Encanto-me com as flores que vou descobrindo no meu jardim. O gosto pela jardinagem da anterior proprietária é muito idêntico ao meu. Todas as suas opções me agradam e me surpreendem. Ando com o telemóvel a fotografar e a identificar. Que prazer sinto nisto.
A romãzeira, por sua vez, como que ao despique, está com as folhinhas todas amarelas, muito bonita. E mais bonita ainda quanto as folhinhas vão tombando e a relva está, ela própria, coberta por aquela poalha dourada. Encanto-me, encanto-me.
Ao pé está um vaso que também está florido, umas flores matizadas, rosa e branco. Tudo tão bonito, deus meu. E uso a palavra deus deliberadamente pois tem que haver algures um bando de divindades ocultas e desenhar e a fazer existir todos estes pequenos seres tão superiores e tão cheios de beleza.
A anterior proprietária queixava-se das formigas, dizia que havia sempre muitas formigas, que tinha que pôr um pó para as neutralizar, que lhe davam conta das flores. Ainda não dei por elas e as flores rebentam de alegria e cor. Fico feliz por ver como as flores não me estranharam e parecem felizes com a minha companhia.
De cada vez que passo naquele bocado de jardim penso que, se calhar, deveria varrê-lo. Mas não o faço. Aquele colorido é bonito demais para ser varrido da superfície da terra. Ah, se eu pudesse conservar todos estes instantes. Fotografo para ver se as imagens que vou colhendo me ajudam a guardar a memória destes momentos de cor, paz e beleza.
Hoje, durante a caminhada da hora do almoço, passámos por uma casa em construção. Deve vir a ser uma bela casa. Contudo não me seduz. Casas feitas de raiz não me seduzem. Casas que já viveram outras vidas, sim (desde que me agradem, claro). Esta, onde agora vivo, com um jardim que vinha sendo plantado, melhorado e acarinhado talvez há uns vinte anos, tem para mim um valor inestimável. Quando por aqui passa, a anterior proprietária fala sempre nos cursos de jardinagem ali da Ajuda, diz que eu iria gostar. Claro que sim. Hei-de frequentá-los. Assim tenha disponibilidade, lá estarei. Penso que, tendo aprendido a melhor cuidar dele, ainda mais prazer terei com este belo jardim que me encontrou e pelo qual logo me apaixonei.
Numa panela, coloquei água, três cebolas, duas cenouras bem grandes, duas courgettes ainda maiores, uma batata doce cor-de-laranja, um pouco de sal. Lume no máximo para ferver, antes de baixar. Depois, num tachinho mais pequeno, coloquei uns quantos feijões-verdes laminados, uma mão-cheia de ervilhas e cenourinhas baby congeladas e umas favinhas pequenas também congeladas. Verti um pouco do caldo da panela sobre estes legumes e depois de ferver, depois baixei. Quando estava tudo cozinhado, já fora do lume, juntei azeite virgem de baixa acidez e, com varinha mágica, desfiz tudo até estar um belo puré de legumes. Juntei, depois, os legumes do tachinho com respectivo caldo. Misturei tudo com uma colher e juntei uma generosa rama de hortelã.
Ao almoço, estava morninha, saborosa, bem cheirosa.
Para o jantar, descongelei carnes e miúdos de galinha do campo (vulgo canjinha de galinha) e, como me pareceu pouco, tirei um saquinho com peitos de frango. Pensei: faço um arroz vagamente de frango para acompanhar peito de frango recheado. Afinal, os peitos de frango eram bifinhos do lombo de porco.
Portanto, acabou por ser assim:
Num tachinho, coloquei um bocado de água com um pouco de sal, uma cebola grande, umas folhas de louro, salsa e os bocados de galinha e respectivos miúdos. Deixei que cozesse. Quando tudo estava macio, retirei a carne que desossei e cortei tudo aos bocadinhos. Coloquei o caldo de cozer numa caneca. No tacho coloquei o caldo da cozedura que completei com água para encher a caneca, outro tanto só com água da torneira. Piquei lá para dentro uma cebola picada, feijão verde cordado aos bocados grandes, uma cenoura aos bocadinhos, ervilhas qb. Deixei cozer um bocado. Juntei, então, uma caneca de arroz basmati e as carnes cortadas. Depois de ferver, baixei, o tacho sempre tapado. Quando o arroz absorveu todo o caldo, desliguei.
Entretanto, numa frigideira grande juntei azeite, dentes de alho com a casca a que apenas dei um golpe, muitos, uma cabeça grande inteira, mais folhas de louro. Quando os alhos começaram a dar mostras de querer abrir, coloquei os bifinhos. Polvilhei com um pouco, muito pouco, de sal, um pouco de orégãos, poucos, um pouco de alecrim seco, pouco. Tudo na conta. Fui virando até estarem com ar de querer ficar dourados, macios.
Para sobremesa, comi maçã que cortei às fatias, cada uma com uma lasca de um bem apaladado cheddar maturado.
A ver se arranjo coragem para intercalar com uns jantares mais à base de chá para ver se não chego ao verão a pesar para cima de uns cem quilos. Ponho-me a cozinhar de gosto, depois gosto de sentir os aromas desta culinária caseira, e depois, com esta vida saudável que levo e que ainda mais apetite me dá, sinto vontade de comer mais do que a conta. Acho que, em vez de fazer uma simples caminhada por dia, tenho é que passar a andar a correr e aos saltos a ver se dou cabo das avantajadas calorias que esta santa vidinha corre o risco de me trazer.
Esta coisa do corona tem coisas tramadas -- e escuso de elencar todas as mil coisas que estão a destruir muitas vidas e a virar o mundo do avesso -- mas, para mim, até ver, apesar da falta que me faz a proximidade estreita e assídua dos meus mais queridos, tem tido alguns aspectos positivos: não perco horas no trânsito, não vivo horas e horas fechada numa torre de vidro sem janelas que se possam abrir, não passo a vida a comer em restaurantes, vivo muito mais em contacto com a natureza, desfruto mais o prazer de estar em casa, não tenho que conviver de perto com gente de quem prefiro guardar distância. Até ando com vontade de fazer doces, compotas, licores. E até nem é tanto para depois me lamber com eles, é, sobretudo, pelo cheirinho bom que imagino que a sua confecção deve espalhar pela casa. Ando nisto.
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