quarta-feira, julho 12, 2023

Quem foi temperar o choro e acabou salgando o pranto?

 

Quem por aqui me acompanha saberá que o meu lado racional não me permite acreditar na existência de entidades divinas, muito menos se antropomórficas, que zelam e punem, tantas vezes sem critério e sem justiça.

Contudo, considero-me uma pessoa não isenta de espiritualidade. E rendo-me à minha absoluta insignificância perante a inexplicável harmonia da natureza, perante a improvável conjugação de infinitos acasos que, incompreensivelmente, mantêm o mundo a funcionar garantindo a existência da vida. E vergo-me, humilde, perante a indecifrável beleza de tudo, incluindo a beleza antes inexistente e que nasce da criatividade dos que têm a dom da arte nas suas múltiplas formas. E, por tudo isso, sinto imensa admiração.

Se existe alguma coisa de omnipresente, intangível, e que está acima de todos e de tudo, aquilo que me parece minimamente concebível é que seja esse misterioso acaso que (des)regula, aleatório, arbitrário, indiferente, os acontecimentos, sejam eles quais forem e que, apesar de tudo, faz com que o mundo continue a existir, quase como que por milagre.

E se há coisa que me custa perceber e aceitar é que, em nome de uma divindade, seja ele o deus da igreja católica seja qualquer outro deus, se ergam catedrais luxuosas em que agentes dessas religiões se paramentem, tantas vezes também luxuosamente, para espalhar medos ou ameaças com base nos quais tantas vezes se incita à intolerância (e, tantas vezes, ao ódio), para espalhar restrições não baseadas na ciência ou para usar o poder do segredo para actuarem abusivamente sobre gente indefesa.

Algumas das pessoas inteligentes que conheço e que acreditam em deus justificam a sua crença pela redução ao absurdo: se não acreditassem, então qual o sentido da vida?

Parece-me um argumento factualmente fraco mas percebo que há quem precise de sentir o amparo de acreditar que há 'alguém' sempre pronto a zelar por eles ou à sua espera quando a fronteira entre a vida e a morte for franqueada. E, portanto, tudo bem, cada um é como é.

Dito isto, achei graça ao vídeo que mostra Ariano Suassuna a falar sobre Deus e, por isso, permitam-me que o partilhe.

Gostei, sobretudo, dos versos de Leandro Gomes de Barros que ele cita:

Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?

Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?

Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?

Dias felizes

Saúde. Serenidade. Paz.

7 comentários:

Anónimo disse...

Deus é um cara gozador, adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado me botar cabreiro
Na barriga da miséria, eu nasci brasileiro
Eu sou do Rio de Janeiro
.../...

https://www.letras.com/chico-buarque/45159/

ccastanho disse...

Caríssima UJM.

A propósito da espiritualidade e do mundo isotérico entre outras coisas, estou a ler a -"Historia Secreta do Mundo", do escritor Jonathan Black. É muito interessante como as sociedades se organizaram ao longo dos séculos e continuam na secreta organização a eleger quem as governam.

Do ponto de vista pessoal, sou despojado de crenças espirituais, logo, sou ateu. Nunca senti necessidade de proteção divina, é nas pessoas que me estão próximo que busco quando necessito de apoio. Penso até que, os crentes, são por natureza pessoas dependentes, submissas, são pessoas sem autonomia exatamente porque vivem sob proteção divina, a Trindade.

É o que penso, respeitando sempre evidentemente, a crença de cada um, era o que faltava não respeitar independentemente das minhas convicções sobre esta ou outras matérias.

Segismundo disse...

Um ano-luz representa a distância de 9 460 730 472 580,8 quilómetros. Consta que a galáxia GN-z11 está a 13,4 mil milhões de anos-luz da Terra! E toda essa vertigem cósmica foi criada por esse ente, esse deus ciumento e invejoso dos outros deuses, que só quem lê a Bíblia sabe a má rês que ali está?! Se vos aparecer um sujeito dizendo que nasceu de uma virgem, mas que tem um pai que é carpinteiro, e que ressuscitou ao 3º dia, sede compassivos, mas internai-o, não o adoreis! A religião está para os adultos como os contos de fadas estão para as crianças. O único sentido da vida é viver, o melhor possível! Mas talvez não fosse mau começar por definir-se o que é realmente a vida. A Senhora UJM refere Ariano Suassuna, mas, se me permite, gostaria de recomendar, no Youtube, o vídeo “Drauzio Varella no Sempre Um Papo – Ateísmo”. Vejam, é muito bom.

Filo Stone disse...

Olá UJM, espero que esteja a ter um dia muito alegre e feliz. Desejo que a data se repita por muitos anos e que nos continue a oferecer diariamente as suas anotações livres, corajosas e inteligentes sobre o Mundo e sobre vida. Um abraço de outro caranguejo, com 7 décadas, pelas quais me sinto muito feliz. Com tudo o que de bom e de menos bom vivi, sem necessitar de praticar qualquer religião, sinto-me grata à Vida, seja ela governada por Deus, por um poder ou consciência universal, o que quisermos.
Filo

aamgvieira disse...

Então parabéns por mais um ano, obrigado pelas prosas variáveis que vai escrevendo todos os dias !

A. Vieira

Diogo Almeida disse...

Viva UJM. Deixe-me dar uma palavrinha ao Segismundo.

Então, Segismundo, no cosmos sapiente do seu cérebro, já decifrou por que razão, afinal, o mundo não é tão louco assim? Por que razão quem vai à missa não sai de lá invariavelmente com uma psicose?

Por esta altura, os manicómios deviam estar cheios de religiosos e religiosas!!!

O seu comentário, além de conter ataques primários, é uma aldrabice pegada. Deixe lá o tamanho do universo e empenhe-se mais em si.

Segismundo disse...

Senhor Diogo Almeida, o senhor disse alguma coisa? Palavra de honra que não consegui percebê-lo. Mas não se preocupe, a Terra é redonda e gira. Leia Spinoza, o Baruch. Bem-haja.