segunda-feira, janeiro 06, 2014

Ceteris Paribus




Escreve um Leitor num comentário ao post abaixo que a economia é o raio de uma disciplina do saber em que frequentemente a teoria se explica recorrendo à condição Ceteris Paribus (ou seja, se o resto dos factores se mantiver inalterável). Tem razão o Leitor ao achar estapafúrdio esse pressuposto pois, de facto, havendo ignorância, leviandade ou desatenção, é isso que geralmente leva aos grandes descalabros. 


Ceteris paribus é, na prática, uma manifestação de whisful thinking em relação ao que nos rodeia (uma coisa de tipo: deixem-se estar sossegadinhos e não venham, para aqui, dar cabo do nosso maravilhoso excel).


Vítor Gaspar (e Passos Coelho e demais inteligentes por arrasto) caíram nessa quando resolveram aplicar as medidas de austeridade sem as condimentarem com medidas de desenvolvimento e, ainda por cima, aplicando-as em dose reforçada. Esqueceram-se que as medidas iniciais produziriam efeitos se nenhum outro factor se alterasse. Ou seja, esqueceram-se que, só o facto de as aplicarem, produziria efeitos secundários tanto mais dramáticos quanto mais eles carregassem na dose.

Ou seja, esqueceram-se que retirando dinheiro de circulação (absorvendo-o directamente na origem, através da carga fiscal), a economia vacilaria e, com ela, os postos de trabalho e que, de seguida, haveria mais subsídios a pagar e menos gente a efectuar descontos para impostos e que, portanto, a receita mágica seria um fiasco.

Para tentarem acautelar esses efeitos, nos tão falados modelos de excel, usaram uns parâmetros de impacto mas, como o FMI veio depois a reconhecer, o efeito recessivo da austeridade era bem pior do que esses parâmetros teóricos previam.

Antes disso, sendo quase todos eles gente formatada para não pensar, formatada apenas para aplicar modelos, não perceberam o que estava a acontecer. Todos, desde o Vítor Gaspar aos da Troika, vieram confessar a sua surpresa pelo desemprego que estava a disparar muito para além do valor teórico expectável.

O que, de facto, aconteceu foi que admitiram que a maioria dos aspectos colaterais se manteriam iguais e, mesmo quando a evidência mostrava o oposto, não conseguiram reagir, alterando a porcaria dos modelos.

Mais tarde, ao demitir-se, Vítor Gaspar viria a reconhecer que tinha falhado em toda a linha mas os seus discípulos, mais burros que ele, ainda não perceberam e continuam a usar a mesma cartilha furada.

O mundo real é complexo e múltiplo e funciona de forma sistémica. É difícil criar modelos matemáticos ou ecométricos que contemplem todas as variáveis envolvidas no funcionamento do mundo real. Contudo, para terem alguma aderência à realidade, deve ao máximo evitar-se fazer modelos que tenham em linha de conta pouco mais do que os factores que, directamente, são objecto de alteração pois os modelos simplistas falharão de certeza absoluta.

Há factores dificilmente previsíveis e que, portanto, é natural que fiquem fora dos modelos, admitindo-se, por facilidade de análise, que são neutros em relação à evolução dos restantes. Dou um exemplo: os aspectos climatéricos. Se durante um ano inteiro houver chuvas anormais, vendavais, toda a espécie de intempéries que arrasem a agricultura, que impeçam as pescas, que impeçam os transportes, que causem estragos de toda a ordem, que impossibilitem que as pessoas vão trabalhar num número avultado de dias, isso dará cabo de todas as previsões. Mas, admitindo que mais chuvas, menos secas, mais coisa, menos coisa, será igual ao de sempre, não se entra em consideração com o clima até porque nada do que se faça a outro nível tem, no curto prazo, efeito sobre o clima. Mas todos os factores que interagem entre si, directa ou indirectamente, deverão fazer parte de um modelo para que ele tenha hipótese de ser minimamente fiável.

Se, se fazem modelos para aspectos tão críticos como o aumento de impostos, o corte das pensões ou o corte de ordenados apenas com um alqueire mal medido de variáveis e, por simplificação, se consideram constantes outras que deveriam ser variáveis é, pois, muito provável que os resultados sejam um colossal disparate.

Se, além disso, quem usa esses modelos é burro ou ignorante, então é mais do que certo que não perceberá quando o modelo falhar e, em vez de o corrigir (ou calibrar...), persistirá no erro, achando que os que o criticam gostam é de maledicência.

Em qualquer profissão, a intuição e o golpe de asa são tão ou mais importantes do que ser-se estudante aplicado, marrãozinho acrítico. Se, ao pôr em prática uma certa reforma, se vier a constatar que ela não está a produzir os efeitos desejados, há que retirar ilações. Pode acontecer que a reforma tenha sido mal estudada, esteja assente em modelos incompletos ou errados. E há que perceber o que deve ser alterado ou corrigido - e fazê-lo com urgência (pois é a qualidade de vida das pessoas que está em causa).

Mas qualquer destas alterações requer estudo, requer que, antes de ser posta em prática, se proceda a análises de sensibilidade, se efectuem simulações aplicando-a, por exemplo, a dados históricos para se validar como se teria comportado em situações reais, etc. Por isso, costumo afirmar sempre com tanta certeza que medidas paridas em cima do joelho, em reuniões plenárias de conselho de ministros, com cada um a dar palpites, só podem dar asneira. Só por milagre dariam certo. Uma pessoa escreve uma chave do euromilhões ao calhas e, na melhor das hipóteses, acerta uma vez na vida. O que esta gente do governo, que vai inventando medidas avulsas como quem cospe para o ar ou como quem vai ao quiosque preencher um boletim do euromilhões, revela de forma inquestionável é que não sabe o que anda a fazer. Não sabe mesmo. E, claro, quem se lixa é o mexilhão.

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O conceito Ceteris Paribus explicado a donas de casa




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E obrigada ao Leitor que tão oportunamente invocou este conceito.


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