quinta-feira, janeiro 23, 2014

O DIA EM QUE ACABOU A CRISE por Concha Caballero - um outro grande artigo que merece uma leitura atenta e cujo subtítulo é "Quando terminar a recessão teremos perdido 30 anos de direitos e salários". Ah pois é...!


No post abaixo alerto para as encenações levadas a cabo por gente sem escrúpulos que é acobertada por uma comunicação social sempre pronta a papaguear o que lhes é dito para dizerem e por uma oposição dormente, sem acção. Em causa o défice de 2013. Mostro o que estava escrito no Memorando da Troika para se perceber como para aqui andamos a ser usados e abusados por gente que não nos respeita como pessoas pelo que, naturalmente, muito menos respeita a nossa inteligência.

Mas isso é a seguir.

Aqui, agora, transcrevo um artigo escrito no início de 2013 no El Pais Andalucia e que pode também ser visto no blogue da própria Concha Caballero

É um artigo extraordinário. Ajusta-se como uma luva de pelica à realidade portuguesa tal como, certamente se ajustará à grega, à irlandesa, à italiana. Há um padrão. A receita é a mesma, os beneficiados os mesmos, as vítimas também as mesmas. Este embuste de que somos vítimas percorreu como uma epidemia os países mais frágeis, com regimes políticos mais permissivos.

Transcrevo a tradução do referido artigo que um Leitor, a quem muito agradeço, me enviou. Trata-se de um texto não inédito na blogosfera mas, pela sua pertinência e pela justeza da sua análise, é com todo o gosto que aqui o publico.




O DIA EM QUE ACABOU A CRISE


Quando terminar a recessão teremos perdido 30 anos de direitos e salários



Um dia no ano 2014 vamos acordar e vão anunciar-nos que a crise terminou. Correrão rios de tinta escrita com as nossas dores, celebrarão o fim do pesadelo, vão fazer-nos crer que o perigo passou embora nos advirtam que continua a haver sintomas de debilidade e que é necessário ser muito prudente para evitar recaídas. Conseguirão que respiremos aliviados, que celebremos o acontecimento, que dispamos a atitude critica contra os poderes e prometerão que, pouco a pouco, a tranquilidade voltará à nossas vidas.

Um dia no ano 2014, a crise terminará oficialmente e ficaremos com cara de tolos agradecidos, darão por boas as politicas de ajuste e voltarão a dar corda ao carrocel da economia. Obviamente a crise ecológica, a crise da distribuição desigual, a crise da impossibilidade de crescimento infinito permanecerá intacta mas essa ameaça nunca foi publicada nem difundida e os que de verdade dominam o mundo terão posto um ponto final a esta crise fraudulenta (metade realidade, metade ficção), cuja origem é difícil de decifrar mas cujos objectivos foram claros e contundentes: fazer-nos retroceder 30 anos em direitos e em salários.

Um dia no ano 2014, quando os salários tiverem descido a níveis terceiro-mundistas; quando o trabalho for tão barato que deixe de ser o factor determinante do produto; quando tiverem feito ajoelhar todas as profissões para que os seus saberes caibam numa folha de pagamento miserável; quando tiverem amestrado a juventude na arte de trabalhar quase de graça; quando dispuserem de uma reserva de uns milhões de pessoas desempregadas dispostas a ser polivalentes, descartáveis e maleáveis para fugir ao inferno do desespero, então a crise terá terminado.

Um dia do ano 2014, quando os alunos chegarem às aulas e se tenha conseguido expulsar do sistema educativo 30% dos estudantes sem deixar rastro visível da façanha; quando a saúde se compre e não se ofereça; quando o estado da nossa saúde se pareça com o da nossa conta bancária; quando nos cobrarem por cada serviço, por cada direito, por cada benefício; quando as pensões forem tardias e raquíticas; quando nos convençam que necessitamos de seguros privados para garantir as nossas vidas, então terá acabado a crise.

Um dia do ano 2014, quando tiverem conseguido nivelar por baixo todos e toda a estrutura social (excepto a cúpula posta cuidadosamente a salvo em cada sector), pisemos os charcos da escassez ou sintamos o respirar do medo nas nossas costas; quando nos tivermos cansado de nos confrontarmos uns aos outros e se tenham destruído todas as pontes de solidariedade, então anunciarão que a crise terminou.

Nunca em tão pouco tempo se conseguiu tanto. Somente cinco anos bastaram para reduzir a cinzas direitos que demoraram séculos a ser conquistados e a estenderem-se. Uma devastação tão brutal da paisagem social só se tinha conseguido na Europa através da guerra.

Ainda que, pensando bem, também neste caso foi o inimigo que ditou as regras, a duração dos combates, a estratégia a seguir e as condições do armistício.

Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise, mas como sairemos dela. O seu grande triunfo será não só fazer-nos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados já que sem estes últimos ingredientes o terreno que tão facilmente ganharam entraria novamente em disputa.

Neste momento puseram o relógio da história a andar para trás e ganharam 30 anos para os seus interesses. Agora faltam os últimos retoques ao novo marco social: Um pouco mais de privatizações por aqui, um pouco menos de gasto público por ali e voilà”: a sua obra estará concluída.

Quando o calendário marque um qualquer dia do ano 2014, mas as nossas vidas tiverem retrocedido até finais dos anos setenta, decretarão o fim da crise e escutaremos na rádio as condições da nossa rendição.




* * *

  • A primeira fotografia é a que Concha Caballero escolheu para acompanhar este texto no seu blogue, e é uma fotografia de um editorial Givenchy. 
As outras três escolhi-as eu.
  • A segunda é um editorial para a Louis Vuitton
  • A terceira é para a Givenchy e é dos fotógrafos Keith Au And Desmond Cheung
  • A última é da autoria da dupla de fotógrafos Mert and Marcus para o perfume Dahlia Noir


***

Sobre uma das várias formas como o embuste vai tendo lugar, desçam por favor até ao post abaixo. Em Portugal, como em Espanha e em todos os países em que a devastação está a ter lugar, as mentiras são muitas e permanentes. Mostro o primeiro ponto do Memorando assinado com a Troika para que se veja em nome de quê tudo isto tem estado a acontecer - e como esse objectivo falhou. Esse e todos os outros. E falharam esses objectivos porque esses eram a capa, o engodo para que caíssemos no embuste, não os verdadeiros objectivos. 


4 comentários:

JOAQUIM CASTILHO disse...

Olá UJM

EXCELENTE!!!!!

um abraço

Anónimo disse...

Palavras que nos deixam a alma no chão! O futuro é profundamente preocupante. Mas, muitos de nós, sobretudo os mais jovens, serão coniventes com esses futuro próximo, por nada fazerem, por serem parte activa, participante, passiva do que aí vem. Por não quererem ter consciência política,por querem apenas dinheiro e emprego, por nada mais lhes interessar.
Somos governados por bestas, monstros em sentimentos, gente gananciosa, desprovida de um pingo de sentimentos sociais, gente aliada ao pior do Capital.
E, mais grave, não se vê aguêm capaz de alterar este estado de coisas, esta situação em que nos encontraremos, em breve.
Este país e esta Europa fazem-me arrepios!
P.Rufino

Anónimo disse...

depois de 6 horas de jogo, ouvir discursos, por amor de Deus, só no fim é que deram cadeiras - http://www.youtube.com/watch?v=HhCzXwdUs_U

jrd disse...

Um artigo notável e imperdivel.
No que nos diz respeito, há mesmo o perigo de recuarmos mais de 40 anos, em todos os aspectos...