sábado, julho 20, 2019

Is this love?





Depois de dois dias preenchidos de alto a baixo, cansada das ideias e sem pitada que possa aqui reportar, é de gosto que regresso ao meu sofá e leio a troca de ideias na caixa dos comentários aos post 'Em tudo havia beleza'. Convido-vos a irem até lá -- e estejam todos à vontade para opinar se os humildes e sérios estão de um lado e os políticos de outro já que o tema se afigura como tendencialmente fracturante. E, mesmo que não se sintam apetrechados para esgrimir argumentos através de fraseado de fino recorte, não se acanhem, opinem na mesma. Ou, se preferirem, leiam apenas. Estimula os axónios e os dentritos.

Eu não digo nada porque tenho a cabecinha muito esvaída, as sinapses estão fraquinhas, um fiozinho de nada de energia a correr por entre um bando de neurónios adormecidos. O que há esgota-se no prazer de ler as espadeiradas entre a Isabel, o P. Rufino e o A Kullervo.

E o que posso dizer é que, de todas as notícias que li, agora que percorri num relance jornais e revistas, a única que reteve a minha atenção foi uma que não me agradou: o euromilhões saíu e não foi a mim. Ah, que desiludida fiquei. Já tinha um plano tão bom na minha cabeça: chegava ao pé de uma certa marmanjona que se acha muito madama e mandava-a ir comer bolotas. E chegava ao pé de uma pessoa por quem nutro genuína empatia, que juraria ser recíproca, e dizia que tinha muita pena mas que já tinha dado demais para o peditório do politicamente correcto pelo que sorry but bye buy, alimentasse ele a outra a bolota. 

Tirando isso o que posso dizer é que me apetece ir ao cinema ver um grande romance de amor, uma daquelas fitas em que há sedução, uma inteligência fulminante ao serviço do amor, passeios no bosque, canto de passarinho na copa da árvore sob a qual o casal se abriga para experimentar os prazeres do corpo, desacatos caprichosos, cenas de ciúme mal comportado, e, para apimentar a coisa, um professor de uma matéria muito inesperada surgido do nada, uma prima inocente que só atrapalha, um mistério de resolução impossível -- e uma cabana na serra e mil olhares suspeitos, mil olhares de pura atracção, mil olhares de puro deleite, mil olhares de uma incontornável malícia. Ah, e um filósofo poeta para desafiar preconceitos e ortodoxias. Ou seja, um filme daqueles com um enredo onde não se possa pôr defeito. Mas ao espreitar o que aí vai só vejo o Rei Leão e afins. Portanto, mais uma frustração.

Poderia ir à procura de dvd, rever a Constance ou outra, ou o Visconde do olhar irrecusável e uma língua a passear pelos lábios na mais descarada alusão, ou outros. Mas ver filmes em casa é sucedâneo, coisa insuficiente. Bom mesmo só no escurinho do cinema. 

Ou livro. Livro de amor. Ah, apetecia-me um livro de amor, mas dos bons, uma escrita destilada, frases elegantes, daquelas que deslizam sem ruído, uma melodia suave e bela, palavras que se se enleiam como se dançassem abraçadas, um daqueles abraços profundos, longos, pele, carne e entranhas em sintonia, corpo uno, e o prazer absoluto da admiração mútua, do olhar que não sabe como desprender-se. Mas também não sei de nenhum que desconheça, que me surpreenda como se me deixasse em mar alto, me tirasse o pé, como se estivesse a fazer-me nascer pela primeira vez.

Ou carta. Carta também seria bom. Uma carta linda, um papel bonito, suave como uma seda roçagante, e nele uma letra sincera, palavras boas de ler e reler e reler, mil vezes. E que lá de dentro, ao desdobrar o papel, se soltasse uma flor romântica, perfumada como só as flores de amor conseguem ser. Mas já não há cartas. Para que estou a pensar no que apenas existe na minha memória?

Também podia ouvir bater ao de de leve aqui na janela e apanhar um susto dos antigos e, ao ir espreitar, trémula e aflita, descobrir um pequeno vasinho de violetas com um bilhetinho e, desdobrando o bilhetinho, um poema. Mas um poema de verdade, sem palavras normais, só palavras leves como delicadas notas de música. E um tigre azul a saltar do telhado para a rua, um salto leve como um voo.

Mas qual quê. Tenho que aceitar que tudo isto não passa de uma louca rêverie numa noite quente que desliza para o fim de semana.


Portanto, vou ver se me ocorre um assunto qualquer sobre o qual escrever porque, assim de repente, não me ocorre nada. Só se me puser a ouvir poemas.


Ou isso ou pensar naquilo de que, na volta, há vida por aí a pontapé, por todo o lado na nossa galáxia e no universo

Até porque, se calhar, um dia abro a janela e entram-me mil folhinhas de papel, cada uma com seu poema, poemas feitos de palavras até aí inexistentes, cintilantes como se nascidas de uma luz ao mesmo tempo muito antiga e muito nova -- uma luz impossível de descrever porque nunca antes sequer imaginada -- e mil pétalas cada uma de sua cor, cores nunca vistas, perfumadas, acariciantes, ciciantes como segredos sussurrados ao ouvido. E, se olhasse para o céu, é mais do que certo que veria mil serzinhos insolentes, insolentes como nunca antes conheci nem em vida, nem no cinema nem em livro. 

Mas, pronto, vou calar-me para não estar para aqui a maçar-vos com esta falta de assunto.

["Je ne peux pas choisir l'air que je respire - pourquoi serait-il différent avec les sons que j'entends, les symboles que je vois?" -- on m'a dit e eu não sei o que responder porque é óbvio que é mesmo isso]

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A primeira fotografia é de Sanjeev Gupta e a segunda não sei.

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Um belo sábado.
Saúde, alegria e amor para todos.

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