segunda-feira, julho 27, 2015

A bagunça, a harmonia e a beleza in heaven: retrato de um domingo tranquilo


Domingo tranquilo. Caminhada de manhã junto ao rio, almoço cedinho numa esplanada com larga vista e, logo de seguida, ala moço que se faz tarde para o campo.

Sempre tive o hábito de, antes de sair de casa, a deixar limpa e arrumada. Mas não há hábitos que sempre durem. Hoje, quando, in heaven, abri a porta e cheguei à sala só me apeteceu fechar os olhos e fazer de conta que não estava a ver o lindo panorama que se me deparava.




Mas, se não se importam, vamos com o passarinho.



Dizia eu: uma bagunça total, brinquedos por todo o lado. E, reparo agora vendo a fotografia acima, até uma das almofadas está suja, na volta algum acidente com algum iogurte. 

Pensei: como é possível uma barafunda destas? Mas logo me lembrei. A última vez em que lá tinha estado, tinha sido no dia dos meus anos, a casa cheia, almoço, lanche, meio mundo sempre a comer ou a beber, meio mundo a brincar, gente a entrar e a sair, um reboliço pegado. E, para nos virmos embora, foi aquele festival de sempre, um a querer chichi, outro a querer água, os sapatos de um desaparecidos, o boné de outro sabe-se lá onde, e reunir os pertences, e outro que também quer ir à casa de banho e outro que se esqueceu do carrinho e uns cá fora e outros nem se sabe onde e, no meio daquilo, a preocupação é que todos saiam de casa e que os que entram no carro sejam em igual número. E, no meio daquela logística complicada, há lá tempo de ficar a arrumar a casa...? Nem pensar! - até porque basta que haja uma pessoa dentro de casa para alguém mais ter motivo para lá voltar e lá se ensarilha, de novo, toda manobra de retirada.

Por isso, coração ao alto, fecha-se a porta -- e paciência para a desarrumação que fica para trás.




Hoje até uns sapatos de um deles lá apareceram. Ora, descalços não foram pelo que deve ter sido algum par suplente que ficou esquecido.

Dizia eu que cheguei e fiquei durante um instante em estado de estupor catatónico. Ia com vontade de me estender a ler e deixar-me ir pelo sono; mas como fechar os olhos a tanta desarrumação? Até folhas secas havia no chão. Devem ter entrado quando a porta esteve aberta e por lá ficaram a definhar.

Pois bem... Pensei: se me ponho com arrumações, lavagens e limpezas, nem à noite a casa está em condições, e chego ao fim do dia mais estafada do que no início do fim de semana. Então, mulher corajosa, virei costas à barafunda, peguei no meu livro, deitei-me noutro sofá e passados uns minutos estava a dormir o sono dos justos.

Quando acordei, a bagunça lá estava, quieta. Para não a ver, fui para a rua.

Matagal que deus o dá. Segui o mesmo salvifíco princípio da procrastinação e pensei: faço de conta que nem te vejo, ó mato, e logo trato de ti quando estivermos de férias.




Nasce erva por todo o lado, e eu, que gosto de tudo o que há por aqui, em vez de me pôr a mondar o que nasceu indevidamente, entretenho-me a fotografar.

Vejo os marmelos ainda pequenos, felpudos e dourados, vejo as diferentes tonalidades de verde, o milagre da natureza que renasce, e tudo sempre tão perfeito, tão belo, a um tempo tão efémero e tão perene.




E as amoras. Estava de saia, arranhei-me nas pernas, as silvas estendem as suas guias ariscas por todo o lado, e eu devia pôr umas calças ou desistir das amoras mas juízo não é o meu nome do meio.




Estão docinhas, crocantes, sumarentas. Ao jantar, juntei uma dúzia delas ao iogurte e mais umas sementes e nozes e soube-me que nem ginjas.

As uvas também prometem: é com cada cacho mais jeitoso. A videira trepa pela ameixeira e por outra árvore de que não sei o nome e há cachos pendurados por todo o lado. Não tarda estarão os bagos dourados e doces e, aí, será aquela velha luta que travo com os pássaros, eles a levarem-me sempre a melhor.

Mas não me importo muito: assim tenho-os sempre por lá, cantam, cantam, fazem ninhos, sentem-se em casa. Que comam, pois, as uvas, as ameixas, as maçãs, as nêsperas, os safados -- se, depois, me retribuírem em trinados felizes.. 




Depois fui para o banco de pedra que está num recanto abrigado, onde o sol, entre a sombra do pinheiro, me acaricia a pele. Ao fim da tarde, o sol está brando, a aragem sopra muito ao de leve, e eu ali estive a ler o meu livro, encantada, olhando o céu, as grandes árvores -- que, em tempos, plantámos e que regámos com carinho até que vingassem e se tornassem independentes dos nossos cuidados -- e ouvindo os pássaros. Pensei: este é um momento de pura felicidade.

É preciso tão pouco para eu sentir esta felicidade intensa, breve e intensa.




Depois, sempre com alguma nostalgia da minha parte, viemo-nos embora. Há quem diga que o que é bom pouco basta mas tão pouco a mim custa-me um bocado. Mas é o que é, o tempo não estica.

E, depois, ainda estivemos durante um bom bocado na esplanada de uma gelataria a deliciarmo-nos com um dos melhores gelados de Lisboa. Lambona como sou, bati-me com uma conchanata à maneira. O meu marido gozou comigo, que depois não me admirasse eu por estar tão pouco magrinha. Expliquei-lhe que, com aquilo, já ficava jantada. E, de facto, quase foi: tirando o iogurte e uma peça de fruta já cá em casa, não comi mais nada (pelo que talvez não engorde uns dez quilos à conta das quatro bolas de gelado com molho de morango com que me deliciei).

A seguir, cá em casa, já estive nas arrumações, já estive a fazer comida e a passar a ferro pelo que estou quase a dar a jornada por finalizada.

E aqui chegada, interrogo-me: mas isto que para aqui estive a escrever e estas fotografias terão interesse para alguém? Hoje ao almoço, numa outra mesa, toda a conversa girava em volta do facebook, do que um tinha posto, do que outra tinha dito, e do que o outro tinha comentado, e sei lá que mais, e eu e o meu marido estávamos divertidos com tanta parvoíce. Mas será que não é igual parvoíce eu estar para aqui com esta conversa toda? Na volta, é.

Olhem, meus Caros, se foi uma maçada para vocês lerem este relambório, as minhas desculpas - a sério - por tomar o vosso tempo com coisas que não interessam para nada. Isto é uma espécie de mania diarística, é o que é, mas é como se estivesse a fazer um diário a céu aberto. E isso, vendo bem as coisas, é um hábito meio sem jeito (acho eu).

...

2 comentários:

FIRME disse...

Esta do ROUXINOL...Fez-me 1 lagrimazinha .Adoro o CANTO/PIO,desta avezinha que se não deixa ver...Nas terras que meu PAI ,deixou á minha "guarda",há ninhos nos silvados...MAS vê-los? Não é fácil....AINDA BEM !

Rosa Pinto disse...

Depois de uma massada ao jantar... vim sem maçada ler!!!!