segunda-feira, maio 02, 2016

O sol da Caparica -
com memórias, glúteos, cães, leitores e passeantes de todos os géneros e condições
[E a voz da Terra]


Depois do campo, é o mar que me chama. A praia, o sol, caminhar junto à água, sentir a pele quente, sentir a fresca maresia, ver os corpos que se descobrem, observar as pessoas, o que fazem, como - cada uma à sua maneira - desfruta estes belos momentos de uma primavera que este domingo foi mais de verão.



Sou bicho de rua, animal do campo, animal da beira de água, de sentir o vento e a chuva e o sol na pele. No entanto, durante cinco dias por semana, passo os meus dias inteiros, de sol a sol, enfiada no asséptico ambiente condicionado de edifícios modernos, energeticamente eficientes, sem janelas que se abram. Vejo o sol lá fora ou vejo a chuva ou vejo a copa das árvores a balouçar-se ao vento mas não as ouço nem sinto. Por isso, quando chego a casa, mesmo que já de noite e mesmo que já cansada, procuro a beira do rio, o frio, as luzes da noite que cai e ando até me sentir mais leve, mais inteira.

E, ao fim de semana, encaixo os afazeres domésticos em momentos em que, a grande velocidade, despacho tudo o que posso para que me sobre tempo para estar na rua. Preciso de largos espaços, preciso de sentir os elementos junto ao meu corpo.

Se, por algum incontornável motivo, me vejo forçada a estar um dia inteiro em casa, logo uma neura miudinha se instala em mim, parece que há moleza no ar, parece que o tempo se adensa, que não flui, parece que há uma pressão atmosférica amorfa e pesada sobre mim, tirando-me energia e alegria.

Por isso, depois de sentir os pés a pisar a terra e de andar encantada a fotografar as flores, foi para perto da rebentação que me desloquei. Um dia de verão e de praia, este domingo. No areal e no passeio contíguo, as pessoas desfrutavam este belo dia de calor e azul.

Ao contrário do que acontecia até há algum tempo, agora as pessoas já se habituaram a sair de casa e a procurar o ar livre, a caminhar, a pedalar em liberdade. De todas as idades e condição física, sozinhas ou acompanhadas, vê-se de tudo, e eu passo invisível entre as pessoas, fotografando-as mas tendo o cuidado de não as expor, querendo apenas captar o ambiente. Gostava de saber como se lida com esta situação. Sabido que é que adoro fotografar, confesso que gosto, sobretudo, de fotografar pessoas. Contudo, sei que se as procurasse e dissesse 'Permite que a fotografe e que, depois, se me parecer oportuno, divulgue as fotografias?' as pessoas reagiriam com estranheza ou, na melhor das hipóteses, perderiam a naturalidade. Por isso, contorno a situação, não as fotografando de frente para que, se possível, não sejam identificáveis. 

Não sei como é que os fotógrafos de rua ultrapassam isto. Se toda a gente tivesse os cuidados que eu tenho, ninguém documentava a realidade anónima. E agora estou a lembrar-me de Vivian Maier que fez milhares e milhares (cerca de 150.000) fotografias de rua que permaneceram desconhecidas até que acidentalmente alguém descobriu a preciosidade que residia em tantos e tantos negativos.


Por vezes cruzo-me com pessoas que fazem coisas que não reconheço. Tenho que me voltar para trás para ver se percebo. No meio de quem passava, o jovem praticava o que não sei se seria kickboxing. E tão cansativo me pareceu ser para o jovem que dava murros andando em volta do senhor como para este, que segurava um escudo almofadado e que tinha que o elevar ou baixar para aparar os golpes do rapaz.

Mas o que mais me surpreendeu é que me pareceu que só eu estava surpreendida com estes exercícios feitos em pleno passeio público. Todas as outras pessoas passavam sem olhar, como se aquilo fosse normal. Se calhar, é.


E passam vestidos, despidos, magros, gordos, brancos, negros, a andar, a correr, de skate, de patins, de saltos altos, descalços, de mãos dadas, abraçados, a conversar, em silêncio, sozinhos, a ouvir música. Há de tudo.


E há quem se estenda na areia, quem entre na água, quem jogue à bola ou quem, na maior tranquilidade, se instale em cadeiras e leia enquanto, de quando em vez, espraia o olhar pelo mar.

Um dia destes, vou encher-me de coragem e vou ao pé de alguma pessoa falar com ela, saber o que está a ler, o que está a sublinhar, pedir que me deixe fotografar de frente, enquanto lê ou sorri de olhos fechados na direcção do sol. Hoje tive mesmo vontade de fazê-lo com este casal aqui tão deliciosamente instalado.


E depois há os cães. Lembro-me tão bem da minha. Gostava tanto da praia. Ainda o carro vinha longe, já ela se impacientava, ganindo de alegria. Depois, mal abríamos a porta do carro, tínhamos que a segurar senão largava a correr para a areia. Quando lá chegava corria, doida de felicidade, baixava-se, desafiava-nos, depois vinha a correr na nossa direcção, louca de alegria. A brincadeira preferida era que lhe atirássemos um pau ou a bolinha dela. Era um prazer para ela e para nós.

Quem não tem cães não percebe que quem os tem goste de lhes proporcionar essa felicidade. Eu percebo e gosto muito de ver as pessoas a brincarem com os seus cães na praia.


Ver uma imagem como a destes jovens aqui abaixo em harmonia com os seus dois cães é muito bom, há uma comunhão, há um prazer partilhado, há um afecto notório entre os quatro.


E disse no título que o post tinha glúteos dentro mas é uma coisa parva de se dizer porque um cu não existe independentemente de quem o transporta mas é uma parte do corpo que, ao sol, tem graça, parece que é o corpo em todo o seu desplante.

Lembrar-me eu como, quando era adolescente e gostava de usar biquini, tinha dificuldade em arranjar modelos coloridos, bonitos, a meu gosto, atadinhos de lado, com graça. O primeiro que tive era castanho, uma coisa sem piada. Depois lá arranjava modelos mais curtinhos e coloridos nos Porfírios ou por aí mas, cotejando com a variedade absoluta de hoje, não há comparação possível.


E, por falar em biquinis ou tanguinhas, não sei se já o contei. 

Poucos meses depois de ter começado a namorar aquele que viria a tornar-se meu marido, no primeiro verão (no segundo já estávamos casados), para passarmos férias juntos de manhã à noite, e dado que não podia pernoitar em minha casa, ele resolveu alojar-se numa pousada de juventude (ou, se não era isso, era do género) em Tróia. Logo de manhã eu apanhava o barco, ia ter com ele e passávamos o dia na praia ou nas dunas, almoçávamos por lá, nas piscinas, no self-service. De tarde, ele ia comigo para a cidade, por lá jantava ou jantava connosco e depois ficávamos juntos até tarde, até ele apanhar o último barco.

Nunca relatava nada do que se passava na dita pousada. Dizia que chegava, tomava duche, deitava-se e dormia até se levantar e se despachar para ir ter comigo. Achei que devia ser isso já que não lhe devia sobrar tempo ou energia para mais. Já me tinha dito que dormia num quarto com mais duas ou três camas. Admiti que aquilo não fosse misto mas não tive curiosidade em saber.

Contudo, um dia fui até lá, acho que ele se tinha esquecido de qualquer coisa. Quando entrei no quarto nem queria acreditar. Acho que me senti ficar sem pingo de sangue. No quarto estavam mais umas duas ou três raparigas, não me lembro ao certo, só me lembro, e bem, que estavam bronzeadíssimas e eram louríssimas, de olhos claríssimos... de curta tanga e em tronco nu. Lembro-me de uma se ter posto de pé em cima da cama dele para ir buscar uma coisa a uma estante (ou seria beliche) e de ficar com os bronzeados e rotundos seios ali bem junto a nós

Fizeram uma festa quando o viram e por ali continuaram, deitadas ou semi-deitadas ou a circular no maior dos à vontades, como se fosse o usual. Eu para morrer.

Pois se julgam que ele se atrapalhou é porque não o conhecem. Que nunca tinha reparado que elas andavam assim, que nunca me tinha dito nada porque não havia nada a dizer, que não tinha mal nenhum e que nunca lá estava de dia para as ver assim. Se eu não o conhecesse ainda poderia acreditar mas sabendo-lhe os gostos, eu estava estarrecida. Penso que deve ter sido a primeira vez na vida que devo ter sentido alguma coisa parecida com ciúmes. Só imaginava o que não seriam os bacanais com aquelas malucas naqueles preparos de roda dele.

Mas, enfim, primária como sou, acho que logo me esqueci do facto. Também que podia eu fazer? Ir lá exigir que se vestissem quando ele estivesse por perto? Levá-lo para minha casa? Olha, paciência, coração ao alto. 


Enfim. Volto ao sol da Caparica.

Portugal é um país de praias fabulosas, tem um clima que permite que, no início de maio, possamos estar como em pleno verão, o mar é imenso, limpo, o sol doura os corpos e eu, que tinha umas coisas para dizer ao láparo que, cá para mim, anda a bater mal, mas mesmo mal da cabeça (ou, então, é a situação que não lhe permite manter a pose de estadista e começa a revelar o bacoco e matarruano que existe dentro dele) com isto tudo deixei, outra vez, que o tempo passasse e agora já não são horas para me atirar àquela desclassificada criatura. Mas não perde pela demora que até tenho umas fotografias à maneira para ilustrar o que hei-de escrever. Amanhã será.

É que ainda por cima o meu marido não achou graça à fotografia que eu tinha escolhido para encimar o blogue, aquela que tinha uns bonecos, achou até um bocado sinistra. Eu não tinha feito a mesma leitura, até me pareceu uma paródia. Mas, por via das dúvidas, cá coisas sinistras é que não e, portanto, troquei-a. Ainda hesitei quanto a esta, não apenas por ser um bocado too much ousada -- como a querida Rosa Pinto já me disse (vide comentário mais abaixo) mas por poder transmitir a ideia que aqui é lugar de narcisismos, eu a falar das minhas dores e mágoas, muro de lamentações, desfile de penteados, nails e sapatos -- e, fogo, não é nada disso. Mas, para já, fica esta, não tenho tempo para continuar à procura. Só que depois tive que trocar também o fundo, já não ficava bem o outro com flores às cores, preferia uma com flores encarnadas. Felizmente encontrei este com papoilas. Mas o tempo passa e eu a ver que já não tenho tempo nem para responder a mails nem a comentários, nem tão pouco para me atirar ao transtornado do láparo.


Por isso, fico-me pela praia e pelas pessoas que procuram o belo sol da Caparica e pelo prazer que tenho em andar por lá, a passear, a apanhar sol, a fotografar -- enfim, a curtir o belo prazer de existir.

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E fico-me ainda pela voz da Terra. Estas coisas atraem-me. Intrigam-me. Fascinam-me.

(Tinha escolhido primeiro um vídeo sobre as marés, o que as origina, os efeitos gravitacionais da lua e do sol - mas não era permitido incorporá-lo-lo aqui, só pode ser visto no youtube; contudo, durante a procura, dei com este aqui, que não terá muito a ver mas de que gostei muito; partilho-o convosco)

NASA Space Recordings Of Earth

Our Universe is not silent. Although space is a vacuum, this does not mean there is no sound in space. Sound does exist as electromagnetic vibrations.The specially designed instruments on board the Voyager and other probes, picked up and recorded these vibrations, all within the range of human hearing (20-20,000 cycles per second).
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Lá em cima Xavier Rudd interpreta Follow The Sun

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Caso vos apeteça agora entrar comigo no meu reino de flores e perfumes, aceitem o convite e desçam comigo: vamos entrar in heaven

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1 comentário:

Anónimo disse...

"NASA Space Recordings Of Earth" - fascinante!
P.Rufino