domingo, maio 15, 2016

Fernanda Câncio, Sócrates, o Caso Marquês, a Visão, o Correio da Manhã
- ou o longo lamento de uma mulher fatigada




Ando num tal estado que parece que nada do que interessa à comunicação social me interessa a mim. Não pego num jornal em papel há que tempos. Passo uma vista de olhos pelos jornais online para ver o que está a acontecer à superfície da terra mas sinto-me frequentemente descoroçoada com o relevo que os jornais portugueses dão a vacuidades.

Por isso, a notícia publicitada pela Visão sobre o artigo de Fernanda Câncio a propósito do pretendido envolvimento no Caso Marquês não fez tocar, em mim, nenhuma campainha. Depois, os destaques e o que li na blogosfera também não, continuei indiferente. 


Contudo, mão amiga -- a quem agradeço -- fez-me chegar ontem o dito artigo. Li-o há pouco. E li com algum desconforto e, sobretudo, pena. Agora li o que Fernanda Câncio, a propósito, escreveu no Jugular -- o processo marquês e eu (e a visão) -- e o que sinto é a mesma coisa. Sobretudo pena.


Há neste caso qualquer coisa de trágico. 

Fernanda Câncio namorou José Sócrates. Tê-lo-á amado. Como qualquer namorada, ter-se-á sentido apaixonada por ele, ter-se-á sentido bem nos seus braços.

Depois afastaram-se. Acontece.

O que seria normal seria que, tendo-se afastado, cada um fosse à sua vida. No entanto, ao que se vê, Fernanda Câncio continua a viver com a sombra de Sócrates enleada em si.

Sócrates é um homem inteligente, carismático, voluntarioso e que sempre despertou ódios e paixões. Depois de, no seu primeiro mandato, ter sido um primeiro-ministro bem sucedido e, depois de, na sequência da crise financeira internacional, ter suado as estopinhas e lutado como um leão, por vezes como um leão acossado, e de ter caído às mãos de uma espúria aliança esquerda/direita, poderia ter finalmente atingido o momento da sua vida em que poderia descansar (até se abalançar a novos voos).

Contudo, qualquer coisa nele sempre parece atrair a blasfémia, a injúria, a tempestade.

Poderia isso ter terminado ao ir para Paris. Mas não. Os jornais perseguiram-no, as investigações também.

Não sou de ir em conversas. Penso por mim. Julgo o que tenho a julgar. Sócrates para mim foi e é um político e é como político que o avalio. E avaliá-lo politicamente é, sobretudo, votar ou não votar nele e, no intervalo, avaliar a justeza das medidas que defendia ou implementava. Votei nele das duas vezes e continuo a achar que, de cada vez que foi a votos, era a melhor alternativa. 
Não sou de me abster nem de me distrair com utopias. 
Se nas eleições vão a votos A e B, é entre A e B que escolho. 
Se não estou muito satisfeita com A mas sei que, se o apear, virá B que é pior, pois que, até haver melhor opção, fique A.

Depois, indícios que podem levantar suspeições relativas a ilícitos são para ser avaliados judicialmente. Não politicamente, muito menos na praça pública.

Não faço juízos de valor nem condenações morais a partir do que o Correio da Manhã ou o Jornal i lançam para a opinião pública. 

Custa-me que uma pessoa, ao ser detida, tenha a televisão a filmá-la, custa-me que a pessoa seja difamada e acusada na praça pública e que, ao fim de ano e meio, ainda não esteja acusada de nada.

Ninguém deveria estar sujeito a tal insanidade.

Madoff foi indiciado, julgado e condenado em quanto tempo? Se não estou em erro, em três meses.

Sócrates já esteve preso como se fosse um bandido e agora, apesar de em liberdade, continua com a vida em suspenso. Sem poder trabalhar, vive a aguardar que um omnisciente e omnipresente Juíz Alexandre (sobre quem caem todos os casos de peso neste país) se decida a não sei o quê e que um falhado Rosário Teixeira continue a investigar o rabo da pescada que a amiga de Sócrates deixou no prato depois de almoçar num restaurante que, vendo bem as coisas, pertence a um sujeito que já foi sócio de um outro que veio das Beiras e que deve ter conhecido o primo do amigo do tio de Carlos Santos Silva. Um filme que, se não fosse dramático para quem o vive por dentro, seria uma comédia.

E, em volta de Sócrates, vão caindo como arguidos ou potenciais arguidos todos os que mais próximos estiveram dele: a ex-mulher, a ex-namorada e mais uma mão cheia de pessoas.

Fernanda Câncio, depois de, ao longo de penosos meses, se ter visto envolvida em insinuações e acusações por parte das bocas infectas do Correio da Manhã, tremeu nos alicerces e sentiu que devia explicar-se.

No longo texto que escreveu, transcreve as acusações, desmonta-as, nega-as. Lendo-a, fica à vista a sabujice mental e a paranóia torcionária do jornalismo que se pratica no Correio da Manhã.

No entanto, não sei se Fernanda Câncio fez bem em fazê-lo. Eu, penso eu, não o teria feito -- pelo menos daquela maneira. No entanto, sei lá eu como é viver uma situação destas.

A questão, em meu entender, é que agora vê-se a ela própria na capa de uma revista, vê-se a ela própria envolvida numa coisa com que nada tem a ver.

Penso também que escusava de ser tão extensa na explanação das suas razões e, sobretudo, escusava de ter deixado subjacente um juízo moral sobre a utilização de dinheiro emprestado por parte de Sócrates. Ao fazê-lo, propaga, junto da opinião pública, o seu juízo moral a propósito de um homem que, em tempos, amou. Ora, para além do mais, o seu juízo moral sobre o homem que namorou não é tema público nem acrescenta nada ao que está em causa.

Se Sócrates cometeu actos ilícitos pois que o acusem e que vá a julgamento. E que, se for julgado culpado, que pague. 

Mas que se despachem com o processo dito Marquês. É inadmissível o tempo da justiça em Portugal. E não é só com Sócrates, é com tudo. Uma vergonha.

E que, se nada houver contra Sócrates (como tantas vezes acontece com estas longas investigações em que desgraçam a vida das pessoas a troco de coisa nenhuma), pois que nunca mais exerçam justiça neste País porque serão comprovadamente incompetentes, insensíveis e desumanos.

Quanto a Fernanda Câncio, compreendo que, sendo jornalista, não consiga alhear-se do mau jornalismo que se pratica em Portugal. E, até por isso, é trágico o que lhe está a acontecer. Agora queixa-se do sensacionalismo de que foi vítima por parte da Visão que, no fundo, se vem somar ao sensacionalismo do Correio da Manhã. No entanto, ao querer defender-se, veio, afinal, ajudar a alimentar o dito sensacionalismo.



O que eu lhe aconselharia -- até porque simpatizo com a sua maneira de ser frontal e a sua escrita talhada a direito (embora, por vezes, em minha opinião, não colocando em perspectiva a importância de algumas causas) -- seria que, se conseguisse, se lembrasse sobretudo de viver a sua própria vida, pôr tudo isto para trás das costas, retomar uma vida normal, recuperar a alegria, esquecer esta teia putrefacta em que se tem visto envolvida. O mundo existe para além do que os jornais como o Correio da Manhã e sucedâneos relatam e, até, para além de José Sócrates.

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Lá em cima Renée Fleming interpreta a terceira das 'Vier letzte lieder' de Richard Strauss sob condução de Claudio Abbado.

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Já dei seguimento à minha história mas não está fácil arranjar fotografias para a ilustrar, e agora tenho que parar com isto e ir para outra. Mas daqui a nada, já a publico.

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Contudo, entretanto, desejo-vos já, Caros Leitores, um belo dia de domingo.


9 comentários:

Anónimo disse...

Pois eu acho que ela fez muito bem
só quem passa por elas é que entende
óh se entende
eu no meu pequeno anónimo mundo sei muito bem o que é ver-se enxovalhada, acusada de coisas que nunca se fez, tirarem ilações completamente estapafúrdias do que dizemos ou fazemos
lá diz o povo
"quem cala consente" ou "quem não se sente não é filho de boa gente"
sei bem que há provérbios para tudo
mas ter a lucidez para saber discriminar qual o mais adequado não é tarefa fácil
eu estrebucho e pontapeio (em sentido figurado bem entendido... lembrei-me do outro das bofetadas eheheheh)

deve ser por isso que nunca apanhei nenhuma úlcera nem nunca soube o que era tomar um indutor de sono

Bom domingo para si e família

GG

Um Jeito Manso disse...

Olá GG, boa noite,

Eu percebo. Claro que ninguém é de ferro mas, então, talvez pudesse ter sido mais breve, mais incisiva e penso que era escusado ter deixado no ar aquele tom de censura que não contribui para nada do que ela pretendia e que, pelo contrário, serve para lançar parangonas sensacionalistas.

Mas, sobretudo, acho que ela está a deixar-se ficar refém da relação que teve com Sócrates. O tempo passa e ela, a continuar assim, desgasta-se, enerva-se, gasta dinheiro com processos, e, quando der por ela, passaram uns anos e ela mal os viveu.

Mas, sabe GG, como eu escrevi, sinto pena dela. Deve sofrer bastante com o que lhe tem estado a acontecer.

Espero que a GG continue assim, directa, exteriorizando as suas raivas... e a dormir o sono dos justos.

Um abraço. E um belo domingo também para si e para os seus!

A. Cabral disse...

O que está em causa é condenar Sócrates, sem paixões que se leia e releia tudo o que foi dito neste texto está bem claro que Sócrates fez tremer os lóbis instalados, como se vê até ao momento nada provaram do que o acusaram, atiram agora para a ribalta a antiga companheira de Sócrates apenas e só para perlongar esta novela e alimentar o ódio dos que gostam de julgar por ódio.

Rosa Pinto disse...

Não li..nem vou ler o artigo da Fernanda. Coisas dela não me interessa.
Mas pelo sururu...não duvido do poder sedutor do Sócrates... que acho que é homem para nem às paredes se confessar...que sim existem mulheres que desde que haja dinheiro está tudo bem... que a paixão cega parcialmente (existe sempre visão periférica)...que os dois são inteligentes...que existem situações que convém...por aí fora...

Se a Senhora é acusada de algo e não o fez ..deve falar. Caso contrário que se cale para sempre!!!!

isabel disse...

tal como a rosa pinto devia fazer...já que, aparentemente, não tem nada a dizer :)

Rosa Pinto disse...

Pois é isabel...também não disse nada de especial...ah! Não me apaixonei pelo sócrates...o seu lado sedutor não me atinge...é isso....e não digo mai nada...boa tarde isabel.

ECD disse...

No essencial "leio" o artigo da Fernanda Cancio da mesma forma que UJM. Quanto à "materia de fundo" correcto, quanto ao "estilo" um pouco entre o espalhafatoso e o calimeiro. Mas, como diz UJM, ninguém é de ferro!

Do artigo ficará ainda para memória futura a descrição lapidar do comportamento, provavelmente a mando, de dois jornalistas do CM. A classificação é minha: émulos das testenmunhas de acusação que antes do 25 de Abril "expontaneamente" iam testmunhar nos tribunais plenários.

Mesmo assim não vou guardar este artigo da Fernanda Câncio. "Esfumou-se" logo que começou a ser suporte para paragonas sensacionalistas

Anónimo disse...

O Maddof confessou todos os crimes....foi por isso que a acusação e julgamento foi tão rápido ( não quero com isto dizer que a investigação do Ministério Público no caso Sócrates esteja a ser normal...mas é para não compararmos coisas incomparáveis). Se o Sócrates tivesse confessado tudo logo no início - isto pressupondo que ele tem ou tinha algo a confessar- a acusação e julgamento também já teriam sido realizadas, penso...

Anónimo disse...

Quem quer o sono dos justos quando se pode ter o sono dos campeões?

Viva, UJM!

JV