segunda-feira, outubro 03, 2011

Poesia, apesar de tudo - diz António Guerreiro no Expresso. Pedro Tamen, Rui Caeiro, Alice Vieira confirmam-no. E eu agradeço a todos os poetas as palavras que me alimentam.


Já aqui vos falei várias vezes no meu grande amor pela poesia. Dela costumo dizer que é a síntese perfeita de todas as coisas. Costumo também fazer o paralelismo entre poesia e matemática, na sua pureza, na sua redução ao essencial e rigoroso. Não será por acaso que encontraremos entre os matemáticos e os físicos grandes apreciadores de poesia.

No suplemento Actual do Expresso deste sábado, António Guerreiro escreve 'Poesia, apesar de tudo' - 'Ao mesmo tempo que parece definhar sob a ameaça da falta de leitores e das regras editoriais, a poesia insiste e resiste, alheia às circunstâncias pragmáticas'. Neste artigo António Guerreiro refere dissertações que, ao longo dos tempos, se têm produzido sobre o tema da poesia, analisa as políticas editoriais e constata a falta de interesse que os distribuidores e livreiros dedicam aos livros de poesia.

E conclui que, apesar de tudo, e apesar das fracas tiragens e apesar do fraco interesse comercial, a poesia se impõe hoje, como sempre e para sempre.

Eu não sei se os poetas têm dificuldade em ver os seus livros publicados mas a verdade é que eu vejo a secção de poesia das livrarias, nomeadamente na Fnac, razoavelmente apetrechada. E há várias editoras novas que lançam interessantes livros de poesia, e vejo a D. Quixote com uma muito consistente colecção de poesia, vejo antologias, vejo traduções - ou seja, não vejo o desinteresse comercial de que António Guerreiro fala. No entanto, presumo que ele se refira a edições esgotadas e não reeditadas mas, mesmo aí, noto algum ressurgimento.

No entanto, tenho para mim que a poesia nunca será um objecto mainstream, não vale a pena idealizar tiragens de milhares, exibições nos escaparates de topo. Acho que a poesia será sempre um objecto raro, para amantes, amantes exigentes.

A poesia é a essência pura (tal como a essência nos perfumes), é o traço límpido e perfeito (tal como ambicionam os arquitectos), é a fórmula simultaneamente perfeita e imensa (tal como é, por exemplo, a equação E=mc2, a equação base da teoria da relatividade), é o acorde soprado pelos deuses (tal como os compositores ambicionam), o sabor delicioso e raro mesmo que apenas subentendido (pelo qual lutam os grandes chefs), o movimento extenso e etéreo (pelo qual os bailarinos tanto se esforçam).

A poesia é o intangível tornado possível através das palavras perfeitas. É a emoção destilada, é a lágrima imprevista, o arrepio interior, o sorriso verdadeiro, o pensamento substantivo e limpo, o som, a luz, o sabor, traduzidos em irredutíveis palavras.

Descarna-se a ideia, decanta-se o sentimento, filtram-se os efeitos. E fica a pureza. Uma sombra geométrica. Um som tangente à emoção. Um pensamento límpido.

Enquanto existirem amantes exigentes existirá poesia e amantes exigentes sempre os haverá.

Não é uma opção. Ama-se a poesia porque não se pode deixar de amar.

Procura-se com avidez a poesia, porque cansados de mensagens falaciosas, discursos demagógicos, ruído ambiente de vária ordem, confusão e verborreia, se sente a necesssidade da pureza mais absoluta, a singeleza da verdade sem máscaras.

António Guerreiro (que, por acaso, na sua coluna 'Ao pé da letra' também escreve um interessante artigo sobre a 'comercialização mediática' em que Valter Hugo Mãe anda a ser frito desde que, no palco do festival de Paraty, deixou a assistência em lágrimas lendo um textozeco melodramático, com aquela sua voz que tem algo de provinciano desterrado na cidade), tem conhecimentos teóricos e técnicos para suportar a sua tese de uma forma mais sustentada.

Eu, leiga, posso apenas corroborar através da minha intuição, da minha paixão. Poesia, sim, sempre - apesar de tudo.

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E agora, tal como António Guerreiro ilustra o seu texto com uma pintura de Marc Chagall, 'Le poète allongé', permitam-me que também eu ilustre o meu com fotografias minhas e excertos de alguns poemas que vou escolher a partir do que as imagens me sugerem.

Quero com isto apenas mostrar como para uma situação, porventura complexa (mas sabemo-lo lá, é apenas uma fotografia), há palavras que descem sobre ela vestindo-a na perfeição. Ou melhor, imaginemos que pomos a imagem ao espelho e que o espelho nos devolve não a imagem reflexa mas as palavras exactas que a descrevem.

É um exercício, apenas isso. Subjectivo.


(Também escolhi esta fotografia para ilustrar ontem o Soneto da Separação
 de Vinicius de Moraes no meu outro blogue, o Ginjal)

Descai a folha sob o peso da tarde
despejou a fonte a sua última lágrima
Estou sentado a que beira e que rio
contemplo? que sorriso desmaia na boa
que tive?

(excerto de poema de Pedro Tamen in Memória Indescritível)



Um sinaleiro invisível manda parar o trânsito
há uma pausa brutal no bulício da cidade.

Grande é a importância que me dás.
Por momentos tudo vais trocar pelas minhas mãos.

Devagar a tua língua
vivifica o que
resta de mim

(excertos de dois poemas de Rui Caeiro in O quarto azul)




Às vezes uma palavra bastava
para que eu soubesse que virias ao meu encontro

mas depois chegaram imprevistas tempestades
que desenharam estranhas perdições
no mapa dos teus dedos

e as palavras que ninguém quis
silenciaram a festa do meu corpo


(excerto de poema de Alice Vieira in O que dói às aves)



Poesia, pois. Eternamente. e-ternamente.

<>

Nota: Meus amigos, já sabem que agora, de 2ª a 6ª temos Música no Ginjal. Por isso, acompanhem-me até ao post abaixo, sim? Gostaria de vos levar até Ms Bessie Smith.)

8 comentários:

Tita disse...

Adoro poesia e deixe-me dizer-lhe que a sua prosa, que sigo há muito, é das mais poéticas que conheço. Bem haja!

Um Jeito Manso disse...

Muito obrigada, Tita, pelas suas simpáticas palavras e pelas suas visitas.

Muito me sensiblizou o que disse.

Volte sempre, Tita.

ERA UMA VEZ disse...

Venho "de manso"
como quem só quer espreitar
neste jeito desajeitado
a procurar a procurar...
Eu sei
diria
que já nos cruzámos por aí noutros teclados
e hoje foi dia
fui chegando
fui ficando
fui gostando
e apeteceu-me entrar
e legendar em verso

Vou-me conter,prometo,
vou-me conter
e retirar
pé ante pé
assim de manso como entrei balbuciando apenas
na saída
"obrigada por me receber"
foi um prazer...foi um prazer...

Tété disse...

Posso chamar-lhe Maria? Dá muito mais "jeito".

Também eu sou a maluquinha da poesia. Concorri há alguns anos em Oeiras ao Prémio Cesário Verde. Sem pretensão mas por amor já escrevi alguns poemas.
Não são eloquentes mas são razão de sentir.

Nostalgia da juventude

Alheia ao correr do tempo
A juventude que passa
Passeia no parque
Nos seus verdes anos
E acha-se graça.
Também já os tive
Mas foi bem diferente.
Mas se Deus me deixar
E a meu contento
For envelhecendo
Com minha alma e espírito
Julgando ser jovens,
Farei das dezenas
Uma só unidade.
E quando morrer
Já nada me importa.
Porque hoje pergunto
De que serve uma alma
Que viva já morta
In "Passagens" - 2001

Fica aqui para si e foi colocado no meu blogue em 13/7/2011
Abraço

Helena Sacadura Cabral disse...

Ora vamos a confissões, cara amiga. Convivi com poetas a vida inteira e suponho não errar ao dizer que Eugenio de Andrade me ensinou a ler poesia como Agustina me ensinou a ler.
Depois, a Maria Velho da Costa - minha comadre porque madrinha do meu filho Paulo -, juntamente com Luisa Neto Jorge, ensinara-me a perceber o conceito de prosa poética.
O meu grande amigo Mario Castrim dizia-me que eu devia tentar. E um dia, doida varrida, atirei-me a dois blogues - logo dois- de prosa poética. Primeiro envergonhada, depois mais atrevida. E, acredita, que agora até gosto de praticar?
Nunca é tarde para tentar e até tenho um leitor que me comenta sempre em poesia.
A poesia é para os grandes, para os muito bons. Mas a prosa poética já me permite escrever isto, sem vergonha...

Um Jeito Manso disse...

Olá, Teresa-Teté,

Já lá estive no seu blogue, veja bem que ainda não o tinha descoberto. É o que faz andar sempre aqui à pressa.

E gostei muito que aqui tivesse deixado este seu poema. A poesia é uma forma muito pessoal de as pessoas se exprimirem mas tem a particularidade de outros, ao lerem, poderem sentir as palavras como suas.

Muito obrigada. Recebo-o com carinho como um presente.

Um abraço.

Um Jeito Manso disse...

'Era uma vez', olá,

Que engraçado o seu poema, tão feito a propósito, que inspiração tão bem disposta.

Já nos conhecemos noutros teclados, é?

Não quer voltar de vez em quando para aqui vir deixando um poema assim, a propósito de qualquer coisa ou de nada?

Pode vir de manso ou de rompante, sair de repente ou deixar-se ficar, que aqui será sempre muito bem recebida, será sempre um prazer... um prazer...

Um Jeito Manso disse...

Olá Helena,

Já conheço os seus blogues e admiro a sua coragem. Acho que é precisa muita coragem para desatar nós e ser capaz de escrever apenas palavras límpidas - e eu não a tenho.

Eu, que adoro poesia e que no meu blogue do Ginjal divulgo poesia em língua portuguesa, aventurando-me a escrever pequenos textos alusivos ou vagamente alusivos ao poema que escolhi nesse dia, não consigo ter coragem para me arriscar a escrever poesia.

Sinto-me inibida, acho que é coisa para gente superior, gente que tem uma destilaria de palavras dentro da cabeça, sinto que não estaria á altura.

É comadre da Maria Velho da Costa? Que sorte a sua poder conviver de perto com pessoas assim, tão especiais. Adoro ler a Maria Velho da Costa. Deve aprender-se tanto com pessoas como ela ou a Luisa Neto Jorge, devem pessoas tão afastadas das mesquinharias quotidianas, boas pessoas, não é?

E sobre o Mário Castrim, apenas sei dele através do que li à Alice Vieira e imagino que seria pessoa muito crítica, muito acutilante, mas muito inteligente.

A Helena é uma pessoa com muita sorte e imagino que a pessoa que hoje é, para além do que trouxe dos genes, terá também a ver com a sorte de ter convivido de perto com pessoas privilegiados a nível intelectual, a nível artístico.

Daí a sua gargalhada, tão feliz, e os seus olhos que tanto se riem também.