quarta-feira, julho 24, 2013

Sobre alguns dos meus vizinhos de hotel. Três casais: um francês, um português e um inglês. Todos iguais mas alguns mais iguais que outros. Se é que me entendem.


No post abaixo falo da generosa crítica, no caderno Actual do Expresso do último sábado, de Pedro Mexia sobre um livro de Rogério Casanova. Seres de escrita muito díspar, seres igualmente díspares na conduta (um expõe-se até mais não poder mas é contido na escrita, enquanto outro se esconde atrás de pseudónimos apesar de ser exibicionista no que escreve), verifico que Casanova desperta em Mexia uma simpatia que lhe retira clarividência. Mas isso é a seguir.

*

Aqui, agora, cumpro uma promessa. Há dias que vinha dizendo que vos queria falar de algumas das minhas vizinhas de hotel.

É hoje.

Não tenho fotografias das pessoas de que vou falar. Por muita vontade que tenha tido de as fotografar, contive-me. Mas como o tema se refere a casais, e para isto não ficar excessivamente maçador de tão longo que é, mostro-vos fotografias que fiz na praia a outros casais. Não têm nada a ver com o texto, não se deixem influenciar por elas, estão aqui mesmo só para vos trazer um ar de praia e um ambiente de acasalamento, que é como quem diz.

Vou restringir-me a três casais e deixo o filet mignon para o fim. 

Mas, primeiro, deixem-me referir um aspecto para se perceber melhor o que vou referir a seguir. O hotel é no meio da cidade. Optámos por este hotel porque resolvemos reduzir a utilização do carro ao mínimo (apenas o usamos quando vamos ao Castelejo). De resto, não temos paciência para andar metidos no trânsito, à procura de lugar para estacionar. Já nos basta o ano inteiro desse calvário em Lisboa. Este hotel tem um grande parque arborizado, onde o carro pode estar à sombra, e, imagine-se, é um parque gratuito. E tem outra graça: tem um autocarro que a toda a hora vai e vem para a praia, que fica a uns 10 minutos, e onde há uma zona de chapéus de sol e espreguiçadeiras, com apoio de bar e acesso a piscina e duche, exclusiva para os hóspedes do hotel. Há muito tempo que não andávamos de autocarro e não nos queixamos da experiência: é do mais prático que há.

Então, agora, prestada esta explicação, adiante.




1. O primeiro casal é francês, tipicamente francês. Ela de cabelo bem curto, elegantemente vestida. Ele vagamente ennuyé, sempre com um livro.

Terão uns 50 e tal. Contudo ela é uma fumadora tão compulsiva que a sua capacidade respiratória já está francamente afectada. Já arqueia os ombros numa atitude defensiva pois sabe que se tentar encher o peito de ar vai desatar a tossir; aliás, isso acontece mal fala um pouco mais. Faz impressão. A todo o momento ela levanta-se e vai para o local dos fumadores. Outras vezes ela fala em tom aborrecido, parece recriminá-lo ou, então, falar com desagrado de algo que a incomoda. Ele mantém-se impassível, é como se fosse assim desde sempre, é como se nem a ouvisse, geralmente continua a ler. Ela fala, tosse, levanta-se, vai fumar, regressa e ele imperturbável, lendo, tranquilo. Depois levantam-se, franceses, ele ar intelectual, ela ar angustiado mas o mesmo passo, alinhados, unidos. 




2. O segundo casal é português, um dos poucos casais portugueses. Identicamente à volta dos 50. O marido também sempre calado, também sempre com um livro, ela o oposto. Encontramo-los geralmente no autocarro e na praia pois fazem um horário quase coincidente com o nosso na parte da tarde. 

Ela tem mudado de bikini todos os dias. Não consigo perceber que colecção de bikinis é aquela que parece não ter fim. Se o refiro, o meu marido responde-me, tens é inveja. Por isso já não digo nada. Se lê, lê revistas, Caras, Lux, Vip, por aí. Ele não, ele lê livros de grande porte. Mal chegam, ele despe o pólo, deita-se, começa a ler. Ela besunta-se criteriosamente, põe óculos, tira óculos, põe o chapéu, ajeita o chapéu, ajeita-se toda ela e depois põe-se ao telefone. Fala de tal maneira que, apesar de não estarmos ao lado deles, não podemos deixar de a ouvir. Aliás, no autocarro, vai também ao telemóvel. Fala com amigas ou colegas. As palavras estão sempre no diminutivo. Deixou os dossierzinhos lá na estantezinha, alguns no cantinho, outros num montinho, tirou umas copiazinhas, e então, já saíu a reestruturação?, vamos lá a ver se a equipazinha fica boa, há-de ficar, e o Dr. Fernando o que tem dito?, ah sim, o Dr. Fernando agora também vai entrar de férias, e o Dr. Fernando para aqui, e o Dr. Fernando para ali e as feriazinhas estão a ser boas, o hotelzinho é muito bom, e a água está boazinha e o pior é o fresquinho à noite. O tempo todo nisto, e o Dr. Fernando sempre no meio da conversa. Ao lado, o marido nem pia, lê tranquilamente. Nunca ouvi a voz dele. Quando entramos no autocarro, já lá estão. O meu marido diz-me em voz baixa: o Dr. Fernando e a tua amiga chegam sempre cedo.




3. O terceiro casal é o meu preferido. São ingleses. A idade talvez também seja a dos outros, 50, talvez 40 e picos, não sei bem. Encontramo-los ao pequeno-almoço e já os vimos no autocarro e na praia. 

O elemento masculino do casal tem ar de ser um possante camionista TIR. É enorme, forte, ombros largos, braços grossos. Usa uns calções pretos de tipo lycra pelo meio da coxa que também é grossa, e uma tshirt fechada, sem decote, e sem mangas. Não de alças, mas com ombros. Os grandes braços, bem à vista, são obra. As tshirts geralmente dizem England em letras garrafais ou têm a bandeira ou motivos assim. Usa o cabelo muito curto, de tão curto quase se espeta, mas vê-se que lhe põe gel para o baixar ou então é ainda o cabelo molhado do banho, não sei.

O elemento feminino é o oposto. Muito mais baixa, loura, cabelo solto pelo ombro, brincos de argola, blusinhas coloridas, muito decotadas, de alças. Mas gordinha, gordinha. Como se fosse uma sucessão de pneus, os pneus começam logo abaixo do pescoço e vão até aos pés. Contudo, despreocupada em relação a isso. Usa umas saias tão curtas, tão curtas, que ao princípio me pareciam shorts. Mas não: são umas sainhas curtas, mal tapam as cuecas, com as blusinhas por fora da saia, perninha gorda, gorda, bracinhos gordos, toda ela gordinha, louríssima, sorridente e muito feminina (e agora, com estes diminutivos todos, já pareço a minha amiguinha).

Um casal apaixonado, este casal inglês. Ao pequeno almoço ele vai buscar-lhe chá, se ela quer sumo ele vai buscar, se ela quer mais bolo ele vai buscar-lhe mais bolo. E deve dizer-lhe piadas maliciosas pois vejo o ar malandro, o sorriso maroto, e vejo como a loura se desata a rir, cúmplice, derretida, e vejo como ele fica contente por a sua malícia surtir tão evidente efeito. Dá ideia que ele está sempre a recordar-lhe peripécias da noite passada ou a sugerir-lhe malandrices para a próxima noite e que ela alinha na sem-vergonhice. Dá gosto olhar para eles.

Quando eu saio do autocarro, ou a amiga do dr. Fernando, ou qualquer outra, os maridos ou namorados deixam-nos sair à frente. Ele não. Sai ele à frente e fica do lado de fora à espera que a louríssima desça e, então, gentleman, estende-lhe o braço para ela, ao descer, se apoiar. Ela derretida, no último degrau, joga a mãozinha gorda ao possante braço e desce do estribo como uma gentil e frágil lady. E sorriem, apaixonadíssimos, e lá vão, conversando, rindo.

Digo ao meu marido que ele devia pôr os olhos naquele fantástico cavalheiro, todo ele cortesias e gentilezas. Até que o meu marido, um dia, ar malicioso, me responde: Tens a certeza...? Depois, como eu não percebo aquele sorrisinho, aponta com o queixo. Vejo então, perplexa, que o camionista tem o atilho do bikini a sair-lhe da tshirt. Não quero acreditar. Não perco de vista o casal. Chegam à praia e confirma-se: o camionista, afinal, é uma mulher. Os seios são pequenos e quase se esbatem naquele corpanzil imenso mas não há dúvida. Tem corpo de homem mas está de bikini. Nos dias seguintes volto a confirmar, incrédula: é mesmo uma mulher. A voz é grave mas é uma voz de mulher. Um casal apaixonado, a loura sempre derretida, a grandona sempre igualmente derretida. Mas tão máscula é a grandona que a loura quase nem deve sentir que é lésbica.

Mas não é por este pequeno pormenor que mudo a minha opinião: um casal apaixonado que dá gosto ver.


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E fico-me por aqui que já são 3 da manhã. Sou uma indisciplinada, credo. Relembro que se quiserem saber a minha leiga e destemperada opinião sobre o Rogério Casanova e sobre a crítica literária do Pedro Mexia sobre o último livro que colige os trabalhos do primeiro durante quatro anos, é descerem até ao post seguinte.


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Desejo-vos, meus caros leitores, uma quarta feira muito feliz.

2 comentários:

Isabel disse...

Um post curioso e engraçado, que me fez rir.
A UJM é boa observadora.
Mas este post não nos dá uma visão lá muito simpática das mulheres...

Continuação de boas férias
Um beijinho

Traçados sobre nós disse...

Cara UJM:

Votos de continuação de boas férias!

Daqui partindo, divagando, chegando assim ao poema/texto de hoje lá do blog que aqui partilho (em primeira versão):

Assim, cruamente…

Há pessoas assim,
Casais assim,
Povos assim…

Por detrás de um virilão,
De uma ceia rendada de vela,
De uma batalha emoldurada,
Nada…

Um sexo descoberto na praia,
Uma luz apagada,
Uma jantarada apalaçada que oiro paga,
Um tudo-nada
E tudo nuamente se revela
Friamente em nada,
Assim…

Assim, cruamente…

Évora, 2013-07-24

José Rodrigues Dias