Ora, então, muito bem. Agora que, abaixo, já vos mostrei um gigante com pessoas muito pequeninas lá dentro e, mais abaixo ainda, a bela folhagem de outono, está na hora de me virar para o insólito.
Nem sei bem que tom imprima ao que vou escrever porque este é um tema que me tolhe a racionalidade, que me desconcerta. Refiro-me, claro está, ao fenomenal caso Sócrates.
Junior Cox-Noon, bebé inglês com uma cabeleira nunca vista |
É que, das duas uma: ou um homem que parece ser normal e que vive sob os holofotes e que sabe que é escrutinado à lupa é, afinal, um farsante genial, um burlão de antologia, alguém que conseguiu passar através dos espelhos e desmultiplicar-se em infindáveis esquemas, ramificando a sua imaginação mafiosa a um nível quase capilar -- ou está a ser criminosamente perseguido por burocratas psicopatas que compulsivamente imaginam manigâncias que comprovam a culpabilidade em que o querem enredar.
Continuo a querer acreditar que Sócrates é inocente e, até que a justiça se exerça e decida em contrário, é essa a minha atitude perante tudo o que a imprensa for desfiando em manifesto incumprimento do segredo de justiça.
Não confundo apreciações de carácter pessoal com acusações judiciais. Não acho que, por uma pessoa escrever que mata e esfola, se deva de imediato acusá-la de assassina, pô-la sob escuta, prendê-la preventivamente. Não acho que, por uma pessoa gostar de se vestir bem, deva ser publicamente apodada de fútil e os seus movimentos passem a ser espiados. E também não acho que, por uma pessoa usar dinheiro de um amigo, possa ser ultrajado na praça pública como se de um corrupto e ladrão se tratasse. Não sou apologista da justiça popular. Só isso.
Logan, o fabuloso gato gigante que pesa 15 kg |
Há uns dois anos Sócrates foi preso com o argumento de que havia indícios graves de não sei o quê, que havia perigo de fuga ou de perturbar o inquérito. Babelas. E a televisão tablóide mostrou o impensável: um ex-primeiro-ministro detido, as câmaras a acompanharem a sua humilhação pública.
Ao fim de quase um ano detido e desfiando a imprensa de sargeta sistemáticas suspeitas sobre tudo e mais alguma coisa -- envolvendo amigos, amigos de amigos, primos, namoradas, ex-mulher, direitos de transmissão de futebol, cenas na Venezuela, em Angola, em Vale de Lobo, envolvendo o Grupo Lena e sei lá que mais -- e, afinal, sem que tenha sido produzido acusação, soltaram-no. Entretanto, mais um ano decorreu e as fugas de informação continuaram a suceder-se: mais amigos de amigos de amigos, mais empresas envolvidas, a CGD, a PT, a OI, e pesquisas nos supermercados a ver quem é que comprou o livro, e mais divulgações de escutas e mais uma torrente de suspeitas. E, de novo, o prazo é estendido... e acusação zero. Zero.
Por isso, dizer que Sócrates, até prova em contrário, é inocente não é uma paixão cega da minha parte nem uma prova de fé: é, apenas, uma constatação. E nem é por ele ainda não ter sido condenado. Nem, sequer, por ainda não ter sido julgado. É, tão só, porque ainda nem acusado foi!
E, no entanto, as criaturas que há anos o escutam, seguem, investigam e esburgam até ao tutano continuam a, cobardemente, soltar para a comunicação social insinuações e acusações de toda a espécie e feitio.
A última é que o livro sobre a tortura não foi escrito por ele mas por um advogado e pela mulher do advogado que foram pagos por um sócio do amigo rico de Sócrates. E, com isso, pretendem provar que o dinheiro do amigo era de Sócrates -- apesar de que, quem pagou os ditos serviços, nem foi Sócrates nem o amigo rico de Sócrates. Não interessa. Pisou o chão que Sócrates também pisou? Danou-se. É cúmplice.
The Sisters of the Valley, as freiras que plantam marijuana |
Segundo a Visão, a equipa de investigação da Operação Marquês suspeita que Domingos Farinho é o verdadeiro autor do livro de José Sócrates, que depois seria comprado em quantidades industriais por amigos próximos do ex-primeiro-ministro para inflacionar as vendas. Este professor e jurista terá recebido durante oito meses quatro mil euros mensais, mas não diretamente a partir de contas do ex-primeiro-ministro. De acordo com a revista, os pagamentos foram realizados através da RMF Consulting, uma empresa que está em nome de Rui Mão de Ferro, que também é arguido no processo e é sócio de Carlos Santos Silva noutras sociedades.
O contrato com a empresa de Mão de Ferro era de “prestação de serviços de apoio e assessoria na área jurídica” — válido entre janeiro e agosto de 2013 — e culminou com um prémio de 8 mil euros pela “conclusão dos serviços prestados”, apurou a Visão. A revista escreve que os investigadores contabilizaram um total de 40 mil euros em pagamentos ao alegado escritor fantasma. Para o Ministério Público, segundo a Visão, os valores dos pagamentos atingem os 100 mil euros quando são considerados os 60 mil euros que a advogada Jane Kirby, mulher de Domingos Farinho, recebeu da mesma empresa entre novembro de 2013 e outubro de 2014.
A mim isto parece-me delirante. Uma teia infinita de suspeitas em que todos os que, directa ou indirectamente, se relacionaram com Sócrates são suspeitos de serem cúmplices de qualquer coisa ou de o encobrirem ou de serem testas ou mãos de ferro em manobras mirabolantes.
Sem explicação. Homem num concurso de barbas |
Ou o homem é um génio na matriosca arte de conceber esquemas dentro de esquemas ou está a ser vítima da maior injustiça de que há memória. Qualquer das duas hipóteses é diabólica: ou fomos governados durante anos por um crápula genial que faz parecer qualquer mafioso um menino de coro ou a justiça deste país está entregue a doidos varridos, a paranóicos encartados, a gente verdadeiramente perigosa.
No meio disto há um outro receio que, de quando em quando, aflora à minha mente -- é que, um dia destes, ainda leio no Correio da Manha, no Sol, na Sábado, no Observador ou até mesmo na Visão que o dinheiro que recebo ao fim do mês apenas aparentemente é pago pela empresa para a qual trabalho porque, escarolando lá bem a contabilidade, ainda se descobre que há um cliente que, de facto, não compra nada e que o dinheiro que paga provém de um outro que é primo de um outro que é primo de um advogado que é primo da mulher do amigo de Sócrates -- ou seja, que obviamente é o Sócrates que me paga para escrever isto.
E, pensando bem, volta e meia caem-me as chamadas a meio e, querem lá ver?, afinal não é falta de rede: é mas é o Rosarinho que, com o amén do Super-Alex, me anda a escutar. Medo...
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Se era para falar de seres insólitos, desculpar-me-ão mas tinha que povoar o texto com imagens a propósito.
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E queiram, por favor, descer para temas mais normais como é o caso do gigante branco que vi a deslizar sobre Tejo.
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9 comentários:
Pois o seu texto está muito escorreito. O que não significa que seja mais do que o seu ponto de vista sobre o dito senhor José Sócrates de seu nome, ex primeiro ministro de Portugal.
Tem razão, ninguém consegue ser tão maquiavélico e ainda com tempo para namoradas e vida social, prática de desporto, e exercício da profissão que, neste caso e como é sabido, era gerir este rectângulo trabalhoso.
Mas também não há cabalas tão gigantescas - ainda que haja acusações sem fundamento, admito. O que há é pessoas, de um lado como do outro, completamente inflexíveis e convictas de que as suas opiniões são lei.
Bom proveito a todos.
PS: o que ainda vamos assistir é aos portugueses a terem de pagar ao senhor Sócrates inocente pelo incómodo que lhe trouxeram tais acusações. Coitadinho dele.
Olá UJM!
Mais uma vez 100% de acordo com as uas considerações
Um abraço
A Senhora é uma Mulher lúcida.
"PS: o que ainda vamos assistir é aos portugueses a terem de pagar ao senhor Sócrates inocente pelo incómodo que lhe trouxeram tais acusações. Coitadinho dele."
Pois se não houver acusação ou se, havendo-a, o JS for absolvido em julgamento, eu diria que dificilmente algum dinheiro seja suficiente para compensar, não aquilo a que chama depreciativamente "incómodos", e eu chamo o total destroçar de uma reputação e de uma vida (e das reputações e vidas de amigos e conhecidos). Talvez se um dia lhe calhar a si ou alguém próximo possa entender ...
Infelizmente, e sendo esse processo a pedir indemnização julgado em Portugal por membros da confraria de que faz parte o saloio de Mação, muito temo que o Estado seja absolvido. Quanto aos Teixeiras, Silvas e Alexandres, esses são independentes, inamovíveis e irresponsáveis - nada lhes acontecerá. E já agora pergunto: fazendo as contas aos vencimentos e despesas dos que, a tempo inteiro, estão a "investigar" o "Marquês" há anos, a quanto é que monta a despesa acumulada? e quem a paga? pois...
MPDAguiar
Grande parte dos nossos juizes não merecem o minimo de credito e dão razão à frase que diz - Onde o dinheiro chega a verdade cala-se.
Socrates não é o primeiro cidadão a quem as cabalas e injustiças, destruiram a vida profissional e pessoal, estou a lembrar-me de Gonçalo Amaral por exemplo, para não falar de outros.
Exercer justiça baseado em conficções e opiniões pessoais é teimosia, não se cumpre leis assim.
Será que algum dia veremos estes desvarios acabarem?
Subscrevo.
Saudações.
Pois, caro anónimo, não tenho essa importância e por certo ninguém irá destruir a minha reputação, tarefa em que eu mesma sou hábil. Não julgue que não pensei maduramente no quanto os media fazem e desfazem sem dó, só para vender. Esses danos, como bem diz, não são reparáveis- mas há indemnizações que se pagam. Também é verdade que o processo se arrasta há tempo demais e já gastou muito dinheiro nosso; servindo para aclarar a verdade, nada a opor. Deus nos livre de cair nas mãos da justiça. O que antes se pensava dos hospitais, "sabemos como entramos e não sabemos como saímos", estendeu-se à justiça.
Admito poder vir a reconhecer estar errada. Mas, por ora, e apesar da dita falta de provas concludentes e dessa amizade extraordinária, para mim, repito, Sócrates não é inocente no processo. E nada tem a ver com fatos janotas ou livros escritos, até que gostava de ver o homem bem enfarpelado e a dissertar.
A Todos,
Sócrates continua a 'mexer' com as emoções das pessoas. Contudo, independentemente do lado emocional, há que não esquecer o lado racional das coisas.
1. Pior do que deixar um culpado à solta é condenar um inocente
2. Não há pedidos de desculpa ou indemnizações que paguem o sofrimento de alguém injustamente acusado e cuja vida pessoal e profissional é desfeita por engano ou má fé
3. Os densos enredos de kafka por vezes parecem materializar-se. Coitado de quem se vê enredado em tal asfixiante rede de desconfianças.
4. Não é por uma pessoa ser assertiva, não vergar, ter por vezes mau feitio ou não merecer as nossas simpatias pelo que diz ou faz que deveremos confundir o nosso juízo moral com uma condenação que incumpe à justiça.
Dito isto, assusta-me pensar que estejamos a assistir a uma tentativa de destruição de uma pessoa inocente. E identicamente assusta-me pensar que possamos estar a assistir à prova de que a justiça se pode tornar perigosa quando exercida por pessoas perigosas.
Ponderação e sange frio no momento de formar opinões -- acho que é o que é preciso.
Tirando isso, um abraço a Todos e obrigada pela partilha das vossas opiniões!
Estamos no ano de 2032!
Caminho pelas ruas da capital e ao passar num pequeno quiosque, ainda vão existindo alguns graças ao empenho da Câmara Municipal em os preservar, leio, na primeira página do CM (já só tem artigos na primeira e última páginas, visto as outras serem destinadas aos classificados, sobretudo dedicadas ao sexo) mais um daqueles artigos sobre José Sócrates, o já longínquo ex-PM. E penso para comigo: “caramba, o homem é de ferro. Resiste! Esta malta não o larga há quase 18 anos! Mas, ainda existirá alguém interessado no caso? A verdade é que acabou de algum modo condenado, mesmo sem nunca ter sido levado a julgamento. Pela opinião pública. Inacreditável!”
À noite, quando ligo a televisão, calha-me de ver a Fátima Campos Ferreira, apoiada numa bengala, gordíssima e bastante envelhecida, a dirigir o vetusto programa “Prós e Contras”. E o tema, imaginem, é José Sócrates. Que até ali está a participar, como um dos convidados. No meio da assistência, descubro, sentadas, duas figuras cinzentas e envelhecidas. São o Procurador Rosário Teixeira e o Juiz Carlos Teixeira. Agora, reformados, igualmente convidados por Fátima a fim de emitirem a sua opinião. A razão para ela ter ido repescar o tema Sócrates (que o País entretanto esquecera praticamente) ao que me pareceu ouvir, teria sido o 50º prorrogamento, ou coisa assim, do prazo de investigação do Ministério Público sobre o processo Operação Marquês. Ao que FCF dizia, a abrir o debate, o dito processo já possuía muito para lá de 1 milhão de páginas, tinha sido lido por vários procuradores, juízes de instrução e inspectores das finanças, sem todavia se conseguir chegar a uma conclusão. Segundo o semanário “O Sol”, agora reduzido a pouco mais de 5 páginas, por não ter quase venda nenhuma e já só praticamente conter artigos escritos pelo Arquitecto Saraiva (que lançara outro livro de memórias), a investigação teria descoberto o 91 lugar onde JS teria supostamente escondido mais uns tantos milhões: numa ilha perto do Polo Sul (quando um dia ali foi, num cruzeiro). O que enfurecera Sócrates e o levara ter de processar pela 75ª vez a justiça portuguesa. Com razão, convenhamos.
Desliguei o aparelho. Eu próprio já estou velho – caramba, os anos não passam apenas pela Fátima, o Rosário e o Alexandre! – e, confesso, não tenho paciência para esta fantochada.
Mas, a verdade é que, a Justiça, com estes adiamentos todos, ao longo dos tempos, em conluio com certa imprensa (ao passar determinada informação – não provada e testada em tribunal), acabou, de algum modo, por conseguir o que não foi capaz de fazer em termos processuais: condenou um arguido, sem necessidade de o levar a julgamento. Espantoso!
Bom, já é tarde. Acho que me vou deitar. Já me começo a cansar das pernas. Já não são o que costumavam ser. Ser velho é uma chatice.
P.Rufino
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