sexta-feira, julho 18, 2014

O BES, a PT, a destruição de valor e os misteriosos buracos negros por onde se esvaem as economias de pessoas e empresas. Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro e como poucos podem fazer tanto mal a tantos. A lei da selva. E a delicadeza dos portugueses.


No post abaixo já houve farra, piadas, graçolas e, mais abaixo ainda, já foi tempo para a conjugação de mentes brilhantes. Como se lê o blogue de cima para baixo, calha bem. Começam com um texto que é um verdadeiro teste de stress, depois poderão descomprimir e, finalmente, acabar em beleza.

Mas isso é a seguir.

Aqui, agora, a conversa é outra. BES outra vez. A perplexidade perante a ruína. 

Como podem tão poucas pessoas fazer tanto mal a tanta gente? Interrogo-me e indigno-me. E preocupo-me.


Ao som de Antony and the Johnsons - Epilepsy is dancing

(num vídeo especial cujas imagens são fantásticas)




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[Aviso: as imagens abaixo podem ser chocantes]

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Já antes aqui falei das castas que têm governado Portugal e, de certa forma, condicionado o seu livre desenvolvimento, já falei da fragilidade das elites que se enleiam umas nas outras em espúrios conluios, já falei na comunicação social que papagueia acefalamente que uns são os melhores, outros umas sumidades, outros uns grandes banqueiros, outros uns gestores de mão cheia. É o que temos.

Sabemos que os senhores das elites empresariais recebem escandalosos ordenados, chorudos bónus, sabemos que se sentem acima da carne seca, uns senhores do mundo. E sabemos que acham que o problema do país está nos salários mínimos que são altos e no subsídio de desemprego que o país não consegue pagar. Sabemos. Sabemos que a coisa funciona em várias camadas. Uns rodam entre empresas, ministérios, escritórios de advogados, outros rodam entre jornais, televisões, assessorias ministeriais. Sabemos que uns protegem os outros, que todos se repetem e louvam, sabemos que tantas vezes as mentiras ditas acabam por se tornar verdades. Sabemos como de vítimas aceitamos ser tomados por culpados. Sabemos. Mas como brandos são os nossos costumes, branda é também a nossa indignação. Somos hospitaleiros: acolhemos bem estrangeiros, corruptos, vendidos, palermas.

Digo isto mas, sendo portuguesa, digo-o sem grandes exaltações. Talvez isto seja uma virtude. Somos mediterrânicos, boas pessoas, sabemos que a vida é curta para ser desperdiçada com iras incómodas.

E, por isso, aceitamos que nos digam que os bancos são sólidos, que as empresas têm gestão exemplar e que as suas acções são um asset do mais seguro que há, aceitamos tudo sem questionar nada.

Por isso, de coração aberto vamos com as nossas mãos limpas entregar ao banco as economias de uma vida e aceitamos que nos aconselhem a investi-lo em acções do banco ou das empresas do Grupo, ou aceitamos aplicá-lo em acções da PT, uma das maiores empresas portuguesas, gerida pelos melhores gestores do país.

Somos assim, crédulos, inocentes, um bom povo. Talvez por isso, Juncker tenha tanto carinho pelos bons portugueses, pedreiros trabalhadores, porteiras e empregadas domésticas sérias. Talvez por isso, Angela Merkel acolha de braços abertos os bons portugueses que lhe chegam em fornadas, engenheiros, enfermeiros, gente trabalhadora, bem formada, um descanso.

Afinal, agora descobrimos que, uma vez mais, fomos enganados. 

A família Espírito Santo era afinal um grupo de maus gestores, gente pouco séria, gente arrogante que não parou um minuto durante os anos em que escondeu as más contas para se apiedar dos muitos milhares de pessoas que iriam sofrer com os seus actos. A PT onde imperam Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, gestores de excelência, que há anos administram uma empresa que é uma das poucas jóias da coroa portuguesa, um modelo de boa governance - tantos e tantos seminários com estes gestores e banqueiros de excelência - de repente vê o seu valor vir por aí abaixo, as acções a valerem muito menos e a posição portuguesa na fusão com a OI completamente enxovalhada. 


E tudo isto é uma vergonha, uma indecência. Quantas pessoas se vêem de repente sem quase nada quando uns dias antes tinham tanto? Quantas pessoas perdem as suas economias porque afinal os grandes gestores são maus gestores, os grandes banqueiros são maus banqueiros, os homens que julgávamos sérios são, afinal, incompetentes, negligentes ou gente pouco séria? Quantas empresas poderão agora enfrentar problemas de tesouraria quando antes tinham uma folga que as tranquilizava?

E, quando julgávamos que depois do Lehman, da crise do sub-prime, do BPN e do BPP, já todas as medidas regulatórias tinham sido tomadas para acautelar desgraças destas, eis que volta a acontecer. Contas auditadas, contas vistas e revistas, a CMVM, o BdP, a Troika, toda a gente. E os jornalistas especialistas na matérias. Tanto expert, tantos cross-checks, tantos stress tests. E, uma vez mais, ninguém deu por nada. Ou, se deram, calaram. O BES e a PT são grandes anunciantes e os meios de comunicação social vivem da publicidade. O BES era uma casa de alterne para políticos de pacotilha, um abrigo, uma rectaguarda (como lhes chamam). O BES e a PT são grandes clientes de auditorias, consultorias, pareceres jurídicos. Se alguém sabia, calou-se muito bem calado. As conveniências falaram mais alto.


Uma ou outra voz lá ciciou, mas, da forma como o relatavam, parecia sobretudo briga de família, comadres desavindas, guerras internas pelo poder, nada que afectasse a solidez das poupanças lá aplicadas.

E a indecência de uns, a incompetência de outros, a cobardia ou mera tibieza de outros tantos está a dar nisto.

Os milhares de trabalhadores do Grupo num sufoco, as empresas da área da hotelaria, da saúde, das viagens, tantas, com receio de insolvência, a serem apressadamente postas à venda - e sê-lo-ão e sabe-se lá a quem, se a angolanos, chineses ou incertos. Um dos maiores, se não o maior, grupo económico português mergulhado na lama. E quantos postos de trabalho se perderão no meio disto?

E as economias de particulares, quem algum dia as restituirá?

E as empresas clientes que estão numa aflição com receio de não reaverem o dinheiro que aplicaram em papel comercial que julgavam estar lá seguríssimo? 

Quem algum dia poderá pagar por mais um abanão tão forte numa economia tão vergastada?

Podem Henrique Granadeiro, Ricardo Salgado ou outros andar já com os telefones sob escuta, podem até vir um dia a sentar-se nos bancos dos tribunais com grandes escritórios de advogados em sua defesa, poderão andar anos e anos de recurso em recurso, poderão ver-se constrangidos a ter que ir viver para um outro país, ou até, quem sabe?, um ou outro acabar a fazer companhia a Vale e Azevedo. Mas isso será nada quando comparado com o prejuízo brutal que já causaram e vão ainda causar mais ao País e aos Portugueses.


Sobre mais de um milhão de portugueses sem trabalho, sobre milhares de pessoas que têm ordenados penhorados ou perderam as casas, sobre os reformados que viram as suas pensões cortadas, sobre mulheres grávidas que chegam às consultas com fome e que, depois, deixam os filhos no hospital por não terem como alimentá-los, eis que chegou agora mais esta hecatombe e uma vez nascida no sector financeiro, um sector habitado por abutres que não se saciam com a carniça ainda quente que vão devorando.


Mas aguentaremos. Daqui por pouco tempo perdoar-lhes-emos. Se escreverem livros, serão best sellers e todas as televisões os entrevistarão. Se responderem com uma lágrima no canto do olho, soltaremos uma lágrima por eles, o nosso coração encher-se-á de compaixão por eles, para com aqueles que nos empobreceram, que desgraçaram as nossas vidas. Somos assim. Os angolanos e chineses que vierem governar este nosso triste reino terão muita sorte, povo mais dócil não há. Se necessário for deixar-nos-emos matar, talvez mesmo apenas por delicadeza.


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Como o banco Lehman Brothers colapsou


(ou como ninguém aprende nada com os erros mesmo que de um passado tão recente)





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O mundo de vez em quando enlouquece. Abatem-se aviões de companhias comerciais, Israel entra de novo em guerra. E a Síria: desfeita enquanto o outro toma posse como se nada se passasse. E pedófilos aos milhares, fazem rusgas e apanham-nos à mão cheia como se de uma praga maligna se tratasse, e abusos sexuais sobre crianças em instituições que eram tidas por exemplares. E Portugal que, depois de retroceder social e economicamente vários anos, se vê de novo a braços com uma tremenda ameaça. Não sei se aconteceu por aí alguma coisa boa mas, assim de repente, não me estou a lembrar de nada. Contente, contente acho que só vi o Tozé Seguro quase a ser devorado por mulheres que o estreitam avidamente nos braços e o abraçam e afagam como se não houvesse amanhã. De resto, parece que o mundo foi invadido por um inquietante sopro de maldade e terror.

Mas, a seguir à tempestade, virá a bonança. Sempre vem.

E, por isso, já chega de agruras. 

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Relembro: no post a seguir há diversão e desfazem-se 10 mitos sobre o vinho e, mais abaixo ainda, há belas palavras, belas imagens, bela música.

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Despeço-me aqui que estou cansada, é tarde.

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo POETS day e que esta sexta feira nos traga notícias mais animadoras a todos os níveis.

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3 comentários:

Anónimo disse...

Olá UJM,

Estes seus posts sobre o BES têm sido excelentes. Tenho gostado muito de lê-los.
Acho graça ter falado agora nos brandos costumes dos portugueses e na forma como eles reagem a situações destas. Ninguém vai pedir a cabeça a ninguém (gosto particularmente desta expressão :)).
Não acho que sejamos delicados, dóceis, amigáveis. Acho que somos invejosos, metidos para dentro, mesquinhos e cobardes. Haja ou não razão, passamos a vida a queixarmo-nos e dizemos o mesmo de Passos Coelho, Ricardo Salgado, Valentim Loureiro, Sócrates ou Vale e Azevedo: "é tudo a mesma coisa". Não admira que não nos indignemos com aquilo com que nos deveríamos indignar.
Sim, somos mesquinhos e invejosos. Lembro-me bem de ver crianças na escola serem gozadas por as calças serem demasiado curtas (tinham crescido e os pais ainda não tinham podido comprar umas novas). Não suporto a troça burguesa das classes médias incultas contra os mais pobres. Havia um rapazinho que vivia com o pai, artista, que ora tinha trabalho, ora não tinha, e o miúdo de vez em quando passava fome. Um dia, estava muito amarelo na aula e a professora (estava quase reformada e o marido era professor no Técnico, a filha já era grande, médica) perguntou-lhe se ele estava bem. E ele era muito tímido e costumava dizer sempre que estava ótimo, mas daquela vez estava tão mal que lá disse "não tomei o pequeno almoço". A professora o que fez? Pôs um ar indignado: "então não tomaste o pequeno-almoço?! Sabes que tens de tomar o pequeno-almoço, não admira que estejas com esse ar! Mania dos miúdos hoje em dia saírem de casa sem comer nada!". Fingiu que não percebeu. Gente desumana que fecha os olhos àquilo que lhe causa incómodo.
Regozijo-me com a desgraça que cai sobre esses tipos que andavam todos emproados, gestores de meia tigela de empresas médias, que agora não podem ir no natal de férias para a neve nas suas serras europeias favoritas, têm de ir às espanholas, mais pertinho, que pena. E mesmo com a desgraça daqueles que perderam tudo com a falência das suas empresas, por causa de vigarices como esta do GES, (inclusive se perderem a família que se terá desmoronado com os problemas financeiros), que antes andavam por aí armados em espertos, que nada os afetava, que eram contra as Novas Oportunidades, que estavam acima da crise, que tinham poupanças. Tinham poupanças, mas se o banco onde as tinham não lhas puder devolver, deixam de as ter. Injusto? Não. Pela simples razão de que achavam de que não corriam perigo, que estavam a salvo acontecesse o que acontecesse com o país e com o resto da populaça. Mas estavam enganados: pode haver uma revolução, uma guerra, um escândalo financeiro que lhes vire a vida do avesso. É justo que aprendam essa lição. E que sofram. E talvez as pessoas fiquem mais humildes, mais solidárias.
JV

Anónimo disse...

Estas imagens dos predadores e aves de rapina são de um simbolismo extraordinário! O ar do leão, indiferente, enquanto come a presa, da ave de rapina e estripar a vítima, devorando-a, do crocodilo aguardando uma inadvertida presa, para a devorar e, de seguida, aqueles dois figurões, o bandido do Salgado, “predador-mor-do-reino”, e o seu “compincha” da PT nesta promiscuidade e tragédia financeira, que decidiu tentar reanimar o doente com uma “pequena” transfusão “de sangue financeiro” (c/900 milhões!) sem autorização “da administração hospitalar”, ou seja, da PT. Enquanto ninguém lhes pede responsabilidades, nem mesmo, “so far”, a Justiça – e há muito por responsabilizar! – o resto da malta, o povo, trabalha duro para pagar a crise, todos os dias faz contas de diminuir à vida, lá vai para o trabalho, a maioria na confusão dos transportes públicos (ou publico/privados!), vê-se e deseja-se para conseguir pagar a casa, etc. Se fosse PM, uma das medidas que tomava era obrigar o BES a prescindir de todos os créditos que tem sobre as pessoas singulares que contraíram empréstimos junto do banco para comprar casa. Uma espécie de amnistia bancária (forçada) sobre esses clientes devedores. Bem vistas as coisas, qual a moral do banco em continuar a exigir esse pagamento, se o mesmo banco, de forma consciente e continuada, se descapitalizou e endividou, durante anos, para satisfazer os interesses privados e pessoais da corja dos Espirito Santo? Outra coisa que me começa a assustar, embora seja esperada, são as declarações do governo e do PM (e até da Albuquerque): primeiro, em tom “irrevogável”, veem-nos dizer que o governo não irá interferir, que assuntos privados são privados, que os contribuintes podem ter os bolsos descansados; depois, ontem, já mudam um pouco o discurso, “que, só em última instância” é que o governo irá interferir; e um dia destes, está um tipo na praia (ou no campo a ouvir os passarinhos) e quando se apercebe, o governo decidiu intervir, numa de “teve de ser, não se podia correr o risco de pôr o nosso sistema financeiro em risco” e a partir daí é como se os bolsos das nossas calças se assemelhassem à baliza dos brasileiros, no tal 7-1, um passadouro. Estaremos feitos ao bife! E no Natal: pão e água! Hoje, de manhã, ouvi umas declarações do justiceiro Rui Rio, a clamar Justiça e a criticar a falta de atenção dela para esta situação do BES. Concordei com o homem. E assim vai o BES, a nossa podre política, os grandes interesses - e do outro lado o povo. É o país a beira-mar plantado que nos saiu na rifa! Bom Post!
P.Rufino

Vitor Gomes Freire disse...

Dois valorosos, objectivos e assertivos " post´s" ( ontem e hoje) sobre a desgraça que é o caso BES !
Brilhantes, estimada UJM !
Ao que este pobre País chegou . . . por mão de tão " honorabílissima ". . . " gentalha" !
Para quando um " palavrinha" da PGR ou do MP ? . . . Resta a exaltação e a indignação . . .
Melhores Cumprimentos
Vitor