quarta-feira, dezembro 28, 2016

2016





Não sei se já alguma vez fiz um balanço de um ano que passou, coisa como deve ser, rigorosa, pensada. Só a nível profissional e é porque a isso sou obrigada. Chego a Dezembro e lembro-me lá eu bem do que aconteceu lá para trás. Não me lembro e estou-me nas tintas para isso. Posso ter uma ideia geral. Mas de que serve isso, agora que já passou?Neste tempo de reacções exacerbadas e efémeras, de que serve a reflexão sobre o que passou? 

Por exemplo, sei que a nível político, cá pelo burgo, a oposição começou por aboborar, depois definhou e, finalmente, feneceu. Em 2016 Passos Coelho cobriu-se de ridículo a cada dia que passou apesar de as televisões continuarem a levá-lo ao colo. Mas é ao colo. Não em ombros como antes: levam-no ao colo como se leva um inválido. Isto o Passos Coelho. Do lado dos orfãos do ex-Irrevogável, a desgraça não é menor. Enquanto o Láparo se vai deixando cobrir de moscas, a Madame Cristas-da-coxa-grossa aposta no glamour à moda da colunável Katia Aveiro. Infelizmente nem uma nem outra conseguem ser levadas a sério. O rapazito Adolfo do verbo fácil e olhinho faceiro lá tenta fazer de conta que o partido ainda mexe mas não consegue. Aquilo vivia dos trocadilhos do Portas. A sucessora, Madame Cristas, que não tem a verve do ex-discípulo do Esteves Cardoso, aposta nos quadrinhos e lembrancinhas 'tipo' pré-primária e o garçon Adolfo, não sabendo como fazer pendant com essas gracinhas escolares, aos poucos, vai também perdendo o brilho que lhe vinha do reflexo do tutor.


Quanto ao PS, lá vai andando, sem grande brilho, a reboque da energia catapultante de António Costa. Muita gente agarrada ao passado, a épicas memórias, muita gente com os pés agrilhoados ao aparelho, muito culto de seita que vem do espírito das jotas e muito encosto a facilitismos por via de nomeações para assessorias e outras mordomias. Mas, aqui e ali, alguém sobressai e consegue caminhar sobre esse terreno, alguém consegue formar uma equipa de gente que consegue puxar o barco e seguir em frente, com presciência, competência e determinação. António Costa tem estado a ser um exemplo de energia, capacidade de agregar diferenças, vontade de tirar o pé do país da lama -- e sempre num registo descontraído, não como um missionário, não como um mestre-escola castigador. Um primeiro-ministro que não nos envergonha. Pelo contrário: um primeiro-ministro de que nos podemos orgulhar.

O PCP é cada vez mais um agrupamento de gente desnorteada -- mas séria. Jerónimo de Sousa é um homem honrado. O PCP já não consegue ter ideais porque todos os seus modelos ruiram. Agora apoiam-se em utopias. No entanto, pode ser gente antiquada e, por vezes, um pouco quadrada, mas é gente de bem. Penso que uma aliança com o PCP, seja sob que forma for, é um esteio de honorabilidade.

O BE não é que, de vez em quando, não tenha razão. Tem. Concordo, com frequência, com o que dizem. Mas há ali um onanismo latente e um histrionismo cansativo que estraga o efeito do que dizem e quase anula a razoabilidade de algumas ideias. Se calhar, ao escrever isto, estou a pensar essencialmente na Mortágua e na Catarina Martins e a ser injusta para os outros. Mas a verdade é que, tirando elas, o resto não risca.

Marcelo é o que é e está na presidência como esteve nas campanhas (nas presidenciais e nas autárquicas). E como esteve nos comentários. Aliás, entre mil outras coisas, ainda está nos comentários. É a personificação do dom da ubiquidade, da hiperactividade e da criatividade ao serviço da política. Envolve o país em sorrisos e afectos, transporta uma mensagem de optimismo e confiança e isso é positivo. Não tem sido lesivo do País e tem ajudado a limpar a sombra negra do Cavaco e, enquanto assim se mantiver, nao está mal. Além do mais, não vai descansar enquanto não conseguir limpar o PSD de Passos Coelho e isso é motivo para todo o País lhe ficar grato.

Tirando isso, o que mais?


Na UE a pasmaceira do costume, a falta de visão, a calhandrice inconsequente a que já habituaram o mundo. Um bando de burocratas inúteis. E a vergonha de ter um ex-presidente da Comissão a enxovalhar uma instituição que, já de si, não sabe dar-se ao respeito. Durão Barroso é a bosta do regime cavaquista -- e eu, que nunca emprego esta palavra e que não acho graça a quem a usa, tenho que pensar mesmo muito mal da criatura para a usar.

Nos EUA, o cúmulo do ridículo a que isto chegou: um palhaço eleito presidente. E palhaço aqui não é profissão, é insulto mesmo. Os riscos que o mundo vai correr com um parvo daqueles aos comandos do mundo são difíceis de antever. Custa perceber como um país que é tido como um bastião da liberdade e do progresso elege um parvalhão retrógrado, uma nulidade, um perigoso bronco. Um perigo.

A Rússia continua a ser o urso grande que caminha sem medo por entre a negra floresta, de quando em vez até pode parecer amigo e fofinho, mas logo deixa claro que é capaz de dar abraços que asfixiam e que não se ensaia nada para deixar pegadas de sangue, 

A China é o grande império que se deixou deslumbrar pelo pechisbeque mas que mantém os hábitos ancestrais de planear a longo prazo, de avançar com a paciência milenar de quem sabe que a vida de um homem é curta mas que a cultura impregnada nos genes da nação é vasta. E avança. E avança a caminho do ocidente. Delicados, avançam por onde os caminhos são fáceis e as portas abertas. 


Tirando isso, o terrorismo, essa doença infantil de um mundo que não tem sabido lidar com a democracia, com a inclusão, com as dificuldades de um progresso que deixa muito a desejar. Este é um mundo onde abunda a testosterona besta, onde campeia o aproveitamento da situação por parte de quem vive da indústria de armamento e, sobretudo, onde os agentes evidenciam uma cultura de Play Station e muito poucos neurónios -- e isto quer do lado de quem pratica o terrorismo quer do lado de quem não é capaz de o combater. Talvez o ano que aí vem traga algum separar de águas nesta matéria.

Omnipresente, o capitalismo desregulado, a ganância insaciável, a corrupção boçal. Um mundo que se move a partir dos bastidores.

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Nas artes, nada de disruptivo, pelo menos que me lembre. O mais significativo talvez seja mesmo que a ceifa em 2016 tem sido brutal, levando mais artistas do que era costume. A grande malvada não tem sido branda.

Mas grandes obras, grandes livros, grandes pinturas, grandes músicas, grandes esculturas, grandes coreografias, grandes filmes, etc, etc,... assim que agora possa destacar não estou a ver. Contudo, talvez seja lapso de memória da minha parte.

Nas ciências, certamente por ignorância minha, mas também talvez devido à fraca visibilidade de um mundo que parece viver muito em circuito fechado, talvez devido ao estupidificante desinteresse da comunicação social, também não consigo pronunciar-me.

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E, no entanto, há todo um mundo aprazível, um mundo de gente boa, corajosa, heróica, especial. Ou de gente normal capaz de milagres. Do milagre da sobrevivência, por exemplo. Gente generosa. Gente inteligente. E há a natureza. O milagre da renovação da natureza. E a ciência. Gente que espreita o desconhecido, que procura o que se esconde debaixo da pedra, gente que procura a luz ao fundo do indecifrável labirinto. E a arte. Pode não acontecer a obra prima mas há a arte de todos os dias. A arte das palavras perfeitas, de as escrever, de as cantar, de as dizer, e a arte dos acordes sublimes, e a arte das cores e da luz, e a arte de mudar a forma dos materiais, e a arte de desenhar o movimento. 

E é isto que faz mover o mundo e que faz valer a pena viver.


E a nível pessoal, o que se passou comigo?

Uma avalanche de trabalho desabou em cima de mim. Muitas vezes sinto que não sei se vou aguentar ou conseguir dar conta do recado. Depois lá vou pondo de lado esses pensamentos e seguindo em frente. A nível de saúde, tive uma tendinite tramada que, porque fui deixando arrastar a toque de brufens consecutivos, deu também em bursite. Durante algum tempo escrevi aqui cheia de dores, com gelo, cheia de anti-inflamatórios. Devia ter descansado mais mas continuei a trabalhar, a conduzir, a fazer a vida normal (apesar do esforço, por vezes, tremendo). Lá passou. No tempo livre, passeei sempre que consegui, caminhei, fotografei, estive com os meus, porque sem eles é que não passo, carreguei com mais toneladas de livros cá para casa. Quase não pintei. Que me lembre só três quadros para a minha filha. E cada vez mais constatei que o mais importante na vida é o afecto. Talvez tanto ou mais que a saúde.

E agora, assim de repente, acho que mais nada que valha a pena figurar aqui. Ou melhor, haver mais, há. Se calhar o mais importante nem está aqui. Mas são coisas cá minhas.


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As imagens são algumas das fotografias do dia que, ao longo do ano, foram sendo publicadas pelo site National Geographic.

A música, interpretada por Nick Cave é To Be By Your Side porque assim me mantive ao longo de 2016, ao vosso lado.

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Permito-me ainda convidar-vos a descer até ao post seguinte onde me interrogo sobre qual a forma de lidar com alguém que está com uma depressão ou com um esgotamento.

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1 comentário:

bea disse...

Achei muito bonito este seu rememorar do ano que passou e que veio vindo do universal para o particular.
Também acho que valorizar o que nos move, a arte, a natureza e a sua capacidade infindável de renovação, a forma como nos ligamos aos outros e nos comove que se liguem a nós, é o que conta e tem de ser. Porque do resto sabemos e participamos, mas não é bem de raiz.