quarta-feira, novembro 25, 2015

António Costa: Primeiro Ministro de um Governo PS com o apoio do BE e do PCP. Chegou a hora da esquerda.
Enfim duma escolha faz-se um desafio, enfrenta-se a vida de fio a pavio, navega-se sem mar, sem vela ou navio, bebe-se a coragem até dum copo vazio.
E vem-nos à memória uma frase batida: hoje é o primeiro dia do resto da tua vida






A principio é simples, anda-se sózinho
Passa-se nas ruas bem devagarinho
Está-se bem no silêncio e no borborinho
Bebe-se as certezas num copo de vinho
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
Dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
Diz-se do passado, que está moribundo
Bebe-se o alento num copo sem fundo
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida


E é então que amigos nos oferecem leito
Entra-se cansado e sai-se refeito
Luta-se por tudo o que se leva a peito
Bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
Olha-se para dentro e já pouco sobeja
Pede-se o descanso, por curto que seja
Apagam-se dúvidas num mar de cerveja
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida


Enfim duma escolha faz-se um desafio
Enfrenta-se a vida de fio a pavio
Navega-se sem mar, sem vela ou navio
Bebe-se a coragem até dum copo vazio
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E entretanto o tempo fez cinza da brasa
E outra maré cheia virá da maré vaza
Nasce um novo dia e no braço outra asa
Brinda-se aos amores com o vinho da casa
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

......

Até agora, António Costa mostrou ser um jogador implacável. Muitas vezes aqui o censurei por, ao longo do período que mediou a sua eleição para liderar o PS e as eleições para as Legislativas parecer adormecido. Não se via o PS. Os PàFs punham e dispunham e o PS nada. Os PàFs, com arrogância, saltavam em cima de um PS que parecia apático -- e os eleitores iam-se desvinculando e aderindo a um BE que nos aparecia lutador e determinado. Os socialistas pareciam desaparecidos. Apenas António Costa aparecia e, ainda assim, pouco. Depois, a própria campanha eleitoral foi um desastre, a começar pela pirosice e amadorismo dos cartazes, pelas gaffes, pela falta de ânimo e de organização.

As sondagens iam mostrando o impensável: quando haveria condições para mostrar ao PSD e ao CDS que o descontentamento era total, o PS fraquejava, incapaz de capitalizar esse descontentamento, incapaz de descolar.


Na noite das eleições fiquei francamente desanimada. O PS não conseguiu ser o partido mais votado já que essa maioria foi para os PàFs, embora uma maioria relativa. A maioria dos eleitores tinha mostrado que preferia uma alternativa à política de destruição levada a cabo por um governo incompetente e composto por gente impreparada e servil face aos 'mercados' mas os votos tinham-se dispersado pelo PS, PCP e BE. E, para mim, face ao historial de anos e anos, jamais as esquerdas teriam a elevação necessária para se unirem com vista a vencer aqueles que combatiam e que tão mal tinham feito ao País.

Contudo, nessa noite, estranhei o tom sereno e bem disposto de Costa e percebi que estava longe de se preparar para atirar a toalha ao chão e entregar os pontos. Vi-o animado como nunca o tinha visto na campanha. O seu sentido de humor, a sua inteligência, a sua capacidade de pôr uma máquina em movimento estavam ali, inteiras. Parecia pronto para se pôr em marcha. 

De seguida, nessa noite, Leitor que muito prezo enviou-me a imagem aqui ao lado e disse que o cavaleiro não estava derrotado -- pelo contrário, já estava pelejando já que não era qualquer um que metia medo a cavaleiros endurecidos por batalhas anteriores. Gostei de ler. Animou-me.

Pouco depois, para minha absoluta surpresa, Jerónimo de Sousa deu o tom: o PS teria condições para formar governo. Já antes, na campanha, no debate com Costa, Catarina Martins tinha mostrado idêntica abertura.

E isto mudou tudo. Tudo. Inesperadamente o jogo virou.

A partir dessa altura, António Costa foi de uma eficácia tremenda. Admito como provável que, já antes das eleições, tivesse havido conversas entre eles mas, seja como for, o que sucedeu em Portugal daí para cá foi inacreditável. Contra uma direita em histeria e para quem valia tudo, contra um presidente pequenino, muito pequenino (e não o digo no sentido mignon do termo: digo-o referindo a sua mesquinhez, mediocridade, bairrismo bacoco), contra uma comunicação social minada, contra os cépticos e medrosos do seu próprio partido, António Costa seguiu em frente com uma firmeza e serenidade a todos os títulos notáveis.


Em todo este processo, é de salientar a inesperada e corajosa posição do PCP. Uma reviravolta destas poderia macular a sua identidade e a sua idoneidade. Contudo, Jerónimo de Sousa tem credibilidade, tem uma inteligência prática e a elegância de um príncipe.  Conseguiu uma inflexão no rumo do PCP que mostram que tem uma personalidade superior. Percebeu que o interesse do país e a própria sobrevivência do partido se jogavam nesse momento e, com uma capacidade de liderança formidável, imprimiu honorabilidade a este processo e é essa honra que transparece na atitude destes comunistas que garante o empenho que vão ter no apoio a este governo.

Quanto ao Bloco de Esquerda, Catarina Martins conseguiu a proeza de atrair, como um pára-raios, a esquerda criativa, lutadora, sem lastro do passado. Arguta, empática e decidida, os debates em que participou mostraram uma mulher bem preparada, aguerrida. E depois há Mariana Mortágua: uma fera na argumentação, voz baixa, temível. Prepara-se para os debates como poucos. Tem qualquer coisa de animal feroz. Aquele killing instinct que transparece em Sócrates, tem-no ela também. Li que Francisco Louçã e João Semedo assessoraram Catarina Martins e, portanto, estão igualmente de parabéns.


Uma esquerda assim é uma mais valia num país débil como Portugal. Assim consigam sempre manter-se unidos contra o capitalismo de casino, selvagem e desregulado, unidos a favor da industrialização e do relançamento sustentado da economia, do emprego, do desenvolvimento, do conhecimento, unidos na defesa da igualdade de oportunidades, na defesa dos mais desprotegidos, unidos na luta contra o envelhecimento, o desemprego, a emigração, o abandono escolar, unidos na defesa da cultura, do património e dos recursos naturais do país, unidos a favor de uma justiça célere, digna e justa, unidos na defesa pelo respeito e pela dignidade das pessoas. Assim saibam colocar sempre os interesses de Portugal acima dos interesses dos seus próprios aparelhos partidários.

Aqui estarei para os criticar quando achar que estão a pisar o risco, aqui estarei para os louvar quando achar que merecem.

Até ver, acredito que o Governo tem condições para ser um bom Governo. Há dois ou três nomes que me surpreenderam e não pelos melhores motivos mas talvez esteja enganada, não os conheço bem. Há dois ou três que me surpreenderam e pelos melhores motivos. E os restantes são sólidos, à prova de bala.

Gostaria de lá ver mais mulheres mas não é por se ser homem ou mulher que se é melhor ou pior (e nem sei se não terão sido algumas das sondadas que não se mostraram disponíveis -- que isto de estar ao serviço sete dias por semana, de manhã à noite, não conseguindo prestar apoio doméstico e familiar, não é para qualquer uma e, neste ponto, também ainda há grandes diferenças entre sexos)
Uma nota de rodapé para o diminuído presidente Cavaco. Nem no momento de indigitar António Costa conseguiu estar à altura. Todo o texto revela um mau perder indigno de uma pessoa que ocupa um lugar destes. Em vez de indigitar diz que indica e fá-lo desculpando-se com as opiniões dos outros. Mas sobre tão triste figura nem me apetece já falar. Não tarda vai-se embora e passará pela vergonha de sair rasteiramente pela porta baixa.
Mas como dos fracos não reza a história, esqueço o pequeno cavaco. 

Agora quero é desejar a António Costa e a toda a equipa governativa boa sorte e que preservem sempre a capacidade de perceber o que mais importa para o futuro do País e que tenham juízo, firmeza, presciência, elevação, tolerância e capacidade de negociação e, a toda a hora, respeito e amor pelos portugueses e por Portugal.


É tempo de abrir as asas - chegou a hora de voar. Hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas.

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  • Obtive as fotografias no Bored Panda. 
  • A canção lá em cima é, como é bom de ver, O primeiro dia do Sérgio Godinho. 
  • Guilherme Gomes diz e realiza O Mostrengo de Fernando Pessoa 
  • Queria ter encontrado um vídeo mais longo do One Thousand Pieces, e sem os dizeres apologéticos, mas não descobri. Fica este mesmo porque, pela beleza, pela criatividade e pelo harmonioso trabalho de equipa queria tê-lo aqui. A companhia é Hubbard Street Dance Chicago, o coreógrafo é Alejandro Cerrudo e a música é de Philip Glass
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, saúde, sorte e muita alegria. E esperança.


6 comentários:

THOT disse...

Cara
O prazer das coisas, quando sincero é contagiante e é por isso que os seus Posts iluminam estes momentos que passamos juntos, uma questão de sintonia, imagino.
É bom ver esta esperança contagiante como estandarte de batalha, como são também Interessantes e informativas as suas análise dos assuntos políticos, com raciocínio objectivo e certamente, muito apoio de outras mentes informadas, consegue sintetizar a situação, sem deambular em "self-absorbed" falácias, pena que esta maneira de estar, seja tão rara, neste espaço, banhado pelo trio da felicidade, sol o mar e a areia.
O maior problema nesta situação vai ser, é o meus prognóstico, a atenção á verdade e ás mentiras (e muitas haverá) e não abandonar ( como é panaceia Nacional) " ao Deus dará " a responsabilidade de cidadania presente,
Para um povo que votou um Cavaco, ao poder por décadas, é certamente, trabalho Herculano.
Imaginei que nos ia agraciar com um resumo de valor, dos novos membros do cabinete, cedo demais imagino, valerá a pena esperar por um que nos poupe ao Wishy-washy de propaganda política ou assassinato de carácter.
M


Silenciosamente ouvindo... disse...

Minha amiga os meus parabéns por este seu muito bom post!!!
Precisamos mesmo de voar!!!
Sim Cavaco foi indecente o não mandar escrever no comunicado
"indigitado" mas ele não o queria fazer, fá-lo porque é
obrigado e contrariado. E ainda temos que aguardar o discurso
de tomada de posse, que deve ser lindo...
Estou desejando que acabe o seu mandato.
Bjs.
Irene Alves

Anónimo disse...

Magnífico post.
E no "resto das nossas vidas" os partidos de esquerda não se podem permitir falhar. Se não estiverem de facto unidos e determinados a lutar para não só reverter a situação criada pelos PAFS com também desenvolver a economia, de forma que a riqueza nacional não sirva para ser escoada no sistema financeiro mas sim para melhorar as condições de vida dos mais desfavorecidos, em primeiro lugar, e da classe média depois, então os eleitores não lhes vão perdoar. E as próximas eleições legislativas poderão ser um pesadelo.
Fico a torcer pelo êxito deste governo, onde de resto estão colegas de faculdade com muito mérito.
MPDAguiar

Anónimo disse...

Post interessante como de costume, com musica e imagens que complementam muito bem o texto mas em relação a António Costa há que salientar que teve a coragem de quebrar o tabu do "arco da governação" e não o fez após a eleições, já antes recusava o termo e durante a campanha eleitoral demonstrou sempre não sentir menosprezo por qualquer força politica. Pôs a democracia a funcionar.

F. Arroja

Anónimo disse...

Parece-me um governo sólido. De combate. E com uma rectaguarda, na A.R, bem preparada (com Carlos César no “comando”). Junta gente experiente, com outra com capacidade inovadora. E, mesmo ao nível dos S.E que já se conhecem. A escolha de Ana sofia Antunes, invisual, para o pelouro que lhe destinaram (como S.E) e aceitou, parece-me bem. Lá está, uma área da Sociedade que tem sido sempre, de algum modo, descurada, sobretudo politicamente. Gostaria de ouvir o que Elina Fraga, a Bastonária da O.A, assim como as instituições representativas dos juízes têm a dizer de tem a dizer sobre Francisca Van Dunem. Tem boa reputação no seio da magistratura, como Procuradora-geral adjunta. Estou curioso para ver Mário Centeno nas reuniões do Eurogrupo. Acredito que se sairá bem. Respeitá-lo-ão. A Saúde e Educação também me parecem bem entregues. E Vieira da Silva, que regressa à Segurança Social, estará sob vigilância cerrada por parte do BE e CDU. Foi ele, que no governo de Sócrates abriu as portas aos cortes nas reformas, pensões e na Segurança Social, para além de introduzir mudanças nas reformas que deixaram a desejar. Porta essa que depois foi escancarada por Passos/Portas. Julgo que aprendeu com alguma humildade, ao que lhe ouvi, em tempos. Ainda bem. Como cidadão, estou satisfeito com as escolhas. Só desejo que tudo corra bem. Ganhamos todos e ganha o País. E acredito que quer o BE e a CDU estarão á altura. É uma oportunidade que não se pode perder. Nenhum dos 3: PS, BE e CDU. Quanto ao PR, pior ainda do que a semântica utilizada, “indicado em vez de indigitado”, intencional da sua parte, foi aquele parágrafo na Nota da Presidência em que ele revela o que faria, caso estivesse na plenitude das suas funções, que era dissolver a A.R e convocar eleições. O homem sofre de uma incapacidade em conseguir ser democrata. A jornalista Ana Sá Lopes do “I”, dizia hoje na rádio, ao que ouvi, que a revelação pública dos nomes do próximo Executivo, tinha sido certamente uma pequena “vingança” de Costa, como “paga” do PR ter divulgado o teor das suas 6 “dúvidas” ao líder do PS, no “Site” da Presidência. Cavaco que se cuide: António Costa tem pele de crocodilo e argúcia de raposa!
P.Rufino

Francisco Clamote disse...

Assim seja!