segunda-feira, novembro 30, 2015

Eu tenho dois amores


Como uma casa a abrir as suas portas, o calor das ruas abriu o rosto do Lisboa.



Não andam fáceis estes meus dias. Com o tempo contado ao minuto para ver se dá para tudo o que é importante, e com condicionalismos inamovíveis como a hora das visitas no hospital que é estreita e que não dá para ser mais ao fim do dia, com os afazeres domésticos que também não podem ser adiados, com a vontade de estar com os meninos (os grandes e os pequenos) longe de quem fico cheia de saudades, os dias são um autêntico contra-relógio. Pouco consegui ler, pouco consegui descansar como deve ser -- mas vale-me o sono profundo em que caio mal me encosto e que me deixa repousada mesmo que os períodos de sono sejam curtos. Claro que, com isto, muito menos vi televisão ou li notícias. 
Nestas alturas, só me dá para a diversão ou para a parvoíce. Ao sentar-me aqui, ocorreu-me falar do guarda-costas da Adele, aquele gato de olho azul que é de encandear qualquer uma. Poderão ler sobre isso no post abaixo.
E agora, aqui, pensei que deveria falar de qualquer coisa mais 'a preceito'. Mas sobre o quê? Não tenho paciência para falar nem das inventonas que a comunicação social cria para ter sobre o que falar (vide aquela coisa do OE 2016), nem tenho conhecimentos ou cabeça fresca para falar sobre o clima ou sobre a guerra da Síria ou do papel de tampão que a UE quer que a Turquia faça, deixando o cordelinho de fora para que alguém puxe quando a coisa merecer atenção. Ouvi que já lá vivem dois milhões de refugiados. Uma vergonha, este mundo.  
Por isso, estou sem assunto. Tenho andado para falar do Butcher's Crossing que acabei de ler no outro dia e que me fez me lembrar Hemingway. Literatura grande. Mas ainda não encontrei o registo certo: nos grandes a gente não pode pegar de qualquer maneira, tem que ser com cuidado. Transcrever pequenos excertos acho que não dá, o livro é uma sequência perfeita e vale também por isso. Um livro assim eu não leio de trás para a frente, não salto páginas, nem linhas, nem palavras: ali eu vou levada pela mão do autor e faço o que ele quis que eu fizesse, penso o que ele quis que eu pensasse e sinto, ah se sinto, tudo o que ele quis que eu sentisse. Tudo ali é perfeito, essencial. Por isso, agora também não vou falar deste magnífico livro: ainda não sei como fazê-lo.

Portanto, estando neste impasse, vou antes continuar a falar destes meus dias de canseira (e que agora já não são tanto de grande ansiedade porque me parece que as coisas estão controladas mas, ao princípio, há umas duas ou três semanas, já nem sei, foi complicado; e, de resto, também sei que não posso dizer que estão controladas porque um dia estão assim e no outro estão assado, tudo muda de um instante para o outro).

Voltar à poesia, a esta distância sem rumo nem projecto,
voltar à poesia para estar mais longe
do que sou.

Mas, enfim, a verdade é que, pelo meio, entre a vinda do hospital e transportar a casa a outra visita, e a noite, ainda conseguimos, no sábado à tarde, dar uma escapadinha até ao campo; e este domingo ainda conseguimos estar na praia com todos, isto depois de virmos do hospital e de almoçarmos às quatro da tarde. E, em ambos os dias, antes de começarem estas provas esforçadas, ainda deu para a matinal caminhada junto ao rio. E, sempre, para ir fazendo fotografias.

E, no meio disto, por estranho que possa parecer, ainda consigo sentir-me feliz. Claro que, escrevendo isto, muitos de vós me acharão desprovida de sensibilidade, de inteligência ou de preocupação familiar ou social. 

Mas no outro dia li uma coisa que me tranquilizou: não é que eu seja mentecapta por me sentir quase sempre na boa (mesmo nos intervalos de alturas em que estou aflita, cheia de medo ou angustiada): a questão é que devo ter os pré-cúneos muito desenvolvidos. Eu explico:
Neurologistas japoneses dizem ter encontrado a sede deste estado de alma que desafiou filósofos e poetas ao longo da história. 
Íntima e subjetiva, efémera, mas sempre repetível, a felicidade, na definição da sua essência, tem sido um desafio para filósofos e poetas. E também para a psicologia, que na última década conseguiu transformá-la num conceito operacional, de forma a poder ser estudada e medida. Agora, um grupo de neurologistas japoneses da Universidade de Kioto deu um passo mais, foi à procura da felicidade no cérebro e diz ter encontrado a sua sede - ou, pelo menos, uma delas - numa pequena área do córtex, no lobo parietal, chamada pré-cúneos. 
No estudo que acaba de publicar nos Scientific Reports, do grupo da revista Nature, a equipa liderada por Wataru Sato afirma que as pessoas com índices mais altos de felicidade têm também um volume maior de massa cinzenta naquela zona específica do córtex cerebral. E esta observação foi uma constante, independentemente do sexo, da idade ou dos resultados dos testes de inteligência dos sujeitos, reforçam os autores.

E, portanto, caminhando rente ao rio, sentindo o azul das águas e o do céu, vendo as gaivotas, as paredes gastas e belas das ruínas, Lisboa luminosa do outro lado, Lisboa tão suavemente colorida, os veleiros elegantes e silenciosos levados pela mansa aragem, os gatos da margem, os pacientes pescadores - eu encanto-me, sinto-me privilegiada, agradecida, feliz, e vou fixando as imagens que os meus olhos vêem. Este fim de semana o tempo esteve bom, a temperatura amena, o azul muito azul - e eu sinto-me em harmonia com esta tranquilidade. Mas, se o tempo estivesse virado do avesso, ventanias, chuvadas, trovejamentos, mesmo assim eu sentir-me-ia abençoada por poder estar ali, presenciando a beleza da natureza e da obra do homem.

De tarde, como acima já disse, bicho do mar que sou, voltei para junto das águas, das águas do mar. Lindo, lindo o mar. Lindo, lindo o mar ao pôr do sol. Os meninos jogando à bola, felizes, correndo, fazendo ginásticas, torres de areia, os meus amores lindos, cheios de alegria, banhados pelo sol dourado deste outono marinho, o mar folião, espumando, o sol tingindo a praia de luz afogueada.

Nós, os descobridores, assistimos ao caos.
O ocidente calou-se e no horizonte sai
um sol do oriente, um sol de dias maus,
um sol que não aquece quem entende que cai.

Por lá nos deixámos ficar até que o céu mergulhou no horizonte. Os meninos espantavam-se: ainda agora ali estava, depois começou a desaparecer e agora já não se vê. Eu disse que por isso é que se diz que o sol se põe, porque vai pôr-se a dormir, vai deixar que chegue a noite. E, dizendo isto, pensei que estava para ali a enganar as crianças, que devia ter explicado os movimentos da terra e não estar a induzi-los em erro, como se fossemos tão importantes que até o sol se ajeitasse às nossas rotinas. Mas fica para depois, agora deixo-os apreciar a beleza da natureza sem grandes explicações.

Mais tarde, quando eu estava a dizer que ia pendurar uma mega-bota na lareira e que ia enfeitar a lareira com luzinhas para o Pai Natal saber onde devia deixar os presentes, o mais crescido disse-me que já sabia que era a família que oferecia os presentes mas que não ia dizer nada para os mais pequenos continuarem a pensar que era o Pai Natal. Dei-lhe um beijinho na cabeça e disse que ele fazia muito bem. Meus meninos mais lindos.

E, portanto, saímos da praia quando o frio estava a chegar e o sol já tinha mergulhado nas águas. A fotografia abaixo foi tirada uns instantes antes.

Não vivo sem o rio mas também não passo sem o mar. São, verdadeiramente, dois amores, duas presenças que marcam a minha vida, que a enchem de beleza e de paz.

Esperanças de um maior contentamento na areia dos dias que se espraiam.

E depois ainda fomos lanchar. Claro que eu e o meu marido não comemos nada pois o almoço tinha sido tardio. Mas bebi um saboroso chá de erva-príncipe e limão. De regresso a casa, fiz uma sopa. De base levou abóbora, courgette, cebola e três dentes de alho. Depois de cozinhado, juntei azeite e moí muito bem: ficou um puré macio, grossinho. À parte tinha cozido feijão verde cortado miúdo e cebola roxa desbastada que juntei à base da sopa. Mexi para envolver o puré com os legumes. Ficou mesmo boa.

Fiz também lombos de salmão no forno. Assim: aqueço previamente o forno a 250º. Depois, cá fora, ponho num pirex um fio de azeite, depois rodelas de maçã. Em cima das rodelas de maçã ponho os lombos de salmão. Tempero com umas pedrinhas de sal. Por cima, fatiei um resto de cebola roxa fatiada que tinha subtraído à sopa. De lado, pus fatias finas de abóbora (que também subtraí à que tinha posto na sopa). Esfarelei um ramo de alecrim por cima do peixe e da abóbora. Juntei também uns salpicos de orégãos (por isso, basta muito pouco sal). Reguei com um pouco de azeite. Levei ao forno e baixei-o para os 150º. Ficou lá até eu ver que já estava bom - o peixe mediamente passado para ficar macio e não seco, e a abóbora cozinhada, quase sequinha, bem colorida e saborosa. Para acompanhar, fiz arroz basmati, cozido em água com umas pedras de sal e um fio de azeite.

Mas pouco comemos. Por isso, já tenho jantar para esta segunda-feira.

E fiz ainda uma máquina de roupa e paguei o IMI e etc, tarefas com pouco glamour mas que, igualmente, fazem parte da minha vida.

E, para acabar o dia em beleza, aqui estou convosco, na boa, na conversa. Talvez seja a isto que se chama hygge: o prazer das coisas simples. Enfim, para mim é prazer - para vocês não sei.

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Na legenda das fotografias usei excertos de poemas de Luís Filipe Castro Mendes in A Misericórdia dos Mercados.

Lá em cima Melody Gardot interpreta Love me as a river does

As duas primeiras fotografias foram feitas no Ginjal. As duas últimas na Caparica.

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Chego ao fim de tudo o que para aqui estive a escrever a achar que, para vocês não deve ter sido prazer nenhum, deve é ter sido uma seca das valentes, nada que se aproveite. Não é que nos outros dias, por aqui, consigam encontrar pérolas -- mas acho que hoje nem as conchas vazias, quanto mais pérolas. Mas, olhem, não deu para mais. A ver se amanhã estou mais informada ou inspirada.

Permitam que relembre que, no post abaixo, falo do Apolo de olho azul que zela pela boa disposição de Adele e mosto-a cantando com acompanhamento musical de instrumentos infantis. Uma graça.

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3 comentários:

Olinda Melo disse...


Foi um prazer, uma benção, lê-la UJM. Pode crer.
Achei muito interessante aquilo da felicidade.
Sabe que eu também sou um pouco desse género?
Vejo que tem tido visitas ao hospital. Alguém
da família doente? Desejo boas melhoras.

Uma muito boa noite.

Bj

Olinda

Um Jeito Manso disse...

Olá Olinda, muito obrigada. As suas palavras são sempre uma simpatia.

Sim, tenho o meu pai hospitalizado. Já esteve muito mal, recuperou, voltou a ter um novo problema, e agora parece estar de novo a recuperar.

Sustos atr+as de sustos. E dos grandes. Mas, enfim, é a vida tal como ela é.

E, no meio disto tudo, quer a minha mãe quer eu fartamo-nos de rir com palermices, parece que nos recusamos a cair na tristeza ou na preocupação extrema (que as situações até parece que merecem...)

Um beijinho, Olinda. E tudo de bom para si!

Olinda Melo disse...


Desejo que o seu pai melhore depressa.

No meio da tristeza e das preocupações é preciso
valorizar os pequenos momentos que, enfim,
servem para descomprimir.

Beijinhos para si e para a sua mãe.

Olinda