tirando isso, só se for referir que tenho andado de roda do jardim, a pensar numas coisas. Gostava de ter mais isolamento visual em relação aos vizinhos do lado mas não sei como fazê-lo sem modificar a lógica destes espaços. E há a zona que era canil e que agora não é nada e está desaproveitada e podia ser reconvertida. Penso, repenso. Meço. Chamo o meu marido para trocar ideias com ele. Mas ele não tem grande paciência para o meu 'conservadorismo'. Para mim as árvores e as trepadeiras e as flores são sagradas embora reconheça que, se quero conservar tudo, dificilmente poderei fazer alguma alteração. 

Há uma amendoeira que não dá amêndoas. Há um pinheiro entre dois outros. Há uma árvore gigante que faz muita sombra. Mas a amendoeira se calhar fica linda na primavera. O pinheiro é o pinheiro, sagrado. E a árvore grande é óptima para os miúdos treparem. O meu marido desiste. Por ele, põe uns ferros não sei como, corta uma ou duas árvores, faz assim e assado e está resolvido. Eu, em contrapartida, não quero sacrificar arbustos, muito menos árvores, não quero sacrificar a zona de relva junto ao terraço, não quero um conjunto de coisas. E andamos num impasse. 

Mas, ao falar com o meu filho, que está a arranjar o seu jardim com projecto de arquitectura a preceito, pensei que, por uma vez, cá em casa, em lugar de querer que sejamos nós próprios a ter as ideias e a fazer o projecto, talvez possamos pedir uma opinião externa. O meu marido achou logo boa ideia. 

Enfim. Não se pode andar em frente se não conseguirmos abrir mão de algumas coisas mas, seja como for, ainda não estou completamente decidida. Tenho a sensação que, no dia em que chame uma pessoa de fora para ter ideias, se depois me aparece a dizer que temos que nos desfazer disto e daquilo, não poderei simplesmente dizer que me deixe em paz, que baze (do verbo bazar). A perda de liberdade que isso implicará deixa-me, à partida, de pé atrás.

E é isto. 

Não vou falar da situação algo alarmante da covid pois imagino o sofrimento de tanta gente e a exaustão e pânico de outra tanta e pouco ou nada tenho a acrescentar. O que tenho a dizer sobre isso já disse no post abaixo -- e espero que se vá a tempo de travar desgraça ainda maior.

Portanto, para não dizerem que estou para aqui a falar sem dizer nada, vou partilhar um vídeo onde Krishnamurti explica o que não é o amor. Concordo com ele. De certa forma tem um pouco a ver com o que disse aqui no outro dia: o amor tem que ser inteiro. Não é amor se uma das pessoas não é capaz de se dar por inteiro, não é amor se uma das pessoas não ama por inteiro. Não que o amor seja uma coisa perfeita. Não é. E não é que seja uma ficção. Não, o amor verdadeiro é bem real apesar das suas contradições. Mas, na sua essência, tem que haver um núcleo em que tudo é absoluto. 

Krishnamurti - What love is not


_____________________________

Os jardins foram pintados por Wen Zhengming.
Rita Payés & Elisabeth Roma interpretam Oración del remanso

__________________________________________________________

Desejo-vos um bom dia de domingo
Saúde

2 comentários:

Estevão disse...

Sempre que o seu marido, de olho na motosserra, diga que “corta uma ou duas árvores”, lá em cima ou cá em baixo, talvez seja boa ideia convidar esta simpática Suzanne para almoçar (desta vez, nas receitras, não houve o tradicioal fiozinho de mel):

https://www.ted.com/talks/suzanne_simard_how_trees_talk_to_each_other?utm_campaign=tedspread&utm_medium=referral&utm_source=tedcomshare

Um Jeito Manso disse...

Olá Amofinado,

Gostei muito do vídeo. Conheço essa tese de que as árvores comunicam entre si. Talvez por isso tenho esta religiosidade em relação às árvores. Divinas. Misteriosas.

E oh Amofinado... então acha que ia colocar um fiozinho de mel na sopa de corvina...? Não exageremos... Gosto muito de mel mas não sou fundamentalista...

Uma boa semana, Amofi.