domingo, agosto 23, 2020

Dia cansativo, ainda por cima de perna ao peito.
Mas foi bom ver o mar e, agora, ao entrar na madrugada, foi divertido ver o Pedro Paixão naquelas suas conversas malucas
(malucas mas não parvas até porque, note-se, há uma certa diferença entre maluqueira e parvoíce)





Os dias em que vamos buscar coisas ao apartamento parece que são os piores. Cansamo-nos, vimos carregados, eu quero aproveitar para trazer mais coisas, ele, como é ele que carrega tudo o que é pesado, aborrece-se, diz que eu abuso, eu digo que ele traga só o que quiser, ele diz que, se não trouxer tudo, eu fico chateada, eu digo que ele faça o que quer e não invente que eu o pressiono. E, neste bate-papo absurdo vamo-nos aborrecendo ainda mais. Andar a buscar coisas cansa, perde-se tempo, já não há motivação. A casa praticamente vazia, com despojos, restos do que caíu ou ficou para trás na mudança, tudo meio triste. E a nós já nos falta paciência para andar a garimpar. Por um lado dá vontade de deitar tudo fora e, por outro, parece irresponsável tomar essa decisão sem cuidar de saber o que se deita fora ou aproveita. Às tantas já estamos com fome, cansados, o carro a deitar por fora. E eu, outra vez, aflita da minha perna. Sinto que tenho para aqui um músculo em tensão, talvez quase rasgado, provavelmente inflamado. Ele não quer que eu pegue em coisas que pesem, eu custa-me vê-lo tão carregado e eu só a olhar e, depois, vou ajudar e, a seguir, já mal consigo dar passo e, depois, para além da dor incapacitante, tenho-a a ele a mandar vir comigo. Portanto, é sempre uma cena.

Mas a questão é que a roupa fomos nós que a trouxémos, em sacos.  Eu trouxe blusas, blusinhas, tops, túnicas, saias, vestidos. Não tudo mas o que me pareceu necessário. Mas, por exemplo, esqueci-me dos soutiens. Quando tomei banho, pus a roupa para lavar e, no dia seguinte, quando me levantei... zero soutiens. Portanto, tenho andado com soutien dia sim, dia não. Ou seja, indispensável trazê-los. E queria também descobrir duas colchas brancas. A que eu usava habitualmente, aquela que a minha mãe, pela fotografia, diz que é uma toalha de mesa, ficou na cama que era nossa e que agora está num dos dois quartos das 'visitas'. Para nós, comprámos uma outra cama. Eu queria uma cama mais larga, menos clássica. As do ikea estavam esgotadas mas, numa loja de bairro, encontrámos uma equivalente. Levanta-se o estrado e é toda arrumação por dentro. Tem um metro e meio de largura. Pusemos quadros por cima e fica uma 'cabeceira' bem bonita. São dos pesados, com vidro, madeira pesada à volta. Foi o meu marido que os colocou e pôs uma bucha forte mas, pelo sim, pelo não, não encostou a cama à parede. Disse que, por via das dúvidas, era melhor deixar espaço para cairem no chão, caso se desprendam. Mas claro que não caem. Ora nesta cama coloquei uma colcha de tipo patchwork, em quadrados de cores diferentes, em veludos espessos, bonitos, em cor de tijolo, fogo, cores afins, com alguns brilhos. É pesada, bonita, confortável. Mas a minha filha, que não é dada a cores fogo mas, sim, a cores claras, pastel, branco, diz que acha que ficaria melhor com uma colcha de renda branca por cima desta que ali está.

E lá as descobri, num gavetão de um dos roupeiros do closet. Já amareladas. Já foram ambas lavadas, uma já está estendida. A outra ainda está na máquina porque, em especial quando molhadas, ficam a pesar toneladas e a minha perna já está mal de mais.

E vieram mais livros, nomeadamente os de culinária que ficaram num móvel que ainda não veio, e alguns candeeiros, e dois bancos metálicos, cinzentos, de uma cozinha que tivemos quando nos mudámos para aquela casa tão feliz para onde fomos viver quando a minha filha era bebé e onde nasceu o meu filho e onde vivemos até eles serem jovens adolescentes e os livros terem feito com que já lá não coubéssemos. Os bancos pesam horrores e, junto ao estofo, em cinza mais clarinho, já têm alguns pontos de ferrugem. O meu marido ia tendo uma fúria quando me viu a carregá-los: por um lado por eu estar a esforçar-me, estando no estado em que estou e, por outro, porque não quer trazer coisas que não estejam em boas condições. Aliás, estava irredutível, não queria trazê-los. Mas, para colocarmos junto à mesa que os anteriores donos cá deixaram e que veio da cave para o telheiro e que, justamente, é também cinza clarinho, vão dar jeito. Tenho duas cadeiras que eram deles, tenho cinco bancos de plástico e tenho quadro cadeiras com assento em verde que habitualmente estão em volta da mesa branco de ferro. Ora não chegam. Como não temos tempo para andarmos às compras, lá vieram os old bancos. E vieram toalhas de casa de banho e detergentes que havia lá com fartura e que é absurdo transportá-los para os deitar fora e depois ir ao supermercado comprar outros. Mas tudo pesa. Às tantas, tanta a discórdia, estamos a ponto de nos divorciarmos ali mesmo. Eu, pelo menos, estou. Ele está mais para mandar vir e mostrar má cara -- acho que não é tão dramático e extremado como eu. Queixa-se ainda de outra coisa: mal conseguimos arrumar minimamente a casa nova, vamos buscar novo carrego e lá fica a casa, outra vez, cheia de sacos e sacos e sacos por arrumar. Pois é. Também me chateia, isso. Mas fazer o quê? Só se não tivéssemos mudado de casa.

O que sei é que dali fomos para o supermercado. Às tantas, roídos de fome, lembrámo-nos de trazer de lá uma pizza pré-cozinhada, daquelas que devem engordar até dizer chega. Almoçámos já passava das quatro da tarde. Eu quase sem conseguir dar passo. Pouco consegui fazer. Mas estávamos a convergir numa coisa: dar uma saltada à praia. Nem nos lembrámos da minha perna nem da barafunda a sair de lá. Mal consegui andar. Mas ainda fui sentir a temperatura da água e deu para ficarmos a respirar o ar fresco do mar, para ficarmos a olhar a sua bravura. Apesar de tudo, soube-nos bem. Chegámos a casa depois das nove da noite tamanha a fila e a sua lentidão. Fiz ovas de bacalhau cozidas com batata, cenoura, feijão verde e ovo. Jantámos às dez e tal mas soube-nos maravilhosamente. E já nem nos lembrávamos da raiva mútua que sentimos a trazer coisas da outra casa.

O espaço onde tomamos as refeições é contíguo à cozinha. É muito agradável. Tinha pouca luz. Pomos agora também um candeeiro de pé muito simples com uma grande lâmpada amarela. Dá uma luz aconchegante.

Quanto à casa: tem a vantagem de ser maioritariamente térrea. Tem um sótão e uma cave, agradáveis, mas podemos fazer a vida toda ao nível do rés-do-chão. Ainda não atino bem com a orientação geográfica. Nos primeiros dias não percebia para onde davam as janelas. Tinha que ir espreitar. Mas, quando à noite estou para adormecer, tento perceber a posição das divisões e das respectivas janelas localizando-as na planta da casa e não percebo bem. Tem uma disposição interessante mas volta e meia, quando ando à procura das coisas -- e estou sempre à procura das chaves, do telemóvel, do x-acto para abrir as caixas, da tesoura, disto e daquilo  -- fico com a sensação que faço círculos, que ando desorientada. É uma casa especial, cheia de recantos e espaços especiais, e com uns certos mistérios. 

E, Amofinado, in heaven plantei ciprestes. Gosto muito desses seres esguios, muito dignos, vivos para sempre. Era uma terra bravia, apenas com pedras e mato. Fiz dessa terra um pequeno bosque onde as árvores, felizes, crescem jubilosamente. Aqui, não apenas o espaço é bem mais pequeno como o jardim já existe e eu não sei se quero mexer-lhe pois é lindo, tem árvores mesmo muito bonitas. Ainda não tive tempo para usar a minha máquina fotográfica. Deveria ter fotografado a casa vazia, depois a ir ganhando forma. Mas a canseira tem sido tanta que nem para tal me tem dado.Estou a escrever e a pensar que os vasos precisam de ser regados e que as zonas onde a rega não chega também. Já para não falar que todo o jardim precisa de ser varrido e limpo. Quando fiz anos o meu filho deu-me uma coisa que é meio ancinho e meio vassourão. Mas festejámos in heaven e deixei lá ficar isso e, quando lá fomos, foi tudo tão a acorrer que me esquecemos. E bastante falta está a fazer.

Este domingo espera-nos um dia cheio. Por isso, já tomei brufen e estou com gelo. Se amanhã continuar com tantas dores, terei que tomar mais.

E agora a ver se consigo levantar-me e ir a andar até ao quarto. Com as dores com que estou, ainda me deito aqui no sofá...Volta e meia, saio da casa de banho e vou em frente, entrando na salinha dos de língua portuguesa. Tenho que me recentrar, reorganizar geograficamente e virar para o ouro lado, para entrar no quarto propriamente dito. É isso e acordar, de manhã cedinho, com o som da rega debaixo da janela do quarto. Como é novidade ainda me acorda. Depois haverei de me habituar. É um som bom.

Tirando isso, hoje o YouTube tinha para me recomendar o Pedro Paixão. Deve ter sido por eu ter confessado aqui que lhe acho uma certa piada. Pois bem: acertou e estive a ver de gosto, até ao fim, encantada com tanta maluquice. Da primeira, a entrevista concedida a Anabela Mota Ribeiro, coloco apenas a 1ª parte mas, para quem esteja interessado, estão disponíveis a 2ª e a 3ª partes. Como todos os seres doidos, bipolares e inteligentes, Pedro Paixão é, sem dúvida, polémico, insólito e interessante. Não deve ser fácil conviver com uma criatura assim. Nem para ele próprio deve ser fácil mas, para quem aprecie o género, é sempre um desafio.




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Flores obviamente de Monet e um Mr. Bojangles segundo Jorge Palma

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E a todos desejo um feliz dia de domingo

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