domingo, novembro 04, 2018

Prazeres antigos e sempre como novos
-- isso, cores lindas e o cheirinho bom a lareira.
Talvez seja o outono que vem chegando. Tão bom.




Ora bem. É como andar de bicicleta: não se esquece, não se perde a mão. Já dei um bom avanço. Tão bom. Há quanto tempo... Como consegui estar tanto tempo?

Esta que aqui está é daquelas em que vou fazendo, sem desenho, como se pintasse. Os que têm desenhos complicados estão na cidade. Aqui, in heaven, sempre preferi coisa que eu possa fazer assim, tranquila e desatenta, para não ter que estar concentrada a seguir o guião. Para este, a minha ideia era fazer um tapete comprido, como uma passadeira, para pôr no corredor que vai dar à sala onde vemos televisão e em que mais tempo estamos. Queria que fosse claro, neutro, sem efeitos especiais, uma coisa apenas para dar conforto e para não distrair a atenção do principal que é a vista que se tem daquela sala.
Fui à cesta, peguei nele, peguei nas lãs, fui buscar o dedal e retomei onde o tinha deixado há uns anos -- e foi como se o tivesse deixado ontem. Que bom que é. Sempre gostei muito de trabalhos manuais.

Na cidade o único tapete que não foi feito por mim é o redondo (que está debaixo da mesa redonda). De resto, todos foram feitos por mim. São, quase todos, réplicas de tapetes genuínos, dos primórdios, século XVII, que estão em museus, quer cá, como o de Arte Antiga, quer em Paris (Arts Décoratifs) ou Londres (Albert and Victoria), por exemplo. Alguns são bastante grandes, carpetes que até a mim me custa acreditar que tenha sido eu a fazer. Mas fui. Olho para elas sempre com algum espanto. Um colega meu uma vez que as viu também se espantou: 'Mas como é possível? Quando vou ao seu gabinete nunca a vejo a fazer tapetes...'


Aqui, in heaven, as duas carpetes da sala de jantar foram compradas em Arraiolas, antes de eu me ter dedicado a este ofício. Mas as que estão nas salas de estar ou no meu quarto foram feitas por mim mas, neste caso, longe de desenhos originais ou de qualquer classicicismo. Apenas o ponto e o preceito são os genuínos, o resto é tudo inventado.

Na fotografia, vê-se não só a que estou a fazer como, embora apenas uma ínfima parte, a que está aqui aos meus pés, uma assim a la Rothko.

Fazer tapetes não é coisa sensaborona: para mim é uma coisa boa. Enquanto bordo, estou a pensar, a ouvir música, a ver televisão, o que for. Provavelmente é uma forma de meditação. Antes de fazer tapetes, fazia tricot. Camisolas com modelos e padrões altamente criativos, algumas com desenhos abstractos. Também fiz camisolas para o meu marido mas, aí, muito normais (e que, portanto, não me davam grande gozo a fazer). Para os miúdos nunca me deu para fazer porque a minha mãe e uma tia do meu marido encarregavam-se disso e, além do mais, eles não apreciavam ir para a escola vestidos com camisolas que achavam artísticas demais. Também já me dediquei ao crochet: panos de tabuleiro, toalhas de chá, uma toalha de mesa grande e uma colcha. 


Já em adolescente me ocupava de coisas assim: almofadas bordadas em bastidor e sei lá que mais.

E tudo isso me dá vontade de ter mais tempo para tudo, porque de tudo eu gosto e o tempo não me chega para esse infinito tudo.

Tenho aqui ao meu lado o Kundera, 'Os testamentos traídos', que vim a ler no carro e que bastante prazer me está a dar, mas agora à noite estou preguiçosa, não me apetece ler, apetece-me estar aqui, com as mãos em acção enquanto a cabeça voa. Na volta também escrevo, as mãos também voando sobre o teclado, para dar uso às mãos -- a escrita como uma forma de artesanato.

E tudo isto, arrumações, tapetes, escritas, fotografias e tudo o mais é terapia e terapia das boas porque a gente nem chega a precisar de tratamento porque ter a cabeça e as mãos ocupadas evita qualquer nó ou buraco negro na cabeça.


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As árvores que aqui se vêem, excepto na última fotografia, aqui mais abaixo, não são de cá. Foram feitas ao início da tarde, antes de virmos. Tínhamos estado a esfolar o rabo às arrumações e já era tarde. Almoçámos e demos um pequeno passeio.

Não sei porquê os áceres nunca vingaram aqui, in heaven. Fiz várias tentativas mas nenhuma resultou. Até um cedro japonês, daqueles que no outono fica ao rubro, não vingou. A terra tem destas coisas. Uma questão de química: se o santo da terra não cruza com o santo da árvore, a coisa não acontece. Digo eu.

Mas não há árvore mais linda para nos enternecer com as suas cores abstractas do que o ácer. Emociono-me a olhar para eles. São lindos no Outono.

Aqui, in heaven, tirando a vinha virgem, o que fica mais bonito é o abrunheiro. Fotografo-o encantada, contrastando os seus tons quentes com as folhas do plátano que também já começam a ficar douradas.


Bem. Agora, apesar de já passar da uma, vou fazer um pouco mais de Arraiolos. Ah, coisa mais boa. E vou pôr mais lenha na salamandra. Cheira bem. Não se se é azinheira. Cheirinho mais bom.

Um belo dia de domingo para vocês, meus Caros Leitores. Saúde e boa disposição para todos.

10 comentários:

Isabel disse...

Gostei do seu post.
Deu-me saudades dos trabalhos que também fazia: muitas camisolas e rendas. Fiz toalhas de mesa, colchas, paninhos e fiz as rendas para dois cortinados que tenho em casa, e os cortinados. Bordar é que nunca aprendi, nem nunca tive paciência. E gosto de fazer muitas outras coisas...ler. Mas nos últimos anos também não tenho feito nada. Primeiro, o blogue e a blogosfera, que me roubava imenso tempo (que não considero perdido, porque tenho aprendido imenso) e agora por outros motivos, não me sobra tempo quase nenhum. Por isso é que sonho tanto com a reforma, para poder ter tempo para fazer as coisas que gosto.

Há tanta coisa bonita para fazer e não ter tempo é uma angústia!

Mas enfim, vai-se aproveitando o que há agora:)

Desejo-lhe um bom domingo:)) As fotos do post estão belíssimas:))

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Lindas fotos! Esperam-se novos vídeos, também ;)
Gostaria muito de ver alguns desses trabalhos manuais.

Fogo também em saber que as sua opus livresca está quase pronta.

Ontem lá nos metemos na A8 direito ao IKEA, foi uma tarde proveitosa, encontrou-se o que se queria, com direito às maravilhosas tartes Daim Almondy.

Um belo domingo.

Janita disse...

Ai, que contente estou, UJM, por vê-la alegremente a fazer uma das (muitas) coisas que gosta! E não pense que isto é invenção minha. Pensei muito naquilo que lhe escrevi ontem e fiquei arreliada comigo mesma por não me ter ocorrido terminar o comment incentivando-a a fazer aquilo que lhe desse mais prazer,( como se isso fosse preciso, mas pronto, não podemos pôr rédea nos nossos pensamentos) assim como sei que, se conselho tivesse algum préstimo, não se dava, provavelmente, vendia-se.

Já vi também que não me expressei com a suficiente evidência no que diz respeito às sensaborices diárias, que são justamente essas que enumerou: trânsito, reuniões enfadonhas, etc. - que eu sei, e sabe quem a lê.

Já que aqui vim, estive a apreciar as belas cores outonais das imagens, que são lindas, a congratular-me por a ver tão deliciada a dar continuidade ao bordado e a apreciar o conforto gostoso que lhe chega das achas a crepitar na lareira.

Se está ai in heaven poderia - lá venho eu com as sugestões - fazer um vídeo onde elas ( as cores outonais) se possam apreciar, em movimento.
Não nego o quanto gostaria de ver, um dia, essa passadeira confeccionada ao gosto do momento sem obedecer a 'guiões'. Isso feito assim, ao acaso, no final dá certo? Não sobram nem faltam espaços a preencher?
Fiquei intrigadíssima.

Que este Domingo cinzento, de chuvinha morrinhenta, lhe seja muito agradável, UJM!

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Errata: Onde se lê: "Fogo em saber (...)", leia-se "Folgo em saber (...)"

CCF disse...

Ah, quem me dera ter tal engenho...Acho tão bonito fazer as próprias coisas, mas tenho tão pouco jeito.
~CC~

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

O meu problema com arrumações é que gosto de as fazer numa base zero (digamos assim), ou seja, se fosse hoje arrumar tudo pela primeira vez, como faria? Só que pensar assim, significa tirar tudo para fora, arrumar de raiz de uma forma mais racional, talvez deitar coisas fora. E isso é uma canseira. Se soubesse a volta que hoje demos lá na minha casa de campo... E tudo porque me lembrei de trazer de lá um cadeirão relax, daqueles que se esticam e que deitam uma coisa para pôr as pernas. Só que, para o trazer, houve que reorganizar o sítio onde ele estava e isso implicou outras mudanças... E conseguir meter o cadeirão no carro...? Pior: e o raio do cadeirão, que pesa toneladas e é enorme, que não coube no elevador...? Sabe lá... E se nós moramos num andar alto, alto, alto... Não lhe passa pela cabeça...

Mas, enfim, sobrevivemos.

E os seus marcadores e os seus quadrinhos lindos com os santinhos (não me lembro do nome... Registos...? será?)? Não tem feito.

Precisamos de mais tempo para conciliarmos a vida profissional e os nossos gostos pessoais, não é?

Beijinhos, Isabel!

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Ui. Ikea num sábado meio chuvoso... Uma multidão, não? Mas ainda bem que encontrou. Aliás: haverá quem não encontre o que precisa no Ikea? Duvido. E almoçou ou lanchou lá, pelos vistos. No outro dia também almoçámos: uns wraps de salmão, uma salada também de salmão, sopa, tarte e sumo de laranja feito na hora. Bem bom.

Um dia destes mostro algumas das minhas obras. Aliás, quando vi o seu comentário, fiz umas fotos. Tenho é que ter energia para olhar para elas e hoje estou meia off. Para além disso, tenho aqui um hematoma na mão que me está a pedir gelo. Só que se me puser com gelo na mão não consigo escrever. Na suprema maluqueira de virmos escada acima com a poltrona relax (que refiro na resposta à Isabel, uma poltrona larga e pesada, para aí uma tonelada, entalei a mão entre o corrimão e o dita. Inchou instantaneamente e agora o inchaço está a firar cor de vinho.

E este fim de semana não fiz nenhum vídeo mas a semana passada fiz mais uns quantos. Não tive foi ainda tempo para ver se têm alguma ponta de graça.

Uma semana em grande, Francisco.


Um Jeito Manso disse...

Olá Janita,

Como referi na resposta ao Francisco desta vez não fiz vídeos, só umas fotozitas. Hoje andei em arrumações e limpezas e, claro, com o meu arraiolos. Não falha nada porque não tem nada que falar, é sempre a abrir, sem desenhos, só cores, e este em cores muito neutras. Vou fazendo. Não sei se sabe fazer tapete de arraiolos. Quando se segue desenho, há que ter uma atenção desgraçada (e a ver se um dis destes mostro alguns dos que fiz com desenho) e, se alguma coisa falha, falta mesmo um bocado. Nos simples, que faço a olho, não falha nada. O mais que pode acontecer é, á noite, algum tom parecer-me uma coisa e, de dia, ver que, afinal, não era bem aquela a cor que eu tinha em mente.

É como cozinhar sem receita, a olho. Ou, então, especialmente se for um bolo, ter que seguir a receita à risca.

Aqui na cidade (onde estou agora) também tenho um a meio, que interrompi também há uns anos. Mas é um dos granditos, se não estou em erro 2,70 x 1,70, e tem um desenho dos complicadérrimos. Exige uma atenção absoluta e muito tempo. Mas também estou com vontade de o retomar. Enfim. É como diz, gosto de muitas coisas.

Uma boa semana, Janita. Saúde, tudo a correr bem. E um abraço.

Um Jeito Manso disse...

Olá ~CC~,

Sabe que não é preciso grande engenho, é mesmo sobretudo o querer. Uma vez resolvi fazer tapete de arraiolos. Nunca tinha feito. Falaram-me numa senhora que transpunha para papel quadriculado desenhos de tapetes dos 'legítimos' (modelos do sec XVII). Fui bater-lhe à porta. Escolhi um para o quarto. Ela vendia também a juta e as lãs. Quando lá fui buscar, pedi para ela fazer uns quantos pontos para eu ver como era e que deixasse a agulha na posição de continuar. Ela, uma profissional reputadíssima, abriu os olhos e a boca de espanto, escandalizada por eu, sem saber, me estar a meter a fazer uma coisa que requer conhecimento. Disse-me que sem saber não ia conseguir. Insisti que me explicasse como era o ponto, como se faziam os cantos, qual o preceito. E deixou a agulha no ponto de retomar.

Nessa noite, quando tirei as coisas do saco para retomar, estava na expectativa de se ia conseguir. Peguei na agulha para retomar e não conseguia andar em frente. Fiz e desfiz o ponto sem atinar. Quando verbalizei: 'não percebo, vi como se fazia, percebi a lógica, e agora pego na agulha, na posição em que ela a deixou para eu continuar e não atino', a minha filha disse: 'Eu estive a mexer, ti. Durante anos, todas as noites eu fazia tapete de arraiolos. Até que os substitui pela blogosfera. Antes também a pintura. Também sem aprender. Só o gozo de fazer. Uma coisa na base: 'vou atirar-me para a piscina. deixa lá ver se sei nadar...'

Por isso, ~CC~, o que tenho a dizer é que, se lhe apetece, ouse. Experimente. Avance sem medo.

Mas, claro, tenha em atenção que não sou lá muito boa da cabeça pelo que os meus conselhos não são lá muito seguros :)

Um abraço, ~CC~, e tenha uma bela semana, está bem?

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Olá, olá.

Sim, cheíssimo! É verdade aquilo tem (quase) tudo.
Por acaso não se comeu por lá, trouxemos foi umas caixinhas das maravilhosas tartes.

Cá se aguardam as obras.
As melhoras da sua mão.

Obrigado and a great week, too.