quinta-feira, julho 26, 2018

O último emprego à superfície da Terra




Não estou apocalíptica nem acordei com os pés de fora da cama (até porque dormi completamente destapada) nem estou depressiva, muito pelo contrário, nem estou com o síndrome pré-menstrual (onde é que isso já lá vai) nem com sintomas menopáusicos (que, felizmente, os não tenho) nem com calor a mais ou indisposta com qualquer minudência do dia a dia. Nem bem nem mal, antes pelo contrário. Nada. Bocejo de vez em quando, mas isso é natural. Tenho uma coluna refrescante a soprar ar fresco na minha direcção, tenho uma pilha de livros ao meu lado e uma preguiça inconfessável que me impede de lhes pegar.  Mas isto para dizer que não há razões hormonais ou psicológicas que justifiquem o Steve Cutts do post a seguir e agora isto que aqui vos trago, do último emprego a superfície da terra. É mesmo coisa do acaso, acho eu. Ou falta de assunto. Vontade de espairecer e falta de inspiração para espairecer a sério. Limito-me ao que o santo algoritmo do youtube me recomenda. Claro que, estivesse eu com mais energia, mandava-o era ir bugiar em vez de deixar que se ponha a atazanar-me o juízo.

Enfim. 

Na televisão está a dar um programa de viagens e eu, que estou deserta por ir de férias, vou vendo com a atenção possível. Fala de comboios e eu tenho andado a ser desafiada para ir fazer um passeio de comboio até uma cidade que gostava muito de conhecer. Mas isto de não se poder ir em alta velocidade até ao destino, faz demorar demais a viagem e falta disponibilidade para isso. Mas é um apelo grande. Ir, com tempo, sem pressa, com espírito de romance, ir por aí afora, vendo nascer o sol, cruzando serranias, florestas, rasgando o horizonte, rente ao mar. Descer nas cidades, ir para um hotel bonito, passear, estar em espalanadas, visitar museus. Depois ir de novo para o comboio, sentar junto à janela. Adormecer vendo a noite a descer. Deve ser bom.

Talvez daqui por uns anos consiga. Recordo-me da viagem junto aos castelos do Reno. Ou a viagem até Paris. Os cedros altos e negros, acompanhando o cair da noite.

Mas agora não tenho tempo. Agora vivo um tempo sem tempo. 

Tenho a Harvard Business Review para ler, em papel, revista a sério, e, pelos títulos e pelo aspecto, antevejo que seja suculenta; e já vi que tem umas ilustrações do caraças. Gosto das ilustrações malucas a temperar assuntos sérios.  E, no entanto, também ainda não ganhei pedalada para me atirar a ela. E hoje tive mais uma daquelas reuniões igual a tantas e tantas outras, a responder às mesmas questões tão típicas de quem vem de fora com a incumbência de empreender uma programa transformacional e o escambau (e tudo cheio de parangonas a toda a hora) e, calmamente, respondi a tudo. Quando a minha cabeça está noutra, a minha paciência para o que não me interessa redobra.


É que tenho um assunto, um tremendo assunto, a soterrar-me. Mais uma reviravolta, mais uma voltinha mais uma viagem, uma vida inteira nisto, uma coisa sem explicação. Mas ainda estou debaixo da onda, sem conseguir respirar, sem saber onde está a terra segura, sem saber como aguentar-me. Sem ser capaz de falar. Lembrei-me de um horóscopo que me tinha intrigado. Não percebi, achei que fossa parvoíce. Pensei: essa agora. Agora fui ler o desta semana, a ver se existia alguma consistência:
Le Soleil vous accompagne et vous offre l’énergie vitale dont vous avez besoin. Jupiter et Venus, de votre côté, vous ouvrent les portes de l’Amour, vous protègent et vous apportent la chance, la sérénité, la sagesse et l’accomplissement de vos rêves. Que demandez de plus ?
Este, hoje, fala da minha vida afectiva e é bom. No outro dia era neste comprimento de onda mas sobre a vida em geral e, até, profissional. 

Mas tudo isto me apanha num período da minha vida em que anseio por algum sossego, algum abrandamento, algum tempo para mim. E, em vez disso, isto. Uma inesperada enxurrada. De loucos. Ainda não consegui processar.

Ou seja, é no meio disto tudo que, aqui sentada no meu sofá, um ar fresco a varrer-me a pele, abrindo o youtube, me aparece, justamente, o Steve Cutts e, agora, este vídeo desgraçado. Ver para crer.

Imaginando um mundo completamente automatizado:


O último emprego à superfície da Terra



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Valeram o piano e os violoncelos a interpretar Dmitri Shostakovich e a pintura de Tomie Ohtake

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