quarta-feira, março 11, 2020

COVID-19: alarmismo, histeria ou, simplesmente, matemática?





Com dois pontos se traça uma recta, com três um plano. Com algumas palavras se faz a separação das águas. Com palavras e números se decantam os raciocínios. 


Com a lógica se anulam raciocínios enganadores, com a geometria analítica se antevêem ângulos de sombra, com a análise se estratificam conceitos e se vai até à última casa decimal e com a topologia, a beleza mais louca e mais abstracta, se anulam limites deixando em liberdade os espaços abertos onde tudo se harmoniza como se o caos não fosse a eterna tentação.


Foi, pois, com gosto que, no Provas de Contacto, segui a demonstração que um espírito matemático fez da sua teoria para acabar de vez com o vírus da coronahisteria. Acaba assim a prosa:
O coronavírus já está em Portugal, isso é uma inevitabilidade cósmica. Isso é preocupante? Não particularmente, a menos que se pertença ou se esteja em contacto próximo com um grupo de risco. Como descrevi acima, ele é menos perigoso para a população saudável do que uma gripe. Mas, tal como alguém com uma gripe toma precauções para não a transmitir, também aqui essas precauções devem ser tomadas, de forma mais drástica devido à altíssima taxa de contágio.
Se o coronavírus servir para implantar socialmente comportamentos como lavar mãos frequentemente ou não espirrar para o ar, tanto melhor. Não devemos ir visitar aquela tia idosa ao lar se estivermos afectados, como não o fazemos quando estamos com gripe. Podemos ter de cancelar algumas viagens de avião, como aconteceu comigo, mas vamos viver a vida normalmente. De resto, não há qualquer motivo para pânico ou sentimentos de apocalipse, apesar da desinformação constante e do alarmismo mediático a que assistimos diariamente – esse sim, o mais perigoso vírus de toda esta história.
Contudo Jorge Buescu, o autor do texto, respeitável matemático, esqueceu-se de algumas disciplinas da matemática, nomeadamente daquela que estuda as filas de espera. 

É que se, para os jovens e saudáveis, o Covid é refresco, para os velhos ou vulneráveis é mesmo pimenta no cu. E, para esses, se muitos e ao mesmo tempo, não há recursos que cheguem (ventiladores, oxigénio, médicos, enfermeiros). A investigação operacional ajuda: ou ajuda a calcular quantos equipamentos são necessários face à procura ou, não os existindo, quanto tempo se fica à espera. Ora aqui bate o ponto. A esta altura do campeonato, não se encontram equipamentos em número suficiente para entrega imediata, nem há mais pessoal médico (médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, etc). E o facto de os doentes ficarem à espera, que é o que está a acontecer, dá no que se está a ver: uma taxa de mortalidade que, em Itália, já vai em mais de 6% quando, a nível mundial é da ordem dos 3 e picos por cento. Ou seja, muitos doentes ao mesmo tempo dão numa equação impossível. Ou seja, sem solução. Não há maneira de acorrer a todos. E isso, sim, é perigoso, é assustador.

Portanto, não é uma questão de alarme o que vejo por aí: é, sim, o querer desfasar o contágio. Que ele vai acontecer, vai. Mas que vá andando sem ser numa rampinha exponencial senão os que quinam começam a ser mais que muitos. A estatística e as probabilidades também ajudam a perceber isso. Que se vá protelando, pois, o contágio para irem chegando aos poucos aos hospitais. E pode ser que, entretanto, apareça tratamento ou que o calor atrase a propagação e que, mais tarde, venha a vacina. Portanto, vai-se ganhando tempo. É o que, para já, é preciso.

Quarentenas e testes de despiste com fartura bem como lots of campanhas a dizer para a malta não tossir para o braço ou para o ar e para lavar as mãos não são alarme: são dosear a quantidade de malta que, ao mesmo tempo, precisa de ser ventilada. 

Fazer recomendações de higiene, mudar protocolos de cortesia e tomar medidas para prevenir o contágio é indispensável. 

O gráfico abaixo ilustra bem isso:


 Ou sejaThe steps we take now, individually and as a community, will determine the trajectory of the #COVID19 epidemic. This in turn will determine how many lives are lost. It is not just a matter of protecting yourself; it is a matter of protecting the most vulnerable among us.


____________________________________________________________

A banda sonora de Il Postino está aqui porque nestas coisas levanta-se, por vexes, a questão do mensageiro em detrimento da mensagem e porque o que está a acontecer em Itália é de partir o coração e as ruas sempre tão animadas agora estão silenciosas. E porque a música é bonita, claro.

____________________________________________________________________________

E queiram agora descer um pouco mais para aprenderem a como não acordar uma leoa
Se há aprendizagens úteis esta é uma delas.

9 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Uma boa lição de Matemática aplicada à realidade.

Que consigamos meter as rédeas no bicho!

Uma bela 4f.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Por falar em bichos:
https://www.youtube.com/watch?v=8CQf1RqEcCU

Paulo B disse...

Olá UJM,

Fui ler o texto e até percebo a bondade do senhor, mas também acho que por vezes são estas coisas que dão má fama à matemática. É sempre difícil fazer um texto destes, nomeadamente saber muito bem onde deve acabar a matemática, começar a epidemiologia e terminar na gestão pública.
É necessário dosear o alarmismo e pânico que muitas individualidades e meios de comunicação social procuram ativamente gerar (boa notícia: parece que a TVI já não vai ser integrada com a CM-TV) com uma boa dose de realismo. Mas é preciso ter cuidado para não pisar o risco da desvalorização. O texto tem umas passagens críticas, nomeadamente quando desvaloriza a taxa de mortalidade ou mesmo a perigosidade da doença. Pior, tanta matemática e esquece a matemática por detrás de um dos problemas fundamentais (e que a UJM até refere no seu texto): a relevância chave da taxa de contágio (mencionada pelo autor, mas algo desvalorizada). Esta sim seria uma área em que a matemática ajudaria a perceber a coisa: com aquela taxa de contágio, aumenta brutalmente a pressão sobre a prestação de cuidados de saúde; mais, um sistema de cuidados de saúde sobre pressão, traduz-se numa redução da eficácia, consequentemente, de aumento das taxas de mortalidade.
É que depois de se ler aquele texto até se fica com a sensação do tipo "se isto é pouco mais que um catarro e menos que uma gripe" (parece-me leviana esta afirmação...), porque raio se andam a tomar medidas de restrição à circulação de pessoas, de quarentena, de fecho de serviços vários, etc?

Nestas coisas, nada como ler os melhores especialistas da matéria - epidemiologista e, vá, virologistas:
[1] https://bit.ly/338BKSx
Mais técnico (mas bastante acessível):
[2] https://bit.ly/2TJ9RNY

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

A lição da UJM, claro, porque reduzir situações complexas a explicações baseadas em ciências exatas é daqueles excessos de racionalismo que me fazem torcer o nariz.

Aquele abraço.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Ora nem mais!

Anónimo disse...

Há uns que estão de quarentena, mas o meu vizinho optou por ficar com uma quarentona! E parece que está bem.

Jaime Santos disse...

Muito bom o seu comentário, o do Jorge Buescu já parece ter sido desmentido pela realidade, ou se se quiser, as médias são um fraco consolo quando se é atingido por uma flutuação.

O sistema italiano rebentou mesmo pelas costuras com uma dezena de milhar de infectados. A explicação parece ser o envelhecimento da população (25% tem mais de 65 anos) juntamente com a concentração geográfica dos casos no Norte da Itália, o que colocou imensa pressão sobre o pessoal médico e o equipamento disponível...

Ora isso, a juntar com a falta de seriedade com que a população está a levar isto (a começar pelo próprio PR, que apanhou um valente susto e foi muito bem feito!) quando transposto para o nosso rectângulo não augura mesmo nada de bom...

Paulo b disse...

Até aos blogs já chegaram os trocadilhos. Hahahahaha.
Esta já me passou umas mil vezes nas redes sociais.

Daniel Ferreira disse...

O Jorge Buescu, com aquela pinta de cronista de ciência que se acha preparado para abordar tudo o que lhe apetecer, achou que a sua opinião era importante.

O homem não sabe microbiologia. O homem não percebe nada de controlo de infecção. O homem ignora os factos básicos da epidemiologia. O homem acha que, para abordar uma ciência que leva anos a aprender, basta consultar a Wikipedia e uns blogues, ler umas coisas sobre modelização em epidemiologia e enfiar os dados a martelo nos modelos (coisa que não se admitiria a um aluno do ensino superior).

Agora é ver os seus seguidores a falar em pontos de inflexão, curvas exponenciais e coisa e tal. A única coisa que lhes vale -- e ao senhor professor -- é que os verdadeiros entendidos na matéria -- os epidemiologistas -- têm neste momento mais que fazer para estar a refutar os disparates da imprensa generalista.

Divulgação científica não é o mesmo que ciência. Bem pelo contrário, é apenas um subproduto fétido da mesma. O homem que se dedique à física e à matemática, e esqueça tudo o resto, s.f.f