Depois de ter falado de Paris e de ter trazido uns bailarinos que dançaram nas suas ruas em total liberdade e alegria, hesito. Procuro algo que me leve para longe da lama. Mas, meus Caros, não é fácil.
Gostava que o escândalo que os Panama Papers podem desencadear fosse tão grande, tão sujo, tão indecoroso, que conspurcasse irremediavelmente todos quantos se esquecem que são mortais, que não vão poder usufruir, pela eternidade fora, de todos os milhões que escondem em contas de empresas que escondem outras empresas e outras contas que escondem a origem, que escondem a fuga ao fisco, que escondem as manobras, os esquemas -- imensos e obscuros labirintos que a manha sabe tecer e que os poderes gostam de ignorar. Queria que fossem envergonhados na praça pública, nos ecrãs de televisão, nas ruas, gostavam que todos quantos impõem austeridade ao povo ou pagam ordenados de miséria aos empregados, ou fazem negócios graças a comissões ocultas ou traficam droga, armas ou pessoas, escorregassem na porcaria que pariram, gostaria que tudo o que se vai sabendo mostrasse a todos os corruptos, ladrões, espertalhões, vendidos, que de nada lhes valeu o que fizeram.
Sou uma ingénua, talvez, mas quero ser. Não sou daquelas pessoas que dizem 'gostava de não ser ingénua'. Ou não, eu sou ao contrário. Sinceramente acho que não sou tão ingénua como posso, por vezes, parecer; de facto, gostava de ser muito mais ingénua do que sou e é um trabalho de construção permanente: não quero ser cínica, não quero ser incrédula, não quero ser pessimista. Quero saber pouco, quero ter sempre presente o muito pouco que sei, e quero acreditar muito, acreditar em muitas coisas, no desconhecido, no infinito, no superiormente bom e belo, quero acreditar nos outros, quero estar cada vez mais próximo da natureza, quero encantar-me a toda a hora, quero que o meu olhar conserve alguma da luz que trouxe dentro de mim ao nascer, quero crer que ainda me vai ser dado viver num mundo que caminhe no sentido da justiça e da generosidade verdadeira. Não quer dizer que sempre o consigo mas quero conseguir, esforço-me por isso. Esforço-me por ser ingénua.
Face a tudo o que começa a ser divulgado a propósito disto dos Panama Papers, tenho esperança que todos quantos têm dinheiro escondido em offshores estejam, a esta hora, cheios de medo, medo de serem descobertos, medo de perderem o que tão alarvemente esconderam, medo de passarem por humilhações indisfarçáveis, por vergonhas insuportáveis.
Empresas como as do moralista Senhor do Pingo Doce ou o do solidário Senhor do Continente que tão facilmente levantam arraiais fiscais de Portugal para irem pagar menos impostos noutros lugares -- ou tantas, tantas, tantas outras empresas que, recorrendo a pareceres de advogados ou consultores, fazem optimização fiscal, deslocalizando sedes para zonas francas ou abrindo empresas para parquearem isto ou aquilo em refúgios fiscais, não deveriam merecer o conluio das autoridades, de nenhumas autoridades, nem a nossa complacência. Ah, senão fogem e ainda é pior ou se não for aqui é noutro sítio qualquer, por isso, mais vale que seja aqui -- dizem os governantes cobardes. Pois, pois.
Pode ser que este escândalo salpique todos quantos fecham os olhos, acolhem alibis, encolhem os ombros, assobiam para o lado. Pode ser que este escândalo assuste essa gente. Tomara que se acobardem. Tomara que percebam que são finitos mas que a lama que os pode cobrir pode ser infinita.
Tomara que as televisões não os larguem, que os jornais não se calem, tomara que sejam achincalhados em público, tomara que não durmam tamanha a inquietação que lhes devore as entranhas.
Tomara que vão sendo libertadas, a conta-gotas, novas e novas revelações -- tomara que antes de voltarem a subornar, roubar, traficar, sonegar, pensem melhor, tremam de medo.
Tomara. Tomara.
Tomara que as televisões não os larguem, que os jornais não se calem, tomara que sejam achincalhados em público, tomara que não durmam tamanha a inquietação que lhes devore as entranhas.
Tomara que vão sendo libertadas, a conta-gotas, novas e novas revelações -- tomara que antes de voltarem a subornar, roubar, traficar, sonegar, pensem melhor, tremam de medo.
Tomara. Tomara.
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Apenas alguns exemplos:
Apenas alguns exemplos:
British banker set up firm ‘used by North Korea to sell weapons’. Nigel Cowie’s front company also allegedly helped regime expand nuclear programme, Panama Papers show.
Fund run by David Cameron’s father avoided paying tax in Britain. Panama Papers reveal Ian Cameron hired Bahamas residents, including a part-time bishop, to keep offshore company exempt
Ou este outro de que transcrevo:
Um dos nomes envolvidos no escândalo Panama Papers é o do primeiro-ministro islandês. Durante uma entrevista a uma TV sueca, Sigmundur David Gunnlaugsson foi questionado sobre a empresa detida com a sua mulher, que teve títulos que valeram milhões de euros em três grandes bancos da Islândia que faliram durante a crise financeira de 2008. Por entre respostas atabalhoadas, o político acaba por abandonar a sala. O vídeo está a correr mundo.
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Ora eu, a situações destas, contraponho o João de Deus
A Comédia de Deus - Os Pintainhos
- Não, tudo o que é de mais, cheira mal."
(João César Monteiro num dos seus momentos de antologia)
Nem mais. Grande João de Deus.
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Continua aqui
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E caso prefiram ver dançar com os cubanos nas ruas de Paris enquanto evoco a minha primeira visita, em turismo, à cidade da luz e da festa, é só descer.
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8 comentários:
Eu também tomara tanta coisa... mas isto vai dar em nada!
Esta história dos Panamá Papers, como dizia ontem António Barreto (personagem que não aprecio por aí além, mas que teve razão), afigura-se algo concertada e apontada para determinados alvos. Um dos quais Putin. Alguém que Washington gostaria de ver sair de cena, para melhor rapinarem o seu país, mas, sobretudo, o dobrarem politicamente (os EUA têm como alvo preferencial a Rússia de Putin em vez dos terroristas do DAESH, por exemplo!). O que é curioso é que, sabendo-se de que 80% da evasão fiscal e fraude fiscal se situa nos EUA e Europa (UE), o que é obra (!), as grandes empresas multinacionais ocidentais, os seus riquíssimos accionistas e CEOs, os Bancos e banqueiros, os figurões dos tais Mercados, etc e tal não aparecem, pelo menos para já (e duvido que surja alguma coisa séria que os comprometa, sinceramente), nesses tais “Papers”. Ângelo Correia ontem (na RTP 3) dizia, “se calhar não estão envolvidos”, uma coisa assim (não percebi se estava a gozar com o pagode). Devo dizer que esta história me deixa de algum modo indiferente. Explico porquê: é tudo fumo sem fogo, pela simples razão de que NENHUM governo ocidental – EUA, Europa, Canadá, Austrália, Suíça, etc -, nem muito menos Instituições ao serviço dos Mercados, como esses sabujos do FMI, para além do BCE, Eurogrupo, etc, irão alguma vez propor o fim definitivo dos Paraísos Fiscais, ou seja, dos tais Off-Shore. Se esse fosse o resultado, ou a decisão após todo este escândalo, então levar-se-ia a sério toda esta comédia. Assim, como tudo vai ficar na mesma, o Capital continuará a fugir ao Fisco e quem trabalha honestamente continuará a pagar impostos, as Crises económicas e as Austeridades da vida. Há por cá Escritórios de Advogados e Consultadorias económico-financeiras que, entre outras actividades, aconselham os seus estimados e ricos (e poderosos) clientes como escapar à mão do Fisco. Na Suíça, por exemplo, quer em Zurique, quer em Genebra, há locais, onde se pode ver, quase porta sim, porta sim, escritórios que outra coisa não fazem senão “encaminhar” uns tantos milhões para os tais Paraísos Fiscais. E por aí fora. Portanto, muito sinceramente, quero lá saber se o Putin tem, ou não, dinheiro nesse tal Panamá Papers. Agora já me chateia vivamente que uns tantos sabujos por cá, e nesta suja UE, fujam olimpicamente ao Fisco para depois virem os seus lacaios de serviço, como o BCE, FMI, Troikas, etc (e Bancos parte do consórcio desses empréstimos aos países em crise, como nós, os Gregos, etc) obrigar-nos a pagar mais impostos, a descontar mais e a pagar-lhes mais juros. Resumindo, quero lá saber desse escândalo. O que eu gostaria de ver acontecer era o fim dessa trampa, desses cancros dos Paraísos Fiscais, que sugam recursos financeiros e se fossem objecto de descontos fiscais dava para pagar muita dívida pública e privada e sobretudo permitiria um outro tipo de crescimento e saúde económica por exemplo no seio da União Europeia. Não se ouviu até agora uma única palavra quer de governos, quer mesmo dos tais jornalistas que tratam este assunto pedir o fim dos Off-Shores. O que se ouviu foi dizer que são legais. Ora porra, não estamos a discutir legalidades, mas imoralidades! Também são legais (à luz do Direito angolano) as condenações recentes em Angola, mas atentam contra os direitos dos arguidos do ponto de vista de um Estado de Direito (que Angola não é). Prefiro rir-me com o “João de Deus”!
Cordialidade UJM!
P.Rufino
Pensar que a classe que lucra com os Off-Shores venha a legislar alguma coisa para acabar com eles é como pensar que os americanos vão deixar de construir armas porque elas podem magoar alguém. Mas tenho fé que pelo menos o sentimento de impunidade total que existia seja abalado, o que não sendo o mesmo que acreditar que algo mude, não mata a esperança toda. Rita
Neste filme, “A Comédia de Deus”, João César Monteiro tem uma cena hilariante, embora circunspecta, quando está a ler uns papeis, em cima de uma secretária, numa sala, de costas para uma janela, de onde vem a luz. Ao folheá-los, depara-se-lhe um pequeno saco de plástico e de lá retira algo, exclamando: “um pintelho da Rainha Victória! God Shave the Queen!”
P.Rufino
Olá P. Rufino,
Muito de acordo consigo. São mundos obscuros que se movimentam em muitos tabuleiros. Finança, política, justiça, etc....
Não será por acaso que Junckers, vindo da grande lavandaria europeia, o Luxemburgo, esteja à frente da Comissão Europeia.
Quanto a essa passagem ainda há dias a vi num vídeo no Youtube e agora não a descubro. Mas hei-de descobrir.
Uma boa noite ou um bom dia para si, P. Rufino.
Olá Rita,
Eu tenho esperança que esta escandaleira global em que tudo será progressivamente exposto (pelo menos, assim o espero) assuste os que, até aqui, agiam a coberto do silêncio.
Mas, para cada risco, esta gente encontra um antídoto. Por isso, eu forço-me a querer acreditar mas, lá bem dentrinho de mim, duvido.
Mas vamos ter esperança, não é Rita?
A história de facto é muito estranha. Como é que os jornalistas andavam a investigar à um ano e eram tantos e de tantos países sem que tivesse havido uma pequena fuga de informação? Todos temos conhecimento da existência de off-Shores, estou de acordo com a opinião de que tudo isto foi concertado e no sentido de desacreditar políticos tipo: "abanão" à Rússia e "empurrão" ao Brasil.
F.Arroja
No Panama Papers, a informação surge filtrada por um consórcio internacional de jornalistas de investigação, cerca de 200, oriundos de 65 países. O "Centre for Public Integrity (CPI) é uma organização que tem como principais doadores a Fundação Ford, a Fundação Carnegie, o Fundo da Família Rockefeller, a Fundação W. K. Kellog e a Fundação Open Society, propriedade do sinistro George Soros. E lá se foi a independência. Só isto deveria fazer soar campainhas de alarme em relação ao objecto da divulgação e ao seu real objectivo.
AF
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