segunda-feira, abril 25, 2022

25 de Abril.
Nome do meio: Liberdade

 


Estes meus dias, o sábado e o domingo, foram dias muito bons. Estive com a família, com os meus meninos. O meu coração abre-se num abraço quando estou com eles. 

Sinto-me feliz e agradecida e gosto de ver que eles também se sentem bem. 

Os primeiros que chegam perguntam sempre pelos outros. Neste domingo não estiveram ao mesmo tempo. Os que vieram na parte da manhã tinham, logo a seguir ao almoço, um programa de festas apertado e que começava cedo. Por isso, quando os segundos chegaram já os primeiros tinham saído. Ficaram com pena. Mas, apesar disso, quer os da manhã quer os da tarde estiveram felizes da vida. Gostam de cá estar. 

Agora, para além dos primos e tios e avós há também este ser felpudo, amalucado e meigo, que fica doido de alegria quando os vê.

Brinca, brinca, deita-se para receber mimo, anda no meio de nós recebendo carinho de uns e de outros. 

Este domingo, o menino mais crescido -- que vai ter teste de português esta semana --, para treinar a composição, escreveu um texto (por sinal muito bem escrito e imaginativo). Eu li o texto, elogiei embora tivesse ressalvado um erro ortográfico e umas vírgulas fora do sítio, e a mãe leu-o também e também fez os seus comentários. Às tantas, vimos a pequena fera de composição na boca. Com tantos comentários, deve ter querido saber se também aprovava. Então, o menino dizia: 'Senta' e ele parava de correr e sentava-se. O menino dizia: 'Fica' e a fera ficava. Então o menino aproximava-se e dizia: 'Larga'. E a fera desatava a correr como se não houvesse amanhã, a composição na boca.

O mano dizia que o seu amigo felpudo era terrível, se calhar saía ao padrasto. 'Ao padrasto...?!'. A mãe perguntou: 'Ao padrinho?'. Sim, era isso, confirmou ele, o padrinho da fera.

De manhã, ao abraçar e beijar o mais novo, disse-lhe: 'Meu menino mais lindo'. E ele disse: 'Os meus pais nem sempre estão de acordo'. Assim, de repente, não percebi. 'Não estão de acordo com quê?'. Ele encolheu os ombros e disse: 'Que eu seja um menino lindo. Eu às vezes sou maroto...'. Abracei-o ainda mais, 'Meu marotinho mais lindo'.

Enquanto isso, a menininha ajudava-me na cozinha e confessava que adora cozinhar mas coisas complicadas, dizia. O irmão do meio, também a ajudar, refutava: 'Mas, mana, se tivermos que fazer o jantar, temos que saber fazer o básico, arroz, mexer um ovo'. E ela, na base do dahhhh...: Ó mano, claro que sei fazer isso tudo...

Todos eles me surpreendem, encantam e divertem, cada um à sua maneira. 

Apontamentos de momentos de maravilhamento e boa disposição. Tomara que sempre os retenha na minha memória e eles na deles.

Mas não me sinto apenas feliz por vivê-los: sinto-me também agradecida. 

Vivo num país lindíssimo, acolhedor. O clima é aprazível. O ambiente é luminoso e descontraído, as pessoas são afáveis e bem dispostas.

Antes espantava-me quando, nos outros países, via as pessoas deitadas ao sol, na relva, em jardins públicos, algumas em fato de banho. Ou pessoas cantando na rua, outras fazendo acrobacias. Pessoas andando de barquinho a pedais em lagos, as esplanadas cheias, gente cantando ou rindo em voz alta. Em contrapartida, por cá, as praças estavam vazias, ninguém se deitava na relva em parques públicos, quase não havia esplanadas e, nos restaurantes, falava-se sempre à boca pequena. Talvez fosse ainda o lastro do regime anterior, soturno, ensimesmado. As pessoas viviam viradas para dentro de casa e para dentro de si próprias. Havia ainda a psicose do que os outros pensavam ou deixavam de pensar. As pessoas tinham medo de se expor pois temiam a censura alheia.

Felizmente a nossa democracia foi amadurecendo. Desinibimo-nos, aprendemos a divertir-nos. E ninguém leva a mal.

Agora somos um país aberto aos outros e à diferença, as ruas estão cheias de vida e de diversidade, há alegria e vontade de partilhar e de conviver com a natureza e com os outros.

Vivermos num lugar assim -- um lugar tranquilo, luminoso, pacífico, cheio de sol e de mar e de jardins e serras e em que se vêem pessoas de todas as cores falando todas as línguas, vestidas das maneiras mais inesperadas, fazendo as coisas mais bizarras -- é uma felicidade.

E, se me sinto feliz por poder viver e testemunhar esta sorte, a verdade é que sei bem o quanto tudo isto é frágil.

Desejo que seja perene e que deixe boas memórias em quem vive estes momentos bons mas não me iludo: de um momento para o outro tudo pode mudar, tudo se pode perder.

Há cerca de dois anos fomos todos mandados para casa porque um vírus ameaçava a nossa vida normal, obrigando-nos a uma adaptação repentina a outros hábitos, longe uns dos outros, sem contacto físico, receando contagiar-nos uns aos outros.

Pelo meio o meu pai morreu e não apenas não pudemos velar o seu corpo (o que não me custou muito pois penso que me teria custado mais estar numa capela rodeada de gente sabendo que o seu corpo frio estava ali, ausente, destituído daquilo que ele tinha sido) como foi muito triste ver chegar a carrinha com o caixão envolto em película aderente e estarmos cá fora, poucos, todos meio abandonados. Pensar que o meu pai estava ali e nós a despedirmo-nos dele tão pouco condignamente causou-me muita tristeza. Mas tudo é relativo. Na morte e nas despedidas há sempre tristeza, de uma forma ou de outra.

Ao fim de dois anos, agora que a pandemia está a dar mostras de acalmia, acontece a invasão de um país por outro que o quer anexar e que, para o conseguir, o bombardeia, assassina pessoas, destrói cidades e obriga a expatriar milhões de pessoas. Famílias inteiras destroçadas. Uma tragédia infinita e imperdoável.

Estou feliz, a minha casa íntegra, a minha família unida. E a primavera aí está, florida, renascida, cheia de flores e canto de passarinhos. 

E eu ando deleitada, fotografando tudo e todos, olhando cada coisa como se fosse a primeira ou a última vez.

Mas sei que tenho sorte e que nada é garantido. 

Mas é bom enquanto dura e sempre farei o que está ao meu alcance para que sejamos felizes, livres, donos do nosso destino. 

E Macron venceu em França e a Ucrânia há-de manter-se um país livre e independente e tenho esperança que conseguiremos voltar a acreditar num mundo sem muros, sem guerras, sem mal.

(E não quero saber se isto soa a ilusão sem sentido. Quero acreditar que será possível sonhar com isso e isso chega-me)

Não tenho cravos para aqui festejar Abril. Mas Abril é um mês que não apenas acolhe todas as vozes como todas as flores e, por isso, termino o texto com uma flor de que gosto muito. Para todos os que por aqui passam.


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25 de Abril sempre

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Um dia bom
Generosidade e afecto. Liberdade. Paz. 

4 comentários:

ccastanho disse...

Parece que a Embaixadora Ucraniana, escolheu encabeçar o desfile do IL, em detrimento, da união de democratas no tradicional desfile da Avenida da Liberdade.

Não sei bem o conceito de democracia desta Senhora, mas que devia pedir desculpa aos Portugueses pela opção partidária... era o mínimo!, que se lhe exige.

Um Jeito Manso disse...

Caro CCastanho

Peço desculpa mas acho que o que diz não faz sentido. Provavelmente foi quem a convidou e ela, educadamente, aceitou e, se assim foi, acho que fez bem.

E a IL não é um partido democrático? Eu nunca vi nada que me leve a crer que não há.

Não voto IL mas não tenho nada contra eles. Posso não me rever em algumas ideias mas há outras que são interessantes. E, ao convidar a Embaixadora Ucraniana, revelou inteligência.

E é o que tenho a dizer.

Uma boa semana

ccastanho disse...

Penso que era mais impactante para a defesa da causa Ucraniana, aparecer no desfile tradicional do 25 de Abril com todas as forças politicas que estejam com a data festiva, em vez de aparecer, num partido que se exclui do tradicional desfile. Só isso. Ainda que para tal seja convidada, naturalmente, como parece ser o caso.

Não disse que o IL, não respeita as regras democráticas.

Um Jeito Manso disse...

Ccastanho,

Mas os organizadores do dito 'desfile tradicional' tê-la-ão convidado? Se calhar, não.

Mas não sei. Não me parece grave. Não façamos 'casos' onde eles não existem. Participou na manifestação e isso é que basta. O 25 de Abril deve ser inclusivo. Participa quem quer, como quer. E está tudo certo.