quarta-feira, agosto 24, 2011

A beleza pura da matemática, o ensino da matemática, o Parque Escolar, o prazer e a utilidade do conhecimento - e a sociedade actual

O que é o infinito?


O vasto infinito no qual a nossa mente mergulha quando caminha por um caminho infindável, é o quê?



Imaginemo-nos a subir uma escada interminável. Vamos contando os degraus: um, dois, três, quatro, cinco, ….mil e um, mil e dois, …, um milhão e trezentos, um milhão trezentos e um, …, vinte e dois triliões,…e por aí fora…

Até onde?

Se quisermos visualizar uma imensidão assim, já não o conseguimos porque estamos em vias de mergulhar no insondável infinito, no mais infinito, no que imaginamos ser o tudo, o tudo mais absoluto, rodeados de tudo, perdidos na imensidão, uma luz imensa ou a total ausência de luz, e todos os sons, uma toada infernal ou a ausência de todos os sons.


E se caminharmos em sentido oposto?


Imaginemo-nos a descer às profundidades : piso -1, -2, -3,… , -125.000.569.002, … , -789.703.645.474.188, …e sempre a descer, talvez apenas uma profunda e imperceptível luz azul, talvez sem luz, um silêncio inaudito ou um silvo perfeito ou talvez uma toada irreal.

E já estamos a entrar no infinito, no menos infinito, nas profundezas nem se sabe bem do quê, lá onde se caminha para o nada mais absoluto.


Mais infinito, menos infinito – o domínio do apetecível intangível, onde a intuição antecipa a realidade, onde a poesia se abeira e encontra a limpidez absoluta, o reino em que o tudo e o nada se tocam: dos mais belos e intangíveis conceitos matemáticos, um devir em que a matemática se cruza com a física e com a religião.

Teoria do Caos

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> Números naturais, números negativos, progressões, espaços - tudo conceitos abarcados pela matemática
  • E qual a probabilidade de eu acertar na chave do euromilhões fazendo uma aposta simples?

  • E, na actual conjuntura, qual o risco de o sistema de aposentações entrar em ruptura?

  • E, para um determinado percurso de um determinado autocarro, qual o horário óptimo para que as pessoas à espera em cada paragem caibam dentro do autocarro e esperem no máximo cinco minutos?

  • E qual a altura máxima de um muro para que não faça sombra nas pessoas que passam a uma determinada distância?


  • … e poderia continuar, exemplificando com situações concretas que encontram resposta nas diferentes áreas da matemática.
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O resultado nacional dos exames revelou uma vez mais que os estudantes portugueses não gostam e não percebem de matemática. O resultado foi negativo e isso é tão triste como o facto de os resultados a português serem igualmente negativos.

Ora estamos no domínio dos chamados fundamentals, daquilo que está na base da matriz cultural do indivíduo. Falhando estes dois pilares, o que fica? Espuma.


Claro que não se espera que todas as pessoas consigam colocar em equação todos os problemas ou dominar a trigonometria ou a teoria das probabilidades ou o cálculo actuarial. Claro que não. Mas que se perceba que questões da natureza que coloquei são passíveis de ser resolvidas de forma objectiva, é da máxima relevância. Não se percebendo isso, ficar-se-á à mercê da estupidez, deixando que as coisas aconteçam por si, deixando que gente ignorante tome decisões com base no arbítrio e não na racionalidade.

Além disso, gostar de matemática é uma coisa fácil de induzir pois são tantas as aplicações do dia a dia, tantos os jogos, que só o desleixo continuado tem levado a esta situação de ignorância primária em que os jovens não percebem para que serve a matemática e, como tal, desligam. Declaram que não gostam e não estão nem aí, perante a passividade e a indiferença obtusa dos pais e da sociedade em geral.


Além do mais, a matemática, para além da vertente utilitária, tem uma outra vertente que é essencial para a formação do raciocínio. Em matemática aprende-se a perceber o que é essencial, a eliminar as redundâncias, a colocar em evidência o que é determinante, a detectar os vícios de raciocínio. Há uma componente lógica que conduz no sentido da clareza, da pureza. E isto é um bem para a vida.


Ontem vi na televisão uma entrevista a um grupo de jovens, jovens até com bom aspecto. Dizia uma rapariga com a maior naturalidade: 'Eu deixei de estudar porque estudar não serve para nada, tenho colegas que estudaram e não arranjaram emprego'. Um amigo corroborava: 'Os canudos já não servem para nada.' E riam, satisfeitos com a opção que seguiram, o abandono escolar.


Fiquei perplexa. Rapazes e raparigas na maior ociosidade, ar descansado, atribuindo ao conhecimento um valor futilmente utilitário, e, como tal, no presente, atribuindo-lhe nenhuma utilidade - se estudar serve para ter um canudo e se os canudos hoje de pouco servem, então para quê aprender?


E assim se retrocede na civilização, desprezando o valor intrínseco do conhecimento.

Questões como estas são, para mim, as questões de fundo no desenvolvimento da nossa sociedade.

Enquanto existirem jovens a pensar assim, por maus, irreversivelmente maus caminhos vai o país. A ignorância, a estupidez, o laxismo são cancros que se auto desenvolvem na sociedade.

Combater este estado das coisas deve ser uma das grandes prioridades nacionais.

Quando ouço falar com desdém no dinheiro gasto nos programas de modernização do Parque Escolar no tempo de Sócrates fico incomodada. Todo o dinheiro que se gaste em boas instalações, em boas condições, com boa arquitectura, bons projectos de engenharia, boa construção, para acolher os jovens nas escolas é bem gasto (e não é apenas a economia a funcionar dando emprego a mão de obra na construção civil, na indústria dos materiais de construção, etc, que bem útil é).

Escola Domingos Sequeira, Leiria, um caso exemplar
Projectos de arquitectura e de engenharia portugueses tal como os restantes projectos

As escolas têm que ser os locais onde os jovens se sintam bem, que tenham orgulho de frequentar, devem ter bons laboratórios, boas bibliotecas, bons espaços para trabalharem em conjunto, têm que ser locais de convívio e aprendizagem. E os professores têm também que gostar de lá estar, têm que ter condições para um trabalho digno e nobre.


Não sei bem como é que será possível dar a volta a isto tudo. Com o mundo de gatas, com a Europa entregue a um bando de frouxos que se deixam governar por um par de jarras do mais míope, conservador, burocrático que existe, com o País entregue a uma rapaziada que gere o curto prazo sem conhecimentos para mais, com uma sociedade abúlica e tendencialmente inculta – como pegar no país e colocá-lo em cima dos carris do conhecimento, como dignificar o papel do ensino, como explicar que o conhecimento da língua, o conhecimento da matemática são bens essenciais, como conduzi-lo em direcção a um progresso humanista, de liberdade, de desenvolvimento?

Não sei - mas um dia destes, em conjunto, teremos que pensar nisso.

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[Já aqui falei anteriormente de matemática, fazendo o paralelismo com a poesia, num post em que considerei que a poesia de Pedro Mexia tem a racionalidade e a pureza ascética da matemática, ou aqui em que remeti para o paralelismo com a escultura, a fotografia pura de Robert Mapplethorpe - e não poderia haver melhor dia para voltar ao tema que hoje, data do 112º aniversário de Jorge Luís Borges cujos labirintos têm o enredo dos grandes enigmas da matemática pura] 

7 comentários:

Isabel disse...

É muito triste os nossos jovens, futuros homens e mulheres deste País viverem iludidos. Desde quando o saber/conhecimento deixou de ser importante na vida de um ser humano? Provavelmente é lhes dado tudo, porque para eles o ter é mais importante que o ser.
Tenho dois filhos homens, de quem me orgulho pelo que são.
Estudaram, não perderam nenhum ano e gostavam de matemática. Um deles é formado em Matemática Aplicada à Estatística e Investigação Operacional.
Quero acreditar que os meus principes, os meus nétinhos vão seguir o bom exemplo do pai e do tio.
Desejo-lhe um bom serão!
Isabel

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Se o seu filho estudou Matemática e, ainda por cima, aplicada à Estatística e Investigação Operacional tem, com certeza, uma boa cabeça e é, com certeza, boa pessoa...

E quando as crianças têm bons exemplos e recebem, de pequenos, o gosto pela aprendizagem, já é meio caminho andado para que venham a ser adultos interessados, cultos, motivados.

Na minha casa sempre se leu muito, os livros andavam a par dos brinquedos e, de sempre, as crianças se habituaram a manusear livros. Ainda antes de saberem ler os livros já eram uma boa companhia para diversão e aprendizagem. Agora os pequeninos já vão pelo mesmo caminho, há sempre livros no meio dos brinquedos.

É todo um percurso consistente que tem que ser percorrido - começa em casa, passa pela escola e volta a casa. Todos, em conjunto, somos responsáveis por incutir esse gosto e essa necessidade.

Obrigada pelas suas palavras, Isabel, e obrigada pela visita. Venha sempre.

Boa noite para si também.

A Matéria dos Livros disse...

A Matemática foi a minha disciplina preferida, até ao 9º ano; depois tive de escolher: Português ou Matemática. Escolhi a literatura, a amada poesia. Nunca me arrependi, mas tive muita pena de deixar a matemática e, ainda hoje, lhe sinto a falta.
O prazer de pensar é realmente cativante.
Talvez a resistência ao Português e à Matemática se devam a essa ideia de que o conhecimento deve ser, antes de mais, uma coisa utilitária. Para que servem? Para sermos melhores, mais felizes e mais aptos a contribuir, modestamente, para um mundo melhor. Uma resposta destas ainda faz algum sentido?

Um bom fim-de-semana!

Um Jeito Manso disse...

Olá, Leitora agora Fantasma,

Concordo integralmente com o que diz.

Uma coisa curiosa é que muitos matemáticos (e físicos também) gostam e muito de poesia. É que a matemática reduz a matéria à sua essencialidade, de uma forma elegante, ignorando as redundâncias e as 'desonestidades mentais' (ou artifícios de estilo ou vícios de raciocínio).

A matemática, como a poesia, é a 'coisa' no osso mas de uma forma perfeita, equilibrada, completa.

E tem toda a razão: as razões mais nobres para se gostar de matemática, da língua mátria, de poesia (e, também, da física, e da história, e da biologia, etc)deveriam ser o prazer de conhecer, o prazer de desfrutar o conhecimento, o prazer de, tendo assimilado os conhecimentos, ficar-se mais apto a melhor perceber o mundo, adquirindo ginástica e destreza para desbravar novos caminhos.

Penso que esta é uma pedagogia que nós todos deveríamos levar a cabo.

O mundo está a ficar uma treta e muito porque tem vindo a ser governado por gente ignorante, que despreza o conhecimento e que, como tal, não o sabe valorizar.

Bom fim-de-semana e boa matéria dos livros!

(Não percebo aquilo das pastas, o horror que lhe despertam, mas presumo que se refira às maçadas burocráticas da sua função... E acho bonita a rendinha da prateleira)

Fio-Nuvem disse...

As mesmas questões que eu (uma espécie particular de matemático) me deparei quando me comecei a apaixonar pelo 0, o menos e o mais infinito.

Quanto ao "caminho", é complicado. Dou-lhe apenas a seguinte pista:

Cinco Milhões de Infinitão

Bjs

Um Jeito Manso disse...

Olá Fio que vai até às Nuvens,

Já li os milhões de infinitões que quantificam os afectos do seu núcleo mais chegado. É engraçado incutir nos meninos o sentido numérico e o prazer de pensar 'fora da caixa', levando o pensamento e os sentimentos até lá, onde os limites se esvaem.

Não sei o que será uma espécie particular de matemático. Investiga um tema em particular, é isso?

Seja o que for, reconheço: percorrer os caminhos que vão do zero até um qualquer ponto no sentido do infinito não é fácil.

Mas desejo-lhe a si, à sua amada T. e aos seus filhotinhos, infinitões de felicidades!

Fio-Nuvem disse...

Sim, sou um tipo de matemático: chamado cientista da computação ou de computadores, vulgo "informática", que é um termo menos rigoroso e mundano :)

Um computador funciona com software (programas) e hardware (parte física): o software (cada programa) não é mais do que uma formulação matemática indicando como o hardware deve funcionar. Em termos muito simples, é isso.

Obrigado --- sim cá em casa a escala do amor, principalmente nesta altura em que os garotos são pequenos, mede-se em milhões de infinitão --- e igualmente para si e os seus.

Bjs