segunda-feira, novembro 09, 2015

António Costa, Jerónimo de Sousa, Catarina Martins, Heloísa Apolónia - a 8 de Novembro tornou-se oficial: os líderes da esquerda portuguesa chegaram a um acordo em torno de uma solução governativa que vai tentar inverter o declínio económico, social e cultural em que Portugal tem estado mergulhado. A direita mais incompetente de que há memória em Portugal está prestes a ser apeada. Assistimos aos primeiros dias do estado adulto da democracia portuguesa. Viva a política.


Depois de nos três posts abaixo ter relatado, em tempo real, os anúncios de Marques Maya Mendes que, inclusivamente, divulgou o que ele diz ser a provável lista dos próximos ministros do governo português, um governo que terá António Costa como Primeiro-Ministro e uma série de ilustres competentes nas diferentes pastas, e de me ter interrogado sobre quem serão os inúmeras gargantas-fundas que alimentam a sua tão afamada pre-vidência, aqui, agora, parto para outra.





Não vou alongar-me pois é tempo para reflectirmos sobre o que se está a passar mais do que para nos deixarmos envolver no novelo ensarilhado das opiniões que enxameiam tudo o que é sítio, em especial, os órgãos de comunicação social. 

Aliás, se há matéria que deveria merecer, junto de quem manda nos jornais, rádios e televisões, uma séria reflexão, ela refere-se, em minha opinião, ao nefasto papel que a comunicação social, nos últimos anos, tem vindo a desempenhar junto da opinião pública.

Mais do que espaços onde os jornalistas pratiquem jornalismo, onde se divulguem os melhores pensadores, os melhores políticos, escritores, artistas, músicos, investigadores, etc, e se dê espaço às suas obras e à discussão em torno delas, ou programas de entretenimento de qualidade, ou a reportagens sobre as mais diversas realidades, os meios de comunicação social passaram a entregar-se a fúteis exercícios de onanismo em que uns quantos artolas se entretêm a ouvir-se a si próprios, bolsando opiniões a metro sobre tudo e sobre nada, tantas vezes sem fundamentarem o que dizem e limitando-se a repetirem argumentos que se propagam entre eles, como um eco num espaço vazio.

Esta gente, mais do que ajudar a perceber a realidade, iluminando o obscuro ou trazendo a experiência de outras paragens, não: limita-se a patinhar em cima da terra revolvida pelos próprios pés. 

Pensavam, talvez, os donos dos meios de comunicação que, encharcando com esta gente todos os lugares onde pairem microfones e holofotes, condicionariam a opinião pública e, assim, condicionariam o rumo da história. TINA, TINA. There Is No Alternative. 

Pois bem. enganaram-se. Enganaram-se redondamente. Há alternativa.


Num ímpeto de sobrevivência e/ou num rasgo visionário, eis que na noite de umas eleições que retiraram a maioria absoluta ao PSD e aos CDS mas não colocaram o PS à frente das votações, António Costa -- dando corpo à vontade de convergência à esquerda que vinha anunciando desde que o fez na Câmara de Lisboa e, depois, quando foi escolhido para liderar o PS e, mais recentemente, na campanha eleitoral -- se mostrou descontraído, com a segurança de quem sabia que o seu verdadeiro caminho estava a começar a desenhar-se naquele momento.

Catarina Martins e Jerónimo de Sousa teriam o seu eleitorado dividido e desiludido se resolvessem deixar governar, por mais 4 anos, o PSD e o CDS. Por muito fiéis que sejam os seus correlegionários, no mais íntimo da sua consciência, ainda lhes deve pesar na consciência a ajuda que deram a Passos Coelho e a Paulo Portas ao apoiarem-nos no derrube de Sócrates. Perceberam que teriam que agir de forma clara. E agiram.

Fazendo perceber na carne dos Pàfs vitoriosos o que é um vitória de Pirro, o PCP e o BE fizeram saber ao PSD e ao CDS que a sua vitória tinha sido efémera e vã pois iriam viabilizar um governo guiado pelo PS.


A partir daí foi ver o desnorte nesta direita portuguesa pouco evoluída, pouco escolada e reaccionária. De um ressabiado Cavaco até a uns pouco inteligentes Passos Coelho, Marco António e quejandos, passando por comentadores aos molhos, todos peroraram contra um acordo que previram nunca vir a acontecer, contra uma solução de governação que acusaram de ilegítima, contra a lealdade do PCP, sobre os riscos de se ter um governo apoiado por comunistas e sei lá que mais. 

António Costa resguardou-se, deixou-os pousar. Estratega inteligente e hábil negociador, Costa assegurou que os passos fossem dados com segurança e recato. Foi, pois, um mês de negociação que decorreu com reserva e seriedade - e, certamente, com a alegria de quem sabe que está a fazer história. 

Catarina Martins, com aquela raça e graça que nos estamos a habituar a admirar, apresentou-se decidida: está pronta para a luta, não vergará.

Jerónimo de Sousa, qual velho guerreiro ou velho chefe de tribo, apresentou-se magro e digno. Tocante a sua figura cansada com o  rosto profundamente sulcado, dizendo, em palavras abertas e claras, que o futuro contará com os comunistas para viabilizar de forma sustentada uma alternativa às políticas de direita que têm atrofiado o país. Homem honrado que é, estou certa que saberá manter a sua palavra. Olha-se para ele e não se duvida.

António Costa estava, finalmente, em condições de anunciar que o governo de Passos Coelho e Paulo Portas vai cair e que ele está em condições de avançar com uma alternativa.

Esta semana, qual touro que entra em praça sabendo que vai ajoelhar e cair, Passos Coelho irá ao Parlamento apresentar o seu governo fantasma. Sairá sem honra. A história se encarregará de o apagar.


Cavaco Silva sabe que vai acabar os seus desprestigiados anos na Presidência da República dando posse a um governo que detesta e teme. 

E os portugueses sentem que, afinal, a voz dos eleitores conta e que, dos pântanos insalubres e da mais cinzenta das névoas, pode, afinal, sair uma nova forma de vida.

Voltou a discutir-se política em Portugal, os portugueses voltaram a defender os seus interesses e voltou a sentir-se aquela energia positiva que prenuncia uma mudança de rumo na vida das pessoas.

Muitos anos decorridos após o 25 de Abril, Portugal mostra que é um país onde a democracia está viva e atingiu a idade adulta.

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A música é  a Gnossienne No1 de Satie sobre a qual Sergei Polunin e Kristina Shapran improvisaram uma coreografia.
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Permitam que vos recorde que, continuando a descer, passarão pelos restantes três posts que escrevi hoje e que, inclusivamente, relatam a informação ou previsão de Marques Mendes, esse zandinga que semanalmente informa os portugueses sobre as cenas dos próximos capítulos, desta vez sobre quais os ministros que integrarão o governo de António Costa. Nem mais. Pasta a pasta, quem vai ser quem. Aquele ali merece todo o dinheirinho que ganha: sabe tudo, tudo, tudo, mesmo aquilo com que os próprios ainda nem sonham.

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5 comentários:

Silenciosamente ouvindo... disse...

Como sempre um belíssimo post seu sobre a actualidade política.
Subscrevo-o totalmente.
Agora é esperar pela decisão de Cavaco. E que no dia da tomada
de posse do Governo C.S. não lhe dê um ataque cardíaco...
Estou ansiosa por ver a sua expressão nesse dia.
Bjs.
Irene Alves

Bmonteiro disse...

Um governo 'maioritário' mas algo coxo?
Com o suporte total de deputados do PS,um governo de ministérios socialistas.
Sem dois ministérios do BE, que levaria o nº de deputados de suporte ao XXII GC a outro patamar, deixando a oposição colaborante à Esqº a cargo do PCP.
Cuidado com os idos de Março - evolução das contas públicas.


Anónimo disse...

Uma análise e um comentário excelente este seu Post, que subscrevo por inteiro! Volto cá mais tarde.
P.Rufino

Anónimo disse...

António Costa tem vindo a surpreender-me. E pela positiva. A decisão que tomou, que é histórica no universo político português, de romper com o tal “arco da governação”, tão caro à Direita actual, é absolutamente espantosa! Requer coragem, visão e vontade de mudar as coisas. É certo que, de algum modo, o facto de a Direita hoje ser radical, ou melhor dizendo, de um neo-liberalismo de extrema-direita (dada a sua atitude profundamente anti-social) “, ajudou”, empurrando o PS do Centro-Esquerda para a Esquerda. Ou seja, de encontro a quem se sente politicamente mais próximo, hoje – o BE e a CDU. Costa, ao virar a página, rompendo com esse tal “arco da governabilidade”, mostrou uma capacidade de liderança que se lhe desconhecia, pelo menos desta dimensão e, atrever-me-ia a dizer, de estadista. Em vez de sucumbir, como teria feito Assis e os que estão do seu lado (como Maria de Belém, etc, Sérgio Sousa Pinto, etc, que preferem ajoelhar perante a Direita e os Mercados), aos apelos da Direita para lhe servir de muleta e viabilizar-lhes mais uns 4 anos de empobrecimento e injustiça social, preferiu cortar com essa “tradição” e iniciar outra, voltando-se para a Esquerda. Tivesse muito eleitor percebido essa sua vontade, durante o processo eleitoral, provavelmente o PS e A.Costa teriam obtido mais votos e hoje as coisas seriam diferentes e mais complicadadas para a Direita. Quanto ao que se viu hoje na A.R, foi vergonhoso, mas revelador do estado de espírito da Direita (de raiva incontida de saber que amanhã será apeada), ao ver e ouvir os seus representantes, sobretudo os líderes parlamentares do PSD e CDS. L.Montenegro resvalou mesmo para um nível que só o rebaixa (ou melhor, que o torna repugnante, utilizando a sua linguagem). A Direita vive momentos de desespero, de agonia, de choque e é incapaz de compreender o que se está a passar. No fundo, uma coisa simples, que uma criança é capaz de discernir num segundo: que, tendo-se ficado por uma maioria relativa e mantendo uma postura radical política-económica e social, não consegue, nesse sentido, acordos à sua esquerda e deste modo terá de ser oposição, passando a actual Oposição a governo, ao conseguir o que a Direita não consegue, um consenso político de governabilidade (por obra e graça da acção espantosa de António Costa, sublinhe-se uma vez mais). Passos, ao contrário do que acusa a Direita a Costa, quer, a todo o custo, manter-se no poder, continuar PM. Não vai consegui-lo. Para bem da maioria dos eleitores. Durante o debate de hoje, o Governo e depois os comentadores de Direita, não tiveram, por um momento sequer, uma preocupação de carácter social, sobre as desigualdades, etc. Coube à Oposição (e em breve governo, para bem da maioria dos portugueses) essa tarefa. Ao denunciar casos, atitudes, políticas, negócios sujos, traficâncias, injustiças, etc. Para a dupla Passos/Portas (com o apoio de Cavaco) não existem pessoas neste desgraçado país, mas apenas números. As suas preocupações são os Mercados, não são os contribuintes, os mais fragilizados socialmente, os desempregados e outras vítimas da política insensível e miserável que praticou. Nada disso importa. E ainda se deram ao trabalho de rir, perante aquelas acusações. Em resumo, este governo não passa de um bando de trastes, que merce ser corrido, e já, amanhã. Graças à iniciativa corajosa e histórica de António Costa.
P.Rufino

Pôr do Sol disse...

Cara Jeitinho,
Parabens por mais este post.
Há muito que esgotei a paciencia para ouvir as previsões de marques mendes. Actualizo-me aqui, que é bem mais lucido e divertido. Contudo lamento não ter ouvido e feito coro numa boa gargalhada quando na convicta antecipação o vidente anunciou que "assim entra um(ministro, a não ser que lhe tenha dado uma de Bordalo Pinheiro) e ficam dois de fora".
Vamos lá ver se a partir daqui estes fdp(fanáticos desta politica-leia-se) se atinam.
Beijinho