quarta-feira, agosto 11, 2021

Ir ao dentista

 

Quando era pequena detestava leite. Dava-me vómitos. Na altura, o leite era fresco, do dia, tenho ideia que vendido porta a porta. A minha mãe fervia-o em casa. Depois aquilo formava uma nata que era cuidadosamente retirada, coada. Se eu sentia uma leve película na boca, ficava com vómitos. Só a perspectiva de, ao beber, sentir aquela coisa na boca, já de si me agoniava. Aliás, até o próprio sabor do leite me dava náuseas. A minha mãe servia-o morno e tentava várias aproximações: simples, com ovomaltine ou sei lá com o quê. Mas nada a fazer: eu detestava-o de todas as maneiras. 

Ou seja, pouco ou nenhum leite bebia. 

Quando andava na infantil e na primária, tínhamos um professor de educação física que nos punha a fazer desporto ao ar livre e nos levava à praia... e que nos fazia beber garrafinhas de leite ucal. Não sei porquê, não com chocolate mas simples. Odiava. O sabor daquilo dava-me ânsias. Não conseguia beber. Só da perspectiva de, no fim, ter que tentar beber aquilo, já a aula, que tinha tudo para ser boa, se tornava um bocado angustiante.

Apenas no fim da adolescência percebi que tolerava bem o leite magro, frio e sem açúcar. Mesmo o meio-gordo desde que frio. Mas não apenas não virei entusiasta como já lá cheguei tarde de mais. Por essa altura, já tinha também percebido que gostava mesmo era de iogurtes. 

A falta de leite na tenra infância e no início da adolescência teve consequências. Ainda miúda tive uma ou outra cárie. Não tinha qualquer medo de ir ao dentista. Estando os meus pais a trabalhar e tendo a minha mãe a absoluta responsabilidade de nunca faltar para não deixar a sua turma ao deus dará, coisa que eu compreendia e respeitava, lembro-me de ir ao dentista sozinha. Lembro-me também de no consultório se admirarem de eu estar sozinha. A mim não me fazia qualquer diferença. Ia na maior descontração, saía de lá com a boca ao lado da anestesia, e ia a pé, sozinha, para as aulas.

Apesar de tomar cálcio durante a gravidez e enquanto amamentava, quando teria o meu filho uns seis meses, tive ao mesmo tempo problemas em dois ou três dentes, já não me lembro ao certo. De facto, foram os 9 meses da gravidez da minha filha, depois 13 meses de amamentação, depois mais 9 meses da gravidez do meu filho e seis meses de amamentação dele. Muito consumo de cálcio para as minhas fracas reservas.

Ir ao dentista nessa altura, era para mim um sufoco, não por ter medo mas por ter falta de tempo. O dentista, por acaso da família, ficava longe do meu emprego e longe da casa dos meus sogros, onde o meu filho ficava durante o dia nesses primeiros meses. Na altura, deslocava-me usando transportes públicos. Saía a correr do emprego, apanhava autocarro ou eléctrico e metro. Depois do tratamento, mais metro e mais autocarro. Pegava no meu filho e iniciava o trajecto para casa, com o meu filho ao colo, indo, pelo caminho, buscar a minha filha ao colégio. 

Portanto, resolvi que, em vez de lá ir várias vezes para uma sessão de uma hora cada, deveria fazer umas três de seguida, por dia, e despachar o tratamento em muito menos tempo. O dentista tentou dissuadir-me, que era anestesia a mais, que o pós-anestesia seria complicado. Mas não conseguiu. Sem qualquer medo, sem me preocupar com consequências, fiz questão. E assim foi.

Na primeira e única vez em que ele foi na minha cantiga do 'condensado', quando saí de lá, vi que não estava bem. Contudo, a minha preocupação era recuperar os meus filhos e chegar a casa. Por essas alturas, o meu marido estava num trabalho novo, com muitas deslocações e frequentemente a ter reuniões com pessoas que vinham de fora e tinham o tempo contado pelo que as noitadas eram mais que muitas. 

Foram tempos muito puxados para mim. Mas os meus vinte e poucos anos e a minha vontade de que tudo se conciliasse -- vida familiar, vida profissional, vida conjugal -- tudo aceitavam e tudo ultrapassavam, sem qualquer aborrecimento ou drama.

Nesse dia, fui, pois, meio estonteada, meio nauseada. Mas, quando a gente quer chegar inteira a um lugar, a gente, quase sempre, consegue. Contudo, estando como estava, a verdade é que não sei como consegui chegar a casa. Mas cheguei. Deitei o meu filho na caminha dele e deitei-me, vestida, sobre a minha cama. Quase desmaiada, não sei como foi possível aguentar-me. A minha filha, três anos, sentada em cima da minha cama, descalçou-se sozinha e lembro-me de ver a areia que ela sempre tinha dentro dos sapatos a escorrer para a minha cama. O meu filho chorava, certamente cheio de fome, e ela brincava, metendo-se também dentro da cama, vestida, suja da escola, com bonecas, tudo na cama, uma festa. De vez em quando, conseguia, a muito custo, ir à casa de banho vomitar. E, agarrada às paredes e aos móveis, de novo para a cama. Na altura não havia telemóveis. Não me lembro se consegui telefonar ao meu marido. Tenho uma vaga ideia que sim e tenho uma vaga ideia de que, doente como estava, não consegui transmitir-lhe as dificuldades em que estava.

Não sei como me aguentei sem desmaiar nem sei como consegui aguentar os miúdos até que, finalmente, à noite, ele chegou.

Mas não ganhei aversão ao dentista. Continuei a não ter qualquer medo. 

A única coisa que me assusta é quando põem aquela massa horrível para fazer um molde para uma coroa (igual a esta aqui ao lado). Tenho medo que, quando aquilo solidifica e é preciso puxar, me venham os dentes todos atrás. Imaginar-me totalmente desdentada é assustador. E, quando me põem aquela massa e fico de boca aberta e com aquilo a encher-me a cavidade bucal, dá-me uns vómitos que não se aguentam. E só de me imaginar naquela figura, ao mesmo tempo dá-me uma vontade de rir que também não se aguenta. Ainda me lembro do dentista, porque o riso é contagioso, também rir a bandeiras despregadas, eu a rir, as lágrimas a correrem-me, pelo meio com vómitos, e a rir, rir e ele a rir, rir, também já com lágrimas nos olhos. Quem ali entrasse haveria de achar que só podíamos ser ambos malucos. Quando penso nisso, dá-me sempre vontade de rir. E também vontade de que não volte a ser necessário encherem-me a boca com aquela plasticina assustadora.

E isto só vem a propósito do vídeo que hoje, ao abrir o youtube, aqui me apareceu.

Os meninos do meu filho estiveram cá hoje de manhã e o mais pequeno insistiu para que o deixasse ver o Mr. Bleen (como ele diz). Então, enquanto tive que fazer um telefonema, pedi para o mano do meio, lhe pôr o Mr. Bleen no meu computador. Riram os dois de gosto e eu, quando me despachei do telefonema, ri-me também. Agora, por ter percebido estes meus gostos, o algoritmo tinha este para me mostrar. E eu, como sempre, apesar do sono com que estou, já me fartei de rir. Não consigo responder a comentários e mal me aguento de olhos abertos.... mas rir, isso não há quem me trave.

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Já agora, se me permitem, um momento publicitário:


E, olhem, só mais este, ok?


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Desejo-vos um dia feliz
Risota. Sorrisos. Galhofa. E saúde.

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