segunda-feira, junho 25, 2012

Eu, no alto da minha torre, rodeada de azul, recebendo a visita das gaivotas


Música, por favor

Heitor Villa-Lobos, 5ª Bachiana Brasileira - Amel Brahim Djelloul, soprano e Gautier Capuçon, violoncelo

*

Impedida que, neste momento, estou de sair de passeio dando largas ao meu lado de gata vadia que gosta de andar pelas margens do rio, olhando as larguezas e os navios que passam, ouvindo o lancinante  lamento das correntes dos barcos atracados, aspirando a maresia cheirosa e fresca, levanto-me de vez em quando para, da janela, olhar o grande espaço que se desdobra perante mim.

Podia já estar habituada a tanta beleza mas não estou. 

Abro a janela, sinto o ar do exterior e olho a toda a volta. Se o céu está limpo, os horizontes expandem-se e o meu olhar vai até muito longe.

Como posso eu alguma vez prender-me a minudências se o meu olhar está habituado a ver longe, tão longe?

Ontem eu estava encantada porque o rio estava provocantemente azul, porque o céu reflectia o rio.






A rive gauche e, no rio, azul, azul, um veleiro tão elegante, tão belo, com umas velas tão brancas.
E reparem no pequeno ponto escuro no canto superior esquerdo



Gosto de ver os veleiros, gosto de ver como as velas se arqueiam, se dobram e desdobram e se enchem de vento. Quando o vento está de feição, num instante os veleiros atravessam o rio, atravessam prédios e eu, se estou com a máquina a fotografar, tenho que esperar que saiam de trás dos telhados e apareçam de novo, garbosos, ligeiros.






Um outro veleiro se junta ao primeiro e ao fundo há outros pequenos veleiros brancos e há as serras,
subtis, esbatendo-se para não roubar protagonismo ao Tejo, destacando-se a de Palmela



Por vezes passam navios de passageiros e deixam um rasto de espuma branca. À pressa, fotografo esses rastos efémeros que atravessam o rio. As velas brancas, as casas brancas do lado de lá e os rastos brancos são breves pontos de luz que brilham neste vasto espaço azul.

Logo a seguir passam três apressadas figurinhas, três graças, três senhoritas atrasadas para a missa.






Com que pressa atravessaram estes barcos o Tejo, alinhados e eficientes, indiferentes à beleza  da paisagem



São os pequenos rebocadores que ajudam a acostagem e as manobras dos grandes navios. Estes já tinham cumprido a sua missão, estavam de regresso a casa e assim percebi a pressa que levavam.

Olhei então na direcção do Barreiro e do Lavradio. Onde antes havia fábricas, chaminés mostrando a laboração, há agora armazéns, centros comerciais, casas. Subsiste apenas uma ou outra unidade que ainda resiste teimosa. Mas nada, nada que se compare à actividade de anos atrás. Ali funcionava o núcleo histórico da indústria portuguesa, o núcleo duro da cintura industrial.






Grande cargueiro, certamente à espera de vez para acostar. Por trás a zona anteriormente industrializada
do Barreiro/Lavradio



Visto de longe, agora vêem-se apenas os grandes tanques de líquidos, combustíveis, óleos, etc. Pode pensar-se que não haver fumo é bom para a paisagem e para o ambiente. Mas sabemos o que isso também significa: não apenas milhares de postos de trabalho a menos mas, sobretudo, uma quase total dependência das importações. (Além disso, nos últimos anos, grande parte das vezes o fumo que se vê nas instalações fabris é apenas vapor de água).

Mas, se repararam no pequeno ponto escuro na primeira fotografia, digo-vos agora: ao longo de todo este tempo, eu estava a seguir o voo da gaivota que ali andava, volteando, dançando como uma louca. Seguia os veleiros, rodopiava, vinha até à margem, voltava ao rio. E eu a segui-la, as fotografais desfocadas tal a rapidez com que ela, gaivota livre, deslizava no ar.







Ei-la, a gaivota de longas asas, voando na minha direcção, belíssima, belíssima, deslizando livre, livre


Até que, num instante, num brevíssimo instante, voou para cá e maravilhou-me durante largos instantes aqui, à minha frente, tão rápida, tão perto. E eu que, naquele momento, não esperava tão inesperada visita, senti-me  agradecida, emocionada, obrigada, obrigada, e era como se eu voasse com ela, bailarina intangível, ser magnífico, ser alado com uma alma igual à minha.

Depois deu meia volta e regressou ao Tejo. Fechei então a janela e regressei também ao meu poiso.

*

Se estiverem para aí virados, teria todo o gosto em receber-vos também lá no meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras pousam num ombro, como um sonho, em volta de um poema de Inês Dias. E dou início à semana dedicada ao compositor Heitor Villa-Lobos, uma maravilha.

*

Finalmente, os meus votos: tenham, Caros Leitores, uma semana muito boa, começando já esta segunda feira. 
Que se rodeiem de beleza e de graça e que se sintam abençoados é o que vos desejo.


2 comentários:

Anónimo disse...

Olá cara UJM:
E porque os deveres do ofício consomem as horas da tertúlia, deixo apenas o desejo sentido de boas melhoras.
Bem-aventurada aquela que na moldura do olhar pode fixar o mistério do mar, o milagre do céu e observá-los maravilhosos na sua soberba plenitude azul, verdadeiras magias naturais à luz do dia.
Apesar de impedida de tomar banhos de multidão, pode, afortunada, fazer esta barrela à alma! E partilhá-la.

Boas e rápidas melhoras
Abraço amigo da
Leanor formosa e segura

Um Jeito Manso disse...

Olá Leanor formosa e segura,

Muito obrigada. Cá estou melhorando. E melhoro 'melhor' por estar assim como refere nas suas belas palavras: fazendo uma barrela à alma, envolta num imenso espaço azul.

Agradeço o seu cuidado.

Com amizade, dias felizes para si, Leanor formosa e segura!