Passa da uma da manhã e só agora tenho sossego mental para escrever qualquer coisa. Foi um dia assaz agitado, por razões conexas com este coronado ataque. De tarde, depois de trocas de mails e telefonemas múltiplos, decidimos ambos que entraríamos em teletrabalho. Organizámos, cada um na sua empresa, tudo o que havia a organizar, falámos com quem tivemos que falar, mandámos para casa todos os que podíamos mandar. Não apenas estamos convictos que esta é a atitude certa como os nossos filhos, ambos também já em teletrabalho, nos pressionaram bastante para isso.
E se, cada um na respectiva empresa, já estava muito envolvido nos planos de contingência e nas medidas que eles implicam, a verdade é que ainda estávamos na dúvida em ficarmos, nós, em casa. Para quem passa uma vida inteira a coordenar equipas e a ser o primeiro a enfrentar as dificuldades e o último a apagar a luz, não é fácil saber que alguns têm forçosamente que ficar enquanto nós nos resguardamos. Fica-nos um travo a cobardia.
Quem não está muito por dentro destas realidades pode pensar que -- ao mesmo tempo que parece que o nosso querido mundo está a querer bater em retirada -- fazer de tudo para que as empresas continuem a laborar é uma futilidade ou uma manifestação de um descabido liberalismo mas a verdade é que não apenas podem estar em causa bens essenciais à sociedade como ninguém quer que, quando isto passar -- e há-de passar --, o país tenha virado uma cratera da qual a vida se evadiu.
Decidimos, pois, ficar em teletrabalho e, em consciência, achamos que é isto que todas as empresas, organismos e estabelecimentos onde se vendam bens não essenciais à vida, deveriam fazer. E nos locais que não podem resguardar-se todos, pois que se resguardem o que puderem. Tem que haver um day after.
Uma pandemia trava-se quebrando as cadeias de propagação. Com a higiene tão amplamente divulgada, com hábitos de decência respiratória e com distanciamento social que durem no mínimo quinze dias e, idealmente, um mês, a propagação viral múltipla será interrompida. E, com sorte, vamos parar a uma altura de tempo quente já com poucos casos e, ainda com mais sorte, já com tratamento para o bicho.
Respondo eu: claro que sim mas muito menos pois o que se passa é que a partir dessa hora, mais coisa menos coisa, a malta começa a conviver, a animar-se, a abraçar-se, a partilhar garrafas, a partilhar charros, a esquecer os dramas do mundo pois tudo parece muito peace end love e a malta quer é ser feliz. Portanto, enquanto a fera microscópica andar à solta, que fechem os bares, que vigiem locais de muito contacto e muito amor, que seja proibido beber na rua -- e quem conheça a animação nos passeios junto aos bares sabe bem a festa que é. Identicamente, dada a escassez de clientes e do risco de contágio, mais vale que encerrem centros comerciais e outros estabelecimentos mais frequentados por estrangeiros. Quanto mais radical for o isolamento social, mais curto ele precisa de ser.
Vai ser muito difícil, vai ser um tempo de inquietação, vamos pôr-nos diariamente à prova. Mas se, dessa forma, travarmos a ascensão em flecha da curva, valerá a pena.
Entretanto, a nível nacional (e europeu -- e mundial) haverá que injectar liquidez circulante na economia e pensar em como aguentar, no 'ventilador', empresas e trabalhadores individuais e todos os que sofram com esta paragem de actividade. Não é tempo para limpar armas. É tempo é de evitar perdas, perdas de vida em primeiro lugar e, a seguir, a perda de rendimentos. Espero que, mal esta borrasca passe, haja planos para tentar recuperar tudo o que vacilou durante os tempos da peste.
Mas, para já, a prioridade é quebrar as cadeias de contágio -- mesmo que seja à bruta.
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Portanto, tendo decidido entrar em teletrabalho, achámos que em vez de nos fecharmos numa torre, na cidade, ficaríamos bem era aqui, in heaven. E, assim, fomos buscar roupa e mantimentos e viemos. Quando aqui estou, venho o mais casual possível. Eu e ele. E ou trago comida para um ou dois dias ou vamos ao supermercado. Como resolvemos entrar o mais possível em isolamento e no mínimo ficaremos uma semana, desejavelmente duas, resolvemos trazer comida quanto baste. E eu, que participo em inúmeras video-conferências, nunca participei em nenhuma a partir de casa. Ora, em contexto profissional, não me vou apresentar toda informal e mal arranjada. Portanto, vim com várias mudas de roupa, brinquinhos, etc. Uma vez mais, saí de casa, na cidade, com roupas, livros e comida, sem saber por quanto tempo. Uma tristeza. Parece que uma pessoa está a ir para o exílio. Uma pena deixar a casa para trás nestas condições.
Depois, aqui, foi preciso tirar as coisas do carro, arrumar, etc. E mais um monte de mensagens e artigos enviados pelos meus filhos.
A seguir decidi que tinha que escolher o décor de onde vou entrar em vídeo-conferência já que vou ter várias reuniões. Esta é uma casa de campo, não há escritório. Nem vou aparecer à escrivaninha com o cavalete das pinturas atrás. Nem na mesa dos azulejos com os brinquedos dos miúdos à vista. Não vou aparecer no sofá onde habitualmente pouso, como é o caso presente. Estarei a trabalhar e não refastelada, em férias. Também não vou estar num local de onde fique à vista a mobília e os bibelots senão distrai a atenção de quem estiver a ver-me. Se estivesse bom tempo, punha uma mesa debaixo de uma árvore e pronto, aparecia no maior bucolismo, passarinhos a fazerem o acompanhamento musical. Mas vai estar frio, acho. Ora, com isto, com o computador de um lado para o outro a ver o que se via, gastei um ror de tempo.
Pode parecer futilidade, e não digo que não seja, mas eu sou assim, dada a maluqueiras e vaidosices. Poderia dizer que isto é coisa de mulher mas, cá para mim, com o que tenho visto com os colegas que, nos últimos dias, têm entrado em reunião a partir de casa, isto deve acontecer com todos. No entanto, a ver se eles assumem isto...? É o assumem.
Portanto, agora estou aqui que não posso, já dei por mim a cabecear nem sei quantas vezes. Para lá de bagdad. Daqui a nada são três da manhã. E esta segunda-feira, em vez de poder ficar a dormir até vir a mulher da fava rica, vou pôr o despertador para me levantar cedo e cedo começar a trabalhar. Uma coisa que nem parece justa pois in heaven está-se bem é na rêverie ou a podar árvores ou a cortar mato, não a trabalhar a sério.
A ver como vai correr. Pelo menos a ver se, à hora de almoço ou no final da jornada, tenho tempo para um banho de sol.
A ver como vai correr. Pelo menos a ver se, à hora de almoço ou no final da jornada, tenho tempo para um banho de sol.
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Uma boa semana, meus Caros e minhas Caras.
Sem medo mas com preocupação. Com solidariedade mas com distanciamento. Com exercício e com comida saudável. Com boas leituras e com melhores músicas. Com atenção e com bué de smiles.
E etc.
Sem medo mas com preocupação. Com solidariedade mas com distanciamento. Com exercício e com comida saudável. Com boas leituras e com melhores músicas. Com atenção e com bué de smiles.
E etc.
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3 comentários:
Aqui deixo duas notas de HUMOR, para animar a malta:
A) Covid-19, informação importante:
1) não dar abraços;
2) não dar beijos;
3) manter a distância de 2 metros; e
4) encerrar as actividades desportivas, sociais e - sexuais.
Ou seja, mais coisa menos coisa, é igual à vida de casado...só que com tosse!
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B) "Faleceu uma pessoa com COVID-19 e deixou aos seus herdeiros:
- 200 Quilos de Esparguete;
- 37 Quilos de Pizas congeladas;
- 26 Quilos de Arroz;
- 43 Latas de Tomate;
- 31 Latas de Atum;
- 15 Quilos de Açúcar;
- 6 Quilos de Sal;
- 77.438 Rolos de Papel Higiénico;
- E o Cartão Multibanco a zero.
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Boa semana…em casa!
P. Adorei.
Como fundo para video-conferência, se fosse para mim, utilizava a segunda foto.
".... Portanto, agora estou aqui que não posso, já dei por mim a cabecear nem sei quantas vezes. Para lá de Bagdad."
Para lá de Bagdad, um excelente livro do Alberto Santos, o da "Escrava de Córdova".
UJM, que a quarentena passe e se fine sem percalços e bom tele-trabalho.
Um abraço.
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