segunda-feira, fevereiro 13, 2012

O meu amigo enviou-me um mail (e não queria que eu falasse nisso - por isso, por favor, deixem-me contar com a vossa reserva).


Música, por favor

 Leonard Cohen - If it be your will

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Sem mais palavras, reproduzo a seguir o mail que me enviaste. Não me condenes. Isto é apenas uma história e nós somos personagens fictícios. Ninguém nos relacionará com ninguém. Descansa, pois,  meu amigo.

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Não sei porque andas a fazer isto, justamente tu. Melhor do que ninguém deverias saber a pressão a que estou submetido, as exigências brutais, os resultados que têm que aparecer aconteça o que acontecer. Se não aparecem e queremos justificar, já dizem que não querem desculpas, querem é soluções. Mas também não é isto que eu próprio digo aos meus colegas e aos meus directores? 

Tu, melhor que ninguém, não sabes da solidão que me rodeia, sempre rodeado de gente, sempre de uma reunião para outra, sem tempo para me preparar, sempre a ter que confiar na minha capacidade de improviso? Julgas que não percebo a quantidade de vezes que digo frases circulares, sem acrescentar nada, palavras ocas, julgas que não sei disso? Não sabes o que me enervo de cada vez que tenho que dar uma entrevista, não sabes o quanto gostaria de poder furtar-me a isso? Não sabes? Não sabes que sou eficiente, bem sucedido, um gestor modelo, premiado e que, portanto, não posso falhar? Não sabes o que custa saber que não se pode falhar? 

E não sabes que há dias em que já nem consigo olhar na cara tantos assessores, tantos consultores, tantos yes men? E que, apesar disso, tenho que os aturar e com boa cara, sempre com boa cara? E que há dias em que já não consigo aturá-los e continuo a rir, a dizer piadas, a exigir, a ser o mais exigente de todos os administradores exigentes que já passou por aquela casa?

E julgas que não sei o quanto os que me rodeiam desejam que eu falhe? Não sabes o quanto tantos desejam o meu lugar? Não sabes tu isso?

E com quem é que posso falar sobre isto? Com quem? Quando cá estavas, falava contigo, ajudavas-me, eu achava que tu me ajudavas a ser melhor, e agora, que te foste, com quem é que eu posso aconselhar-me?

E tu sabes que não é com a minha mulher que eu posso falar disto, tu conhece-la bem, tu sabes, ficava preocupada, não percebia, ficava atormentada, não me ajudava nada, ainda tinha que ser eu a descansá-la. 

Tantas cruzes que eu carrego. E quem me ajuda a mim?

Conheces-me. Mas sabes que ando agora sempre com um aparelho de medir a tensão, ando sempre com medo de ter um problema de coração, ando sempre a avaliar os sinais, se a pulsação acelera, se sinto um aperto no peito? Sabes que tenho que tomar ansiolíticos? Eu não era assim. Mas ninguém sabe disto, disfarço, não quero que saibam, que especulem - ia ser uma festa, se soubessem, não tardava um dia que não aparecesse nos jornais. E sabes que tenho cada vez mais medo de andar de avião? Mas a quem posso eu confessar isto, sempre a ter que andar de um lado para o outro?

É verdade que ganho milhões e tanto que se fala nisso, é verdade que acho que o mereço, é verdade que me tranquiliza ter aplicações de milhões, mas, sabes, tantas vezes que penso que um dia alguma coisa me vai acontecer, que vou ser dispensado como lixo, ou que não vou aguentar e me vou abaixo e me vou afastar. Tenho dias em que mal tenho força para me levantar mas depois lembro-me de quem sou e vou correr e, ao correr, parece que tudo passa.

Mas agora tu começaste a fazer isto, a escrever tudo nesse blogue, não sei o que te deu, para que fazes isso? E porquê toda essa frieza? Porquê essa hostilidade?

Tinha pensado escrever que não falasses neste meu mail lá no blogue, pensei em implorar em nome de tudo, mas não vou fazer isso. Vou apenas apelar ao teu bom senso. Não o faças. 

Ficaste impressionada com aquela cena do carro lá na Cidade Universitária mas já te disse que não é o que estás a pensar. Não posso negar que tenho tido os meus pequenos romances mas são pequenos, insignificantes. Não sabes tu como é indispensável algum toque de humanidade nestes dias de gelo, de números, de gráficos, de spreads, de cotações? Não sabes tu que, em tantos dias de sufoco, de aflição, é tão necessário algum toque de pele, por leve que seja, por ocasional que seja?  Um sorriso, um afago? Não sabes? 

Estou de saída. Vamos em bando, como de costume. Uma agenda preenchida como de costume, um stress, uma correria. Queria ir ao meu alfaiate lá em Londres mas agora apareceu uma porcaria à última hora, nem devo ter tempo. Sé regresso daqui por uns dias, horas enfiado dentro do avião, chineses por todo o lado, negócios, parcerias, dossiers e mais dossiers e à noite, cansado, ainda a ter que ver aquilo tudo. Não sabes tu o que é esta minha vida? Então porquê essa desconfiança, essa hostilidade, essa crispação? Quando todos se afastarem de mim, o que me restará?

Volto a dizer que acho que seria muito mau, muito imprudente, se te referisses a este meu mail lá no teu blogue. 

Falamo-nos depois.

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Tenham, meus Amigos, uma boa segunda feira!

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PS1: Se quiserem saber o que penso deste novo acordo na Grécia e do que nos espera, desçam, por favor, até ao post abaixo.

PS2: Para quem não acompanha esta história desde há alguns dias, refiro que a 'cena' anterior está já ali abaixo. E a ver se manhã vou aos posts anteriores, fazer um link como fiz agora aqui.

1 comentário:

Maria disse...

Jeitinho amiga:
Quase me comovi, com tanta desgraça junta. Pobre homem rico! É realmente uma vida lixada, a dos grandes gestores, empresários e políticos. E que ganham com isso? Dinheiro! Uma coisa que não faz falta nenhuma. Para que o querem? Sentem-se infelizes e sós, em belas casas. As frágeis esposas, obrigam-nos a ir a festas e, não os compreendem. Nem sequer têm tempo para ir a Londres fazer um fatinho... Se ele fosse verdadeiro, valeria a pena dizer-lhe algumas verdades. Assim, digo-lhe apenas: Olhe à volta. Veja a fome, a miséria, os sem abrigo. Esses, não têm excesso de trabalho, têm fome e frio.
Pobre, pobre, menino rico!
Beijinhos
Maria