Chego ao verão a precisar de intervalar e, se calhar, também deveria intervalar aqui. Mas já me faz parte. Antes de me deitar, chego aqui e escrevo. Passa da meia noite e sobre o que me ocorre não quero falar e o que sobra é tema já falado.
Em casa, nas escadas, fazia uma lojinha em que vendia pedrinhas, ervinhas. Tinha uma balança pequenina. E com um papel cortadinho em pequenos bocadinhos fazia o dinheiro. A minha prima, mais nova que eu uns quatro ou cinco anos, era a minha cliente. Era ainda tão pequenina que alinhava em tudo. Ela preferia brincar aos médicos, fazer-me curativos. Eu não me importava de ser a doente. Afinal andava com as pernas sempre esfoladas. Ela veio a seguir a sua vocação de sempre. Eu não cheguei a ser merceeira.
Passei a querer ser cabeleireira. Penteava as bonecas, penteava a minha prima mas, sobretudo, penteava a minha mãe. Fazia verdadeiras mises. Punha-lhe rolos, punha-lhe laca, secava-lhe o cabelo e fazia elevações artísticas. Gostava mesmo. Ela confiava na minha perícia.
Embora gostasse de me pôr nas mãos das cabeleireiras (porque gosto que me mexam na cabeça), a verdade é que nunca gostei do resultado. Não gosto de me ver muito penteada. A primeira coisa que sempre faço quando de lá saio é enfiar os dedos no cabelo, abanar a cabeça, despenteá-lo.
Agora há mais de dois anos que não vou. Mas não faz mal. Também nunca lá fui muito. Ia mais para fazer um corte mais acertado, para aí umas duas vezes por ano.
Habitualmente corto o cabelo a mim mesma. E seco o cabelo ao ar, sem o pentear. Fica como ficar. No verão apanho-o mais pois faz-me calor. No inverno uso-o geralmente caído.
Dantes, quando era mais nova, por vezes fazia-me penteados artísticos mas, ao olhar-me ao espelho, achava que era coisa para mulheres mais velhas. Desfazia. Outras vezes fazia penteados meio soltos que é como me sinto melhor mas na altura não era habitual andar-se com ar despenteado.
Quando os meus filhos eram pequenos cortava-lhes eu o cabelo. Adorava. Mas era um desafio... Ela tinha sete camadas de cabelo, nunca mais acabava. Ele tinha cabelo forte e cada tesourada incerta evidenciava o passo em falso.
Ao meu marido sempre fui eu que cortei o cabelo.
Agora consolo-me com a minha menininha que também gosta de ser penteada e que é descontraída, não tem cá receios das opiniões dos outros. Posso fazer-lhe os penteados mais insólitos que por ela está sempre bem.
E agora que estou neste estado de espírito, a pensar que preciso de férias, a pensar que seria bom não ter qualquer compromisso no prazo de duas ou três semanas, chego aqui à noite e estou preguiçosa, meio inerte. Para falar verdade, só me dá para seguir acefalamente o que o algoritmo do Youtube tem para me mostrar. Ainda estive tentada a falar sobre reflorestações ou arquitectura biofilíca que estive a ver com interesse. Mas estou sem pedalada nos dedos para me atirar a tal. Só coisas simples. Mas simples-simples, planas (isto para não dizer rasteirinhas).
Ontem bolos. Hoje penteados. Não há dúvida que o algoritmo sabe compreender o meu estado de espírito e a minha energia. Ou seja, agarra-me, o patife.
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