Música, por favor (e, já agora, atenção às imagens, lindas)
Duo Ouro Negro - Amanhã
*
Aqui a casa, chegam-me notícias do calor. Para o confirmar, desloco-me até à janela, abro o vidro e entra-me um calor africano. Há uma neblina quente sobre o rio que hoje esteve quase sempre em tons cinza, levemente verde patine, embora, à noite, um tom levemente rosado tenha aflorado às faces do céu, nas margens. A cidade parece parada, o rio parado, as cidades do outro lado são manchas envoltas numa nuvem de ar quente, imóvel.
Fez-me lembrar o mês que, há alguns anos, passei em Angola.
A Baía de Luanda |
Sem quaisquer laços familiares que me liguem a esse País e sem antes ter estado em África, foi com espanto e empatia que viajei por várias cidades, grande parte delas encostadas à água, por estradas imensas de terra no meio da qual árvores imensas, escultóricas, se elevavam no meio do pó e do calor.
As belíssimas árvores de Angola - imagens que nunca vou esquecer |
O tempo estava sempre quente, húmido, denso, o meu cabelo ficava empastado e, durante todo o dia, eu ansiava por me sentir debaixo de água. Quando finalmente o conseguia, nunca me parecia o suficiente, aquele calor parecia ter-se impregnado na minha pele, no meu cabelo que se colava às minhas costas.
Mas uma coisa também é certa: uma terra quente é uma terra cujo calor liberta os corpos. Via-se isso nas ruas, nas esplanadas, nas praias e senti-o eu própria. Qualquer roupa parece excessiva e os olhares tentam facilmente a aproximação.
Mas uma coisa também é certa: uma terra quente é uma terra cujo calor liberta os corpos. Via-se isso nas ruas, nas esplanadas, nas praias e senti-o eu própria. Qualquer roupa parece excessiva e os olhares tentam facilmente a aproximação.
Imagino a diferença tremenda que, em tempos, os chamados retornados sentiram quando, vindos de países imensos, quentes, de hábitos permissivos, chegaram a esta acanhada nesga, temperada, maioritariamente moralista.
Habituo-me facilmente a cada nova realidade mas, apesar de ter gostado imenso da minha curta estadia em Angola, devo dizer que tempo tão quente, tão húmido, tão pesadamente abafado, me causa algum desconforto.
*
Música, de novo, por favor
Carla Bruni - Quelqu'un m'a dit
E, ao pensar nisto, veio-me à memória um outro passeio, outros locais, outros meios de transporte, outras temperaturas.
Há algum tempo, por motivos profissionais, o meu marido tinha que ir frequentemente a Paris e, sempre que possível, eu acompanhava-o.
Avenue des Champs Élysées - as noites iluminadas da altura do Natal |
É cidade de que apenas não gosto muito nos meses de verão em que a cidade me parece algo estranha, parece que perde a graça, grande parte do que é a vida típica de Paris parece esvair-se, não se vêem parisienses, apenas imigrantes e turistas. De resto, seja nos meses de frio agudo e neve, seja no período iluminado e festivo que antecede o Natal, seja na primavera, Paris é uma cidade maravilhosa onde me sinto muito bem.
Uma das vezes em que íamos, defrontámo-nos com uma greve de controladores aéreos, não me lembro se de cá, se de lá. A viagem de carro estava fora de questão pois, pelos dias de que dispúnhamos, teria que ser feita de seguida, o que seria muito cansativo. O meu marido teve então a ideia de irmos de comboio, de Wagon Lit.
O conhecido símbolo dos Wagons-Lits |
De início, a ideia pareceu-me insólita mas, depois, comecei a achar uma ideia fantástica. E foi.
Para quem já tenha tido a experiência, saberá do que falo. É uma viagem confortável, tranquila, idílica. A ideia de romance pode ser associada, mesmo sem recurso a grandes imaginações literárias, a uma viagem a dois a bordo de um comboio que disponha de todas as condições de conforto.
Para os distraídos: claro que não somos nós, claro que é Catherine Deneuce e Roger Van Hool, o casal apaixonado do filme La chamade |
É um conforto em casinha de brincar, é o convite à intimidade em viagem, é a partilha das visões que se vão desenhando através da janela, a paisagem como um filme variado visto com a noção da velocidade, a beleza mais breve, mais efémera que nunca, e a beleza aparece-nos com as suas consecutivas mutações, o norte de Espanha, os túneis, os bosques frescos de cedros imponentes e o maravilhoso País Basco, França luminosa a descobrir-se a seguir. Lembro-me do meu encantamento à noite e lembro-me do meu marido me acordar para ver o nascer do sol no meio de um campo florido.
Tínhamos a cama com janela, tínhamos casa de banho, tínhamos sofá (provavelmente era a cama, antes de estar montada como tal mas não estou certa), e ler um livro naquele cenário sabe tão bem. E havia um restaurante simpatiquíssimo, o serviço até com um certo requinte. Tudo mesmo muito bom.
Wagons-Lits - O restaurante |
Uma das viagens mais interessantes que já fiz. Mais tarde viríamos a repeti-la num percurso mais curto e o encantamento foi o mesmo.
Uma outra vez fiz o percurso entre Düsseldorf e Frankfurt também de comboio. É uma viagem linda que abrange a zona dos Castelos do Reno, e todo o percurso nas margens do Reno é de um lirismo, de uma harmonia, com descobertas de mais imagens fascinantes a cada suave curva em que se entra... E depois passa-se por Colónia, vê-se a extraordinária catedral. Que beleza tudo aquilo, que bom é viajar calmamente de comboio por sítios assim.
Penso que não é a primeira vez que aqui o refiro: as viagens de comboio proporcionam passeios maravilhosos. Avessa a cruzeiros, a excursões de qualquer tipo, desinteressada por praias paradisíacas ou destinos turísticos badalados, o meu ideal de férias perfeitas passa muito por coisas como estas que referi. Ou isso, ou simplesmente andar de carro, parando, passeando, sem pressa.
*
Caso ainda tenham disposição para isso, gostaria muito de vos ter de visita lá ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras saem do rio para murmurarem junto a um belo poema do novo livro de Casimiro de Brito. Será bem melhor se for ao som da maravilhosa música de Heitor Villa-Lobos.
*
Apesar da canícula, tenham, meus Caros leitores, uma bela terça feira.
10 comentários:
Por aqui está um calor abrasador. Eu prefiro o Verão, mas está calor demais.
Gostei muito desta viagem.
Paris era uma cidade que gostava de visitar, com calma.
Gostei muito de ouvir o duo Ouro Negro, que não ouvia há muito tempo. E a ex-primeira dama francesa, também não é desagradável de ouvir.
O novo visual do blogue é giro.
Enfim, mais um momento bom.
Um beijinho e espero que já esteja recuperadinha.
Olá Isabel,
Aqui também continua um calor que não se pode. O céu parece nublado, tal deve ser a evaporação junto ao rio.
Lembrei-me do Duo Ouro Negro e fiquei admirada com a qualidade deles. Gostei mesmo. E a Carla Bruni tem uma voz envolvente (deve ter sido também com a voz que envolveu o Sarkozy).
O visual do blogue tem a ver com as cores de Portugal. Que viva Portugal! (no futebol e em tudo).
E agora Paris: Isabel, se lá for, vai adorar, tem tudo a ver consigo. Uma semaninha lá, andando a pé (é uma cidade plana, visita-se bem a pé) ou de metro, seria uma maravilha para si.
Se puder, Isabel, tente visitar Paris: são as ruas, o ambiente, as esplanadas, o Sena, o Quartier Latin, os jardins, os museus, as lojas (mesmo que seja apenas para ver as montras), tudo aquilo é mesmo muito agradável (excepto no verão, acho eu).
Eu já me sinto melhor e amanhã vou-me aventurar. Espero que não haja muito trânsito porque o pára-arranca custa-me por causa da embraiagem. Mas vai tudo correr bem. Obrigada pelo seu cuidado carinhoso.
E um beijinho Isabel!
Viva, UJM!
Já recomposta de mazelas inoportunas, cá a temos com novo visual nos seus escaninhos, mas sempre mantendo a linearidade fascinante das cores e dos contrastes luminosos. Aqui, neste recanto, mantém sempre o alor de uma imagética esplendorosamente feminina que nos corisca as pupilas e nos incandesce as ideias. Belo de ver, sentir e ressentir. Também no “Ginjal”, duas silhuetas de mulher, contornando um rosto escuro, laureado e com língua de fora (?!). Careta! Também, bela imagem.
Com que então suaves lembranças de gostosas passeatas, mundo fora! Muitas vezes são viagens (idílicas, como diz) que nos marcam pela sua singeleza e contribuem “pro salute animae”, mais pelo calor da companhia, que pelas temperaturas ambientais. Muita saúde e viagens de sonho!
Olá dbo!
Belas palavras as suas como sempre. Por isso o 'cognome' que lhe arranjei na minha galeria e de que espero que goste. É retirado de um dos diários de Miguel Torga e dá nome a uma recolha de textos organizada por Clara Rocha (de que aqui já falei).
Se calhar como está lá para baixo, não reparou. A ordem em que aparece tem a ver com a novidade da publicação. O último a ser publicado aparece em 1º lugar e vai descendo à medida que aparecem novos.
(A ver se escreve com mais frequência...)
No outro dia, quando soube que o Gaspar se tinha outra vez estatelado ao comprido, tudo a sair-lhe ao contrário do que ele tinha ficcionado e sem que ele perceba o que está a acontecer, deu-me uma fúria.
Um sujeito que olha para uma parede e, em vez da parede, vê uma porta aberta, e vai andando e bate com a cabeça na parede e não percebe porque bateu e volta atrás e toda agente lhe diz que bateu porque foi de encontro à parede e ele diz que não, que é uma porta, e vai e bate outra vez e isto vezes sem conta... e eu penso que uma pessoa assim, que não acerta uma, uma! e é o ministro e que está a dar cabo disto tudo... Como é que é possível?
E o primeiro ministro, lá porque lhe disseram que o outro é inteligente, não percebe que ele pode ser inteligente a fazer estudos num gabinete mas, como ministro não acerta uma...
E então pensei: bolas para este País desgraçado com gente destas que não percebe nada do que anda a fazer e apeteceu-me lutar, não desistir. E que a nossa selecção faça a mesma coisa, que não desista, que ajude a mostrar que os portugueses não são gente servil que para aqui anda às ordens da Merkel.
E, portanto, resolvi pôr isto com as cores de Portugal. No entanto, claro, tinha que ter o meu toque. Gosto muito de ser mulher e de olhar de frente. Procurei, procurei até que descobri aquela fotografia, que adorei, era mesmo aquilo que eu queria.
E assim ficará agora durante uns tempos. Eu, mulher de Portugal, às vezes com um jeito manso.
Quanto a passeios, nisto sou como em tudo. Fujo da barafunda, de sítios com muita gente, muito badalados.
Passeios assim, tranquilos, a ver a paisagem, sem pressas, são muito do meu agrado. E, claro, tem razão, a companhia é do mais importante que há e, nisto, prefiro os que não são com grupos barulhentos, em que há sempre uma logística terrível, para nos juntarmos, à mesa, para pedir, horas, confusões. Ná... Prefiro coisa calma, pouco barulho, pouca confusão.
Quanto à minha maleita. Hoje ainda estive em cativeiro mas amanhã já me vou aventurar. De tarde tenho consulta e, se estivesse boa, ia trabalhar no dia seguinte. Mas vou atalhar. Vou já trabalhar amanhã embora ainda receosa de alguma recaída. Mas vai tudo correr bem!
Obrigada, uma vez mais, pelas suas palavras e uma noite tranquila por aí.
Saúde e felicidade também para si!
Cara Jeitinho,
Das coisas que mais gosto de fazer é viajar, com tempo, sem horarios, à descoberta.
Antes de outros continentes, ainda me falta ver tanto na Europa!
Estive em Paris duas vezes. Da primeira vez num fim de semana prolongado, da 2ª. vez por uma semana. Não chega. Mesmo sem contar com museus e espectaculos, Paris não se vê em tão pouco tempo. Cada praça, cada rua, cada ponte do seu Sena, são historia.Hei-de Voltar.
Vamo-nos entretendo com estas recordações, pois o presente será para esquecer. Não vislumbro solução.
Continuação de boas melhoras ou então não adie uma intervenção que será simples e porá fim a interrupções de vida normal.Tenho um caso na familia que sente ter sido o melhor que puderia ter feito.
Um beijinho e uma boa 4ª.feira
Olá Pôr do Sol,
Eu, quando começo de férias, no verão, só me apetece estar sossegada, a hibernar 'in heaven'. Depois, aos poucos vai-me apetecendo praia. Depois tenho lá o pessoalzinho, E quando estou boa é para começar outra vez de férias, já elas acabaram.
Mas na Primavera ou no Outono ou Inverno apetce-me dar um passeiozinho. Pode ser cá, Portugal é tão bonito, mas pode ser lá fora. Geralmente, se me d+a essa vontade, penso em Paris ou Madrid, são cidades de que não me canso. A Madrid gosto de ir e carro. Paris já é muito longe para isso mas já uma vez fomos, parando numa 'cidade do futuro' de que agora não me estou a lembrar do nome, e nos Castelos do Loire e por aí fora devagar. Muito bom. Paris tem tanto, tanto, tanto para ver.
É bom irmos recordando, sim, porque tem toda a razão: estes tempos são maçadores, temos que lhes inventar motivos de graça.
Quanto a mim: vamos ver o que diz o médico mas a 'teoria' que defende que a operação era uma limpeza predomina. Eu é que tenho tanto medo... Estou com esperança que isto se aguente; mas...
Obrigada pelas suas palavras, Sol Nascente.
um beijinho e tenha um belo dia!
Curiosos destinos estes! Aqule que aqui descreve, na Alemanha, não o fiz de combóio, mas de carro. Vivia por ali perto, temporariamente e aproveitei. É, como diz, uma bonita paisagem. Mas, sabe, não sei porquê, a Alemanha é um país que não me seduz por aí além. Se há um país para onde mudava com armas e bagagens era a Itália. É, na minha opinião, um país extraordinário, sob todos os aspectos, cultural, paisagístico, gastronómico, com bom vinho, gente alegre e bem disposta, com cidades, vilas e aldeiazinhas de encantar, uma costa maravilhosa, uma paisagem rural e campestre de sonho. Também gosto bastante de França, julgo que ali viveria igualmente bem, pelas mesmas razões que invoquei para Itália, mas esta fascina-me mais. A sua História e o seu impressionante património, as suas gentes talvez me convencessem mais. Quanto a Angola, quando por lá passei, não gostei de Luanda. Está (ou estava) muito maltratada (bom, isto foi há uma meia dúzia de anos) e a sua baía encantadora fedia! Uma pena. Já a paisagem, no interior de Angola, aquelas bosques, aquele cheiro do mato, aquele pôr do sol e aqueles embondeiros (que árvores fascinantes), tão do gosto dos leopardos noutras regiões daquele continente, visto em Angola a antiga fauna só há pouco começou a recuperar, é de cortar a respiração. Não me perturbou demasiado o calor húmido dali, visto, depois de se viver uns anos no Sudeste Asiático, onde estive, com graus de humidade superiores, o clima de Angola suporta-se melhor. E o Sul, no Namíbe, é deslumbrante. Quanto a Paris, bom está tudo dito. É uma cidade onde apetece ir sempre e por lá ficar para sempre. E, sim, faz-se bem a pé. Também sou avesso a excursões e coisas assim, como refere. Quando me decido a viajar, sou eu que faço e escolho os percurso, até os hoteizinhos onde ficar, os locais a visitar, etc. Só depois compro o bilhete. Mas gosto de certas paisagens ditas paradisíacas. Quando andei pela Ásia, tive ocasião de visitar alguns locais do género, umas ilhas e praias de encantar. E por fim, partilho consigo o gosto pelas viagens de combóio. Fiz algumas, mas uma, em tempos, ficará para as minhas memórias. O “Palace on Wheels”, na Índia, cerca de 2.850 km, partindo de Nova Delhi, percorrendo uma boa parte do Ragistão e acabando em Agra, junto ao Taj- Mahal (ou melhor, em Delhi, novamente). Numas carruagens cujas idades oscilavam entre 1915 e 1945, mais coisa menos coisa. Com um serviço, quartos, carruagem-restaurante, biblioteca, excelentes, visitando-se paisagens, terras e gentes, de encantar. Ainda hoje recordo Udaipur (a cidade azul), os seus lagos, o belíssimo Lake Palace, entre tanta coisa que ali vi. E, claro, ficar-me-á para sempre gravado a impressão que me causou o Taj-Mahal, ao fim da tarde, quando o visitei. Se um dia puder, faça a viagem!
Uma boa recuperação!
P.Rufino
PS: que calor!
Olá P. Rufino,
O que gostei de ler esses passeios. Especialmente depois de estar em cativeiro durante uns dias, só me apetece pensar em evasões.
Que sítios fantásticos onde já esteve. Nunca me aventurei para tão longe. Mas esse fantástico passeio de comboio deixou-me a sonhar. Que lindo deve ser. Vou ver se descubro fotografias na internet, deve ser uma maravilha.
Também adoro Itália, é uma animação, uma gente ruidosa e feliz. Gosto imenso. E aquela luz!
Só fiquei com mixed feelings em relação a Milão mas só lá fui uma vez, ainda não consegui tirar a prova dos nove.
França é uma maravilha. Paris, claro, mas também a Normandia e o sul, Nice, a costa até Itália, a zona da Provence, tudo, tudo uma maravilha. Eu também podia viver bem quer em Itália, quer em França.
É bom passear mas também é bom recordar as viagens que se fizeram, não é?
Obrigada por ter partilhado estas suas memórias. Adorei e estou certa que os outros leitores também.
Vou ficar a pensar nessa sugestão de viagem. Mas tão longe... Para passear em sítios imensos assim e tão longe, não poderão ser menos que uns 10 dias, não?
E tenha uma boa quarta feira, P. Rufino!
Adorava visitar Paris, exactamente dessa maneira que fala.
Quem sabe ainda um dia acontece. Não me seduzem muito as viagens, mas há dois ou três destinos que gostava de conhecer.
Um beijinho
Isabel,
Acontecerá se se mobilizar nesse sentido. Arranje aí um ou dois amigos e organizem uma viagem. Ir sozinho só se for em excursão, acho eu. Os sítios bonitos e as viagens boas querem-se partilhados. Mas tratado com cuidado pode sair até relativamente em conta.
Chatice é agora terem cortado os subsídios...
Um beijinho, Isabel.
Enviar um comentário