quarta-feira, janeiro 06, 2016

Alô, alô Tiago Brandão Rodrigues, ministro da Educação: ponha as crianças e os jovens a ouvirem música, a ler, a contactar com a poesia, a ver exposições, a escrever, a pintar, a filmar, a construir banda desenhada, a construir objectos nunca vistos. (E, claro, a aprender matemática, biologia, física, história, geografia, etc, etc). Mas ponha-os a gostarem de estar na escola.



Não tenho quaisquer conhecimentos sobre teoria da aprendizagem, sobre pedagogia ou psicologia infantil ou juvenil. Fui professora durante pouco mais de dois anos e isso não me confere o direito a coisa alguma. O que penso sobre a matéria vem da minha própria experiência enquanto aluna (não contando com as posteriores pós-graduações ou formações adquiridas a nível profissional, foi um período que decorreu entre os meus 4 e os 22 anos), enquanto mãe ou avó ou enquanto observadora do assunto - e da minha intuição. 

Tenho para mim que a aprendizagem deve ser vista sobretudo como um prazer, o prazer de ficar a saber mais ou de ter contacto com realidades antes desconhecidas. 
Mais um prazer do que um frete. 
Acho que tem que haver motivação, tem que haver vontade de ir para a escola, de estar e conviver na escola enquanto decorre a aprendizagem. 
Mais motivação do que obrigação. 
Acho que deve reinar um ambiente de partilha, de ligação emocional, de fruição agradável do tempo usado no período de aprendizagem. 
Mais festa do que castigo.
Enquanto decorreu o programa de reabilitação do Parque Escolar, com excepção de um ou outro excesso condenável, sempre o defendi. Defendo que as escolas devem ser lugares privilegiados, com óptimas condições, que os alunos, os professores e demais funcionários tenham prazer e orgulho em frequentar. 

Escola Secundária D. Dinis


Sei, no entanto, que não bastam as infraestruturas: claro que não bastam! Tem que haver toda uma concepção integrada, os programas têm que ser os adequados, os professores devem sentir-se motivados, respeitados e bem preparados, e tem que estar montada uma organização administrativa facilitadora do exercício das actividades importantes (que são aprender e ensinar).

As escolas têm que ser espaços nos quais, de forma dirigida, os alunos adquiram apetência por aprender. E que possam experimentar, e que possam perceber que o conhecimento não é uma ilha, que as matérias se tocam. E que, em conjunto, ousem criar e que, em conjunto, aprendam a discutir, a negociar, a interagir, a perceber os erros e a festejar os sucessos.


E que às escolas, para falar com os alunos, lhes levem, como exemplos ou como inspiração, cientistas, escritores, jornalistas, pintores, bailarinos, designers, arquitectos, desportistas, empresários, médicos, juízes, artistas de teatro - etc; que a escola se abra à sociedade.
E que haja representação teatral nos refeitórios, projecção de filmes na biblioteca, concertos nos recreios -- que lhes façam surpresas, que os façam ter motivo para contar em casa e aos amigos o que aconteceu na escola, que queiram lá estar não vá acontecer mais alguma, que sintam vontade de aprender e que se habituem a conviver tom todos os tipos de arte.

Uma menina dá uma moeda a um músico de rua e, em troca, é surpreendida de uma forma nunca vista


Que haja emoção, contacto, construção: criem-se projectos, estabeleçam-se objectivos, adaptem-se os programas às especificidades dos lugares em que as escolas se inserem.
Já o contei aqui: fiz voluntariado numa escola numa das zonas mais problemáticas do país. Quando perguntei o que queriam ser quando trabalhassem, a maioria disse que queria ser ajudante. A ambição não passava daí: ajudante de cabeleireira, ajudante de cozinheira, ajudante de pedreiro. Um ou outro queria ser futebolista. Outra dizia que queria ter idade para deixar de estudar para poder ficar em casa e ajudar a mãe que precisava de trabalhar e não tinha com quem deixar os filhos mais pequenos. Desconheciam grande parte do vocabulário. Quando falei em bondade, a maioria desconhecia a palavra. Em locais assim, os programas não deveriam ser os mesmos que numa escola num dos bairros ricos de Lisboa. As motivações, as necessidades e as aspirações não são as mesmas numa escola no meio do campo, numa zona degradada e problemática ou numa zona urbana desafogada.

Um professor especial



E que, de pequenas, as crianças aprendam a pensar, a interrogar-se. E que, desde cedo, aprendam a magia das palavras, aprendam a procurar a magia do desconhecido nas palavras, que sejam incentivadas a ler, a ler muito, a escrever, a comunicarem através da escrita ou da fala mas com riqueza de vocabulário e procurando a diversidade das matérias.

E que aprendam a encantar-se, que procurem a emoção do encantamento, que desfrutem o prazer da partilha da emoção. Que aprendam poesia, que ouçam poesia, que tentem depurar as ideias através da matemática e da poesia, que saibam apreciar a pureza de um raciocínio depurado, seja ele expresso através de uma expressão algébrica ou de um poema.


Luiza, com 3 anos, recita "A criança que pensa em fadas" - Fernando Pessoa


E que percebam o que é o lado saudável da liberdade e que abominem as práticas ultrajantes das praxes e que os alunos estejam, o mais possível, em contacto com a natureza, com o lado bom da vida, que aprendam a venerar o planeta. E que o processo educativo decorra no pressuposto de que o mais importante é que as pessoas se tornem melhores, mais amigas umas das outras, mais colaborantes, que aprendam a construir uma vida melhor para todos, para as pessoas, para os animais, para as árvores, para o ar que se respira.

E que todos tenham acesso ao ensino que desejam ou necessitam: seja especial, artístico, seja do que for. 

Se houver um grande investimento no ensino não será apenas a economia que será estimulada (adaptação e equipamento de escolas, alargamento de horários*, mais emprego para pessoal docente e auxiliar, etc) como se inverterá a tendência de abandono escolar e se criará uma sociedade melhor preparada, mais culta, mais aberta à mudança, mais disponível para o desconhecido, mais apta ao exercício da solidariedade.


O sistema educativo na Finlândia - oportunidades iguais para todos

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Nota: que isto, lá porque falo de fruição e não de exames, não seja entendido como um convite ao facilitismo -- muito pelo contrário.

Se eu me reportar à minha própria experiência, posso dizer que nunca fiz um exame enquanto andei no liceu e que não dei pela falta deles (por acaso, isso aconteceu porque, graças às notas, todas acima de 14, dispensei), e que nunca fiz uma directa para estudar, e que passava grande parte dos meus tempos livres a ler (literatura, sem filtro), a namorar, a ver televisão. Geralmente tinha aulas de manhã e a minha mãe dava aulas à tarde. Por isso, estava por minha conta, na boa. 

Com os meus filhos, também nunca fui uma mãe opressiva. Queria que estudassem, que fizessem os trabalhos de casa, apoiava-os no que precisassem. Mas nunca me pus a obrigá-los a debitar matéria, nunca os pus nas explicações (acho que eram os únicos das turmas a não andarem nas explicações). Quer um quer outro também liam imenso e também namoravam como se não houvesse amanhã. Nas vésperas dos exames para entrar na universidade, em vez de estudarem, punham-se a ajudar os amigos. Por vezes, no meu íntimo, tinha pensamentos egoístas (em vez de estarem a estudar, estavam a ensinar os outros e ainda se arriscavam a não irem, eles, bem preparados -- mas, felizmente, sempre me consegui manter calada). Sempre foram excelentes alunos tal como agora são excelentes profissionais e, sobretudo, pessoas bem formadas e informadas e, agora, já pais com filhos bons alunos (apesar das tenríssimas idades). 

O essencial é despertar nas crianças e nos jovens a necessidade e o gosto pela aprendizagem -- e é disto que quem gere o sistema educativo jamais deveria esquecer-se.

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* Quanto ao alargamento de horários, já uma vez aqui o disse: é essencial que as escolas públicas (desde as creches até às secundárias) tenham horários e actividades complementares equivalentes às que têm as escolas privadas. Grande parte dos pais, pelo menos nas grandes cidades, não tem outro remédio senão recorrer às escolas privadas já que horários das públicas não se compaginam com a sua disponibilidade para ir levar e buscar os filhos (nem os querem deixar entregues a si próprios, sozinhos, antes que consigam, em segurança, andar pelas cidades, nos transportes, com a chave de casa).

Na altura, lembro-me que uma leitora me disse que os pais têm é que estar mais tempo com os filhos. Pois, era bom, era. Mas isso não é possível. Para quem tem horários das 9 da manhã às 6 ou 7 da tarde e que, entre casa e o trabalho, tem cerca de uma hora de viagem e mais uma para o regresso, e que não tem avós reformadas ou donas de casa para ir buscar ou levar os miúdos, a única solução são as escolas privadas. Ora uma escola privada, pelo menos por estas bandas, é no mínimo 400 ou 500 euros por mês. Ou seja, é um rombo no orçamento que nem todos conseguem suportar, especialmente para quem tem mais que um filho. E se um casal que tenha um ordenado razoável ainda consegue arcar com a despesa, já os que ganham menos se vêem aflitos para o conseguir (some-se a prestação da casa, o custos dos transportes e toda a despesa normal de uma casa e da alimentação, vestuário, médicos, etc, e perceba-se porque é que a demografia em Portugal apresenta uma tendência decrescente. Ter filhos? Uma odisseia muitas vezes impossível). Que se alarguem, pois, os horários, que se diversifiquem as actividades extra-curriculares -- e sobretudo, que se pense a sério em tudo isto. Muito, muito a sério.

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Portanto, Senhor Ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues, mostre o que vale: seja criativo, corajoso, visionário. E Senhor Primeiro-Ministro António Costa surpreenda-nos, avance, prepare o futuro, faça história.


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Para terminar em beleza, com jovens

O Dizedor, Guilherme Gomes, diz Poema para Sophia de Eugénio de Andrade




E o nosso brilhante Marcelino Sambé: terre à terre


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira

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4 comentários:

Anónimo disse...

Pois, pôr os filhos em escola privadas é para quem pode. E muita gente desconhece o que isso implica para que os mais abastados possam pôr os seus filhos em escolas privadas, porque trabalham, como aliás muita gente e, coitados, não sabem o que fazer com os filhos, uma vez acabada a escola. Primeiro estão as carreiras delas e deles e depois os filhos. A verdade é que muitas professoras e professores dessas escolas privadas recebem salários inferiores a 800 euros, ou pouco mais do que isso, com contratos precários, renovados anualmente (o que, entre outras coisas inibe, muita das vezes, a aquisição de um bem, hoje essencial, a prestações, como um frigorífico, uma máquina de lavar roupa ou loiça, etc), ou a recibos verdes, para não lhes pagarem o mês de Agosto e são obrigados para além das funções que são contratados, como a de ensinar, a de serem uma espécie de amas-secas dos filhos dos abastados, ficando ali, na escola até tarde, 18.00, 18.30, 19.00, até que as mamãs e papás das tais crianças apareçam a buscá-los, o que às vezes sucede ainda mais tarde, sem receberem nem um euro a mais por esse trabalho, que faz parte do tal contrato: ser professora/or e ama-seca de crianças. E ainda têm de inventar ocupações para as tais criancinhas não se enfastiarem após as aulas, enquanto esperam pelas mamãs e papás delas/es. E depois, têm de ir muita das vezes de transporte público para as suas casas, chegando bem tarde, prepararem os jantares para as suas famílias, deitarem-se tarde, levantarem-se cedo e lá estarem, antes das crianças, que os tais papás e mamãs trazem para a escola que lhes paga mal e exige muito. Conheço amigas e amigos que com as mesmas qualificações, quer em determinadas carreiras do Estado, mas, sobretudo, no sector privado, em boas empresas, que ganham 5, 6, 7 etc, vezes mais do que o que ganhamos ali. Seguramente o seu caso. O que os tais abastados não podem esquecer e deveriam ter consciência é que para elas/es terem as vidinhas dos filhos facilitadas até tarde, alguém tem de tomar conta das suas crianças, a receberem salários que são mal pagos e com condições laborais precárias, esfalfando-se todos os dias, no trabalho e depois nas suas casas. Isto é injusto, mas infelizmente é a vida. E não esquecer que muitas escolas privadas, que só os filhos dos mais abastados podem usufruir, são subsidiadas pelo Estado (assim como universidades). Mas, as mamãs e papás que vivem com bons salários no privado querem lá saber disso! O que importa é que alguém lhes fique com os filhos até o mais tarde possível. Mesmo que tal implique trabalharem sob condições precárias (e um baixo salário).
Maria Guiomar Joanes

ECD disse...

A inveja é sempre má conselheira. Desvia a atenção do importante O combate por melhores salários, incluindo no caso dos professores das escolas privadas. é justíssimo e deve estar na ordem do dia. De facto, o trabalho dos professores nas escolas - como o trabalho organizações do dito 3º sector - é pago abaixo de cão. Curiosamente , ou não, dois sectores dominados pela ICAR e suas emanações na "sociedade civil"!

Um Jeito Manso disse...

Cara Maria Guiomar Joanes,

Percebo a sua argumentação, gostava de poder chegar a casa mais cedo e de ter uma vida mais desafogada. Contudo, que não retire conclusões precipitadas. Se a Maria Guiomar chega tarde a casa (e chega porque precisa de trabalhar para receber o ordenado, apesar de baixo), se tiver filhos pequenos, ver-se-á nas mesmas situações que as das mães e os pais das crianças que ficam na sua escola. Não o fará porque põe a carreira acima das crianças mas porque não tem alternativa. E geralmente é isso que acontece com quase toda a gente.

Além disso, se esses mães e pais deixarem de ter os filhos nessas escolas, a Escola terá que reduzir o pessoal e nem esse trabalho haverá para quem lá trabalha. Grande parte do problema das escolas privadas nestes últimos anos resultou de o número de crianças ter reduzido dado os pais terem ficado desempregados, e as escolas terem deixado de poder pagar aos professores e pessoal auxiliar.

Para qualquer casal que trabalhe numa cidade onde o tempo que se perde no trânsito é elevado e que não tenha familiares que fiquem com as crianças, em regra só há duas possibilidades: ou não tem filhos ou recorre a uma escola privada já que, geralmente, a vida não é compatível com os horários das escolas públicas. E não estou a falar necessariamente de famílias abastadas pois qualquer empregado numa loja, com ordenados também baixos e também alguma precariedade, está nestas condições.

Por isso, a resolução do problema de os trabalhadores das escolas privadas trabalharem até tarde não passa por os pais não terem lá as crianças até à hora a que os podem ir buscar mas sim por haver mais pessoal. E estou a falar sem saber pois admito que estejam a cumprir a legislação relativa a horários de trabalho (porque se o pessoal está a trabalhar para além do que a lei permite, as coisas serão mais complicadas).

A vida não está difícil só para si e para as suas colegas: a vida está difícil para muita gente. Por isso, não se deve hostilizar aqueles que estão quase nas mesmas condições que a Guiomar, mesmo que ganhem um pouco mais. O que se deve é lutar por melhores condições para os que hoje não estão bem.

Não concorda que, se houver escolas públicas com horários alargados, haverá mais postos de trabalho e que isso é bom para os pais das crianças e para quem tem mai possibilidades de trabalhar em condições mais justas?

Olhe, já agora, permita-me observação: o seu nome é digno de uma personagem literária. Gosto.

Volte sempre e comente pois acho que é útil para todos que melhor conheçamos os problemas de todos: assim, sabendo que não estamos sozinhos na nossa luta, poderemos tornar-nos mais solidários.

Um abraço.

Um Jeito Manso disse...

Olá ECD, boa noite!

Gostei do seu comentário. Penso que enquadra bem o tema. Estou certa que, se formos sector a sector, encontramos, por todo o lado, condições que envergonham uma sociedade decente.

E tem toda a razão: o pior de tudo é que as pessoas que, mais diferença, menos diferença, estão essencialmente na mesma situação, se sintam como de lados opostos da barricada, lutando uns contra os outros em vez de se unirem e defenderem soluções que resolvam os problemas de todos.

Obrigada pelas suas palavras.