quarta-feira, novembro 25, 2020

Ah... que pena Bosland não ser aqui perto...





Quando chego a uma qualquer terra -- ou melhor, quando chegava... -- mais do que ir logo enfiar-me nos museus, procuro os jardins ou parques públicos. Tenho para mim que a alma de uma terra está nos seus jardins.

Dantes, por cá, era muito amante do Jardim Botânico, lugar romântico e onde já fui muito feliz. Por vezes tinha que vir o seu guardião expulsar-nos, não dávamos pelo passar do tempo. Claro, também, dos Jardins da Gulbenkian, lugar sempre mágico e do qual sinto muito a falta. Até meados de Março, pelo menos à sexta-feira à hora de almoço, ia sempre passear por lá. Ou almoçava num dos restaurantes ou ia ao nepalês ali perto e depois ia para lá passear, quer nos jardins quer nas livrarias. Mal comecei a circular por minha conta e risco pela cidade, era para a Gulbenkian que os meus passos me levavam. As exposições atraíam-me muito, mesmo quando era confrontada com coisas que me deixavam doida de incompreensão. Era, então, demasiado jovem para saber que a maioríssima parte do conhecimento me seria estranha para o resto da vida. O riacho, o lago, os recantos onde poderíamos estar a bom recato, eram outras tentações. Por lá namorei, primeiro com o segundo, depois com o terceiro, por lá tenho andado com os meus filhos desde bebés até agora, e agora também já com os meus queridos pimentinhas que sobem às árvores a que os pais subiam, que vêem os netos dos patinhos que os seus pais viam. 

Havia a Estufa Fria mas coisa sempre organizada demais para o meu gosto. Nunca foi destino de predilecção. Não é bem jardim, muito menos é Parque, é Estufa. Lugar de descoberta mas, na realidade, para mim nunca lugar de espanto e rendição. Com os miúdos também o Jardim Tropical, adoravam as raízes daquelas árvores gigantes, subir e descer e saltar, descobrir, brincar. E ainda o do Palácio de Queluz, bonito mas muito civilizado, muito feito a régua e esquadro, muito estruturado para o meu gosto. Sou mais pela natureza a l'aise, sem coleira ou preceitos.

E ainda me lembro de um amigo me falar do Parque Urbano do Porto. Mora perto, ia contando sobre o andamento dos trabalhos, ia antecipando o lindo que ia ficar. E ficou muito bonito, começa na cidade, vai até ao mar. Não nisso de descer até às águas mas no resto é um parque com afinidade com o Parque da Paz, também uma maravilha. 

Numa altura em que ia várias vezes por ano a Madrid não podia deixar de andar pelo Retiro. Havia sempre alguns musts em Madrid: a loja de lingerie da Serrano que me tirava do sério, tal a elegância e ousadia das suas peças, e os passeios nas belas alamedas e recantos do Retiro. Claro que também as temporárias dos três museus do triângulo ou os petiscos ao início da noite ou aquelas belas zarzuelas de marisco que comia antes de confirmar, a duras custas, que sou alérgica a marisco de casca encarnada -- mas, enfim, isso agora não vem ao caso.

E agora estou a lembrar-me de Monserrate. Aquelas árvores... que maravilha...

Sintra é Sintra é Sintra mas, em Sintra, para além de uma certa casa de que aqui apenas falo quando a disfarço de fantasia, casa essa onde me ensinaram a gostar de vinho, para além dos travesseirinhos quentes que se compram ali perto, para além dos passeios pela serra ou pela lagoa, são os verdes e as grandes árvores de Monserrate que sempre ali me prenderam. 

E, numa de cerises a puxarem cerises, de muitos outros parques ou jardins poderia aqui dar conta. Como aquela primeira vez em Hyde Park em que, vinda de um país onde não era costume desfrutar a vida ao ar livre, fiquei muito surpreendida por ver concertos no meio do jardim, as pessoas a puxarem uma cadeira e a assistirem na boa, na maior informalidade, outras deitadas na relva, tudo na maior felicidade. 

E é verdade, já me esquecia, a esplanada do parque rente a um lago perto dum outro recanto com estátuas, lugar de romance e mil beijos, tantas e tantas tardes lá passei, tanto que por ali cirandei, no alto do Parque Eduardo VII, uma esplanada resguardada, tão, tão, agradável -- e, houve uma altura que agora também não vem ao caso, tão irresistivelmente clandestina. 

Ah, sim, claro, é verdade, outro que também me maravilha: Serralves. Tão bonito. Sempre alguma coisa a descobrir. Lindo, lindo. Há tanto tempo que não vou ao Porto, que saudades.
Aliás, há tanto tempo que não vou a lado nenhum. Como estarão os parques das cidades? São os últimos refúgios dos seres humanos?
Agora me lembro, nunca conheci parques que adoraria conhecer: os etéreos do Japão. Não serão luxuriantes como os que costumam fazer-me cair de paixão mas, sim, elaboradamente requintados, a beleza reduzida à sua mais íntima essência. Como me sentiria lá? Depurada? Sereníssima como nunca antes? Nem conheci aqueles outros, igualmente longínquos, em que as árvores e as suas raízes rebentam em verde por entre ruínas, uma simbiose perfeita entre a exuberância da natureza e a decadência mágica de antigas esculturas ou edificações. Gostava muito de ainda vir a conhecer essa realidade que apenas conheço remotamente. Penso que choraria de emoção, as minhas raízes entrelaçando-se com as das árvores mais antigas.

Vem-me este gosto desde a minha meninice vivida à larga, perto do campo, casas com jardins e hortas tudo sempre de porta aberta, vida de largueza de movimentos, à rédea solta, de admirar os rapazes subindo às árvores, de meninas sentadas à sombra, da menina que fui andando a apanhar pinhões que depois comia depois de os partir com uma pedra. Ou virá de qualquer outra coisa. Talvez noutra encarnação tenha sido árvore. Ou pássaro ou outro bicho que tenha vivido no mato, em florestas. Sei lá.


Por tudo isto, o que eu gostaria que estes caminhos entre as árvores que aqui se vêem no vídeo abaixo estivessem perto de mim. Não é arborismo mas é quase. Andar entre as árvores, mesmo quando andamos com os pés nos chão, é bom. Revivo, revigoro-me, desligo-me do resto do mundo quando caminho entre árvores. Imagine-se como será bom ir subindo, subindo, e ficar bem perto do céu em que as copas se encontram, ser irmã dos pássaros, ser folha, ser luz entre as folhas, ser pouco mais que uma aragem.



E aqui fica a sugestão: que os nossos autarcas, todos, invistam em projectos deste género em que o contacto próximo com a natureza seja estimulado. 

Boa?

12 comentários:

Pôr do Sol disse...

Tambem gosto muito de jardins.

Há uns anos quando a minha menina tinha cinco ou seis anos, andámos por vários fins de semana a fazer a rota dos jardins de Lisboa e arredores. Eram manhas bem passadas. Havia os de todos os estilos, clássicos, muito desenhados e os mais livres onde tudo crescia verde e muito colorido sem grandes regras.

Um dos ultimos que visitámos e que nos deixou uma péssima impressão, foi o da Quinta da Regaleira. Um estilo talvez gótico, onde não crescia uma flor, não havia uma formiga, uma lagartixa, não voava um passaro, nada com vida. Cenario ideal para um filme de terror.

Um de que gostámos, meio jardim meio museu, foi o Parque dos Poetas em Oeiras.
A sua fonte de aguas dançantes ao som de clássicos fazia as delicias da pequenita.

Há uns meses que lá não vou, mas recomendo uma visita.

Boa noite, bons passeios.

Paulo B disse...

Olá UJM,

É um desespero a falta de espaços verdes públicos de qualidade em Portugal. Lisboa e Porto lá vão tendo dois ou três locais interessantes mas mesmo assim... Comparado com o que de melhor se faz por esse mundo fora... Uma pobreza Franciscana.
Até podia ser uma questão de riqueza, mas quando viajamos por este país e vemos um investimento absurdo em... Rotundas ajardinadas!!!! ... Fico piurso! (Juro que não compreendo: algumas são efetivamente espaços ajardinados extremamente complexos e que obviamente têm uma manutenção cara... num espaço que é.impossivel visitar e usufruir a não ser numa fugaz passagem automobilística!!!).

Bem, mas claro, sinto-me especialmente assim, frustrado, depois de ter acompanhado esta magnífica série na RTP2: https://www.rtp.pt/programa/episodios/tv/p39388

(Alguns já tinha visto programas.sobres eles. E gostava mesmo de ir àquele da Alemanha - gosto de espaços de arqueologia industrial... E tínhamos tanta potencialidade em Portugal... É olhar para o Barreiro... Para o seu Ginjal... Para as Minas por esse país fora (e as de São Domingos em particular)... Enfim).

Um abraço!

Paulo B disse...

Razoável jardim esse.
Ainda recente (os jardins precisam de tempo para a própria natureza tomar conta deles) e com um certo excesso de ordem.

Estevão disse...

Por falar em RTP2,
do nada também se faz um jardim. Assim o mostram estas Marias.

https://www.rtp.pt/play/p3311/e284861/paraiso

Prosperine disse...

Como me revejo...foi no Jardim das Rosas na Gulbenkian, que me inteirei de um drama de um dos meus melhores amigos...recordo-me como se fosse hoje! Foi na Estufa Fria que dava de comer aos Cisnes, pão seco que a minha avó paterna levava no bolso, quando me ia buscar à escola! Os Jardins...e o seu perfume, notas suaves em crepúsculos dourados, de cortar a respiração, deixando-nos ofegantes, por entre promessas de amor, trocadas à sombra noctívaga dos Jacarandás em noites de promessas de Verão! Aquele que chegará, sempre, enquanto houver Terra!

Um Jeito Manso disse...

Olá Pôr do Sol,

A Regaleira é um local de mistério e iniciação. Quando penso em jardins ou parques, não é local em que pense. Tem razão, é bom para filmes de suspense. E cultos maçónicos ou outros. Não é lugar onde uma pessoa se veja sozinha, ao fim do dia. Uiiii, medo...

Quanto ao dos Poetas, sendo lugar que até me seria em caminho, por razões que não entendo, nunca lá fui. Ainda ontem, ao falar com a minha filha, lhe sugeri que fosse lá com os meninos. É daqueles lugares em que penso sempre que hei-de lá ir e do qual, no dia a dia, me esqueço. Mas está aqui prometido: a ver se um dia destes lá vou. Obrigada pela dica.

Abraço, Sol Nascente!

Um Jeito Manso disse...

Olá Paulo,

Sempre que posso ou me lembro, são jardins que não perco. É daqueles programas que vejo de gosto, com mais interesse do que vejo as notícias.

E concordo que o nosso país, em geral, ainda não reconheceu a maravilha que são os jardins. Agora já se começa a ver rotundas que são bonitas mas não absurdas. Por vezes penso nisso: pela cabeça de quem é que passa a ideia de arranjar uma rotunda como se fosse um jardim quando ninguém pode para lá ir? Em contrapartida, quer-se encontrar um jardim público e quase não se encontra.

É daquelas coisas em que o país deveria investir, no desenho, construção e manutenção de jardins: um jardim atrai as pessoas, fomenta a vida saudável, melhora o ambiente.

E essa sua ideia parece-me muito interessante: valorizar e integrar os espaços decadentes. A decadência é muito bela, guarda os vestígios da vida que por lá se viveu.

Obrigada, Paulo, gosto sempre de o ler, traz sempre ideias interessantes.

Abraço.

Um Jeito Manso disse...

Olá Amofinado,

Não conhecia e foi com surpresa e gosto que vi o Jardim da Marias. Por vezes as pessoas despertam e criam a natureza. Acho esse exemplo uma maravilha. Em vez de novelas, em horário nobre, com mães que abandonam filhos, irmãos que atraiçoam irmãos, com violência fortuita e estúpida, mais valia que as televisões nos inspirassem com exemplo.

Muito obrigada, gostei muito de ver.

Um Jeito Manso disse...

Olá Prosperine,

Tal e qual. Os jardins ficam na nossa memória. Os jacarandás... tem razão: caminhar sob um céu de jacarandás em flor, que bom que é.

E lembrei-me também do Jardim da Estrela de que também gosto.

E os jardins mais pequenos como, por exemplo, os que se encontram na Expo. Ou a Tapada das Necessidades, tão bom lá estar.

Obrigada pelo seu testemunho, Prosperine.

Prosperine disse...

O Jardim da Estrela traz-me recordações de várias etapas da minha Vida, como se de outra(s) vida(s) se tratasse(m). E a Tapada das Necessidades tem pequenos recantos, verdadeiros Oásis. Considero que é importante todos termos também um Jardim secreto, onde nos recantos floridos, guardamos as memórias de tempos felizes, e dos outros também, pois são adubo para que da terra mais dolorosa, brotem novas flores.

Um bom fim de semana, ao seu Jeito Manso, para que nos deliciemos com a tranquilidade que emana dos seus escritos, (ok, uns mais mordazes do que outros, mas isso faz o tempero deste blogue)!

Um Jeito Manso disse...

Olá Prosperine,

Fico contente que se sinta bem por aqui, mesmo quando estou com os cachorros à solta. Cão que ladra não morde.. sabe como é.

Uma boa semana. Saúde e serenidade.

Prosperine disse...

Enquanto forem só cachorros... :-) wooof!