Gosto de cozinhar, já o disse. Mas não gosto de fazer doces. A questão é que sou indisciplinada para além da conta e, por isso, tenho dificuldade em seguir receitas e, na doçaria, ou já se é um doceiro experiente ou não dá para arriscar. O processo em si é daquelas coisas que ou se deesenrola como é suposto ou azarinho, não se consegue rectificar a meio. Ou sai bem ou sai mal.
Numa das vezes, não me lembro que doce era, quando se estava a servir, detectou-se que uma colherzinha usada no processo lá tinha ficado dentro. Ao servir e dar com a colher foi o fim da picada. Risota geral que perdurará até ao fim dos tempos.
Outra que não cai no esquecimento foi um arroz doce que, no fim, em vez de estar em estado quase sólido, empapadinho e gostoso, bom para ser delicadamente polvilhado com canela, se apresentou líquido, um ofensivo leite com grãos de arroz a boiar. Um tacho com um caldo humilhante. Gargalhada geral.
Mais tarde, uma amiga, engenheira química de formação e estudiosa da química aplicada à culinária, explicou-me: como sempre, não segui a receita, ou seja não juntei o açúcar na devida altura, juntei-o antes de tempo fazendo com que o arroz ganhasse uma crosta impermeável, impedindo a absorção do leite. Mas só soube isto anos depois pelo que, na altura, o fenómeno pareceu injustificável, aselhice de alto calibre. Foi tão traumatizante que não ousei reincidir.
Entretanto, ganhei aquela consciência de que é melhor cortar nos açúcares e, portanto, para me poupar a potenciais novos desaires e para não contribuir com açúcares escusados, no que se refere a fazer bolos ou outras sobremesas, estou fora. Aviso logo: ou compro bolos e/ou gelados ou façam o favor de trazer.
Mas quem sabe um dia não me supero e não arrisco um doce com pouco açúcar e que seja uma coisa fantástica de bom sabor, uma mistura improvável, uma coisa arrojada, incapaz de a gente parar de comer. Ou de olhar. Bolo que parece peça de bordado, peça de olaria, obra de arte.
Os bolos que usei para ilustrar as palavras gulosas são da autoria de Leslie Vigil. Parecem bordados nossos, daqueles dos lencinhos de namorados (creio que de Ponte de Lima), coisa de uma perfeição e graça que dá gosto olhar. Pena deve ser cortar e comer.
E vejam, por favor, este vídeo: doces artísticos, lindos, uma loucura de criatividade. Vários doceiros, vários artistas.
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Desejo-vos um bom dia
Saúde. Doçura. Paz.
2 comentários:
Ola Querida UJM,
Não sei o que será pior/melhor motivar uma risada cumplice pelos desaires da doçaria, pois pela comida propriamente dita recebe sempre elogios, ou esmerar-se e ninguem acreditar que a obra é de sua autoria.
Aconteceu-me no inicio de casada. Talvez há uns quarenta anos. O meu marido trabalhava na altura em cinema e tinha acabado um filme, era o seu aniversário e pensei ser eu a fazer o bolo. Na altura a especialidade boleira não estava tão desenvolvida, não se vendia massa de açucar que hoje permite obras de arte.
Pensei num bolo imitando uma claquete. Fácil, um tabuleiro quadrado de cantos arredondados, uma massa de chocolate recheada com compota, creio que de pessego, um corte imitando a claquete aberta, um ponto de açucar tipo fondant, clara e açucar, fazendo as inscrições alusivas e, esses sim comprados na pastelaria, fios de ovos á volta.
Gostei do resultado e esperava os elogios.
Na altura de partir o bolo ninguem acreditou que fora eu, todos me perguntaram de que pastelaria era e alguns ficaram incomodados mesmo quando mostrei o tabuleiro onde fora cozido.
Passados tempos uma colega do meu marido ainda me acusou de fazer "caixinha".
O meu marido, que não é dado a grandes elogios sabia, mas não tentou convencê-los.
Mais uma vez gostei de a ler e Olhe, gostei de recordar este episodio.
Hoje preocupa-me que sejam bons os bolos e sobremesas, as decorações são simples. Nesta fase gosto mais de fazer doces pois a comida do dia a dia já me cansa. A idade limita-nos, nem tudo pudemos/devemos comer.
Continue fazendo-nos companhia e um dia virá o tal livro.
Um beijinho
Ficarei triste se mais uma vez aparecer o simbolo lixo no meu comentário.
Oh Pôr-do-Sol...!
Não sou eu que coloco o caixotinho do lixo, é o próprio softare do blog. Aparece sozinho. Se calhar há maneira de o tirar mas eu não faço ideia de como se faz. Nem sei para que serve.
Ou seja, estou inocente, acredite...
Essa de não acreditarem nos seus dotes ou acharem que era habilidade a mais também deve ser frustrante.
Aconteceu-me uma coisa parecida com presentes que eu fazia, bordados ou crochets, para oferecer no Natal. Ficavam a olhar para mim, na dúvida se era eu que tinha feito, depois com sorrisinhos 'que menina tão prendada...'. Deixei de fazer. Fazia-os com tanto gosto e, afinal, em vez de apreciarem o que eu tina feito punham-se era na dúvida se era obra minha ou porque é que eu tinha feito aquilo...
Enfim.
Uma familiar minha (que eu aqui não digo quem era não vá o diabo tecê-las) é o oposto. Vai a uma loja e se vê alguma coisa a que acha piada compra para cima de uma dúzia e distribui pela família. Tudo igual. Uma vez recebemos todas girafas douradas. Grandes. Nunca encontrei um lugar adequado para pôr a minha. Acabou por estar, discretamente, ao lado de um sofá, meio disfarçada junto a uma mesinha de apoio. Como as pernas da girava eram fininhas, desequilibrava-se facilmente. Tinha sempre medo que alguém se magoasse. Uma girafa de metal pesado, dourada, reluzente... O meu marido sempre a dizer para eu me desfazer da girafa. Mas eu receava que ela, ao ir lá a casa, visse que a girafa estava desaparecida... e no ano seguinte me desse alguma coisa ainda mais bizarra.
Agora nem sei se ainda está encaixotada (desde a altura em que mudámos de casa) ou se foi fora. A verdade é que já não está à vista.
E obrigada pela partilha da sua história e pelas palavras sempre tão amigas.
E olhe... não ligue ao caixote do lixo. Mas não carregue nele não vá o seu comentário desaparecer...
Beijinhos!
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