sexta-feira, maio 13, 2011

A culpa é do Sócrates? É do Passos Coelho? Do Portas? Do Louçã? Do Jerónimo de Sousa? Do Santana Lopes? Do Durão Barroso? Do Guterres? Do Cavaco?... É minha? ... e sua não é? De quem é a culpa desta crise?

Ao longo de anos fomos aceitando mais ou menos acriticamente que os programas da agricultura e pescas fossem negociados com Bruxelas e impostos em Portugal.



Aos poucos (já aqui o referi várias vezes), ao longo de anos, ao longo de governos (PS, PSD, por vezes com o CDS lá dentro), fomos aceitando que os campos ficassem por cultivar a troco de dinheiro (os famigerados programas de set aside), fomos aceitando que a frota pesqueira fosse sendo abatida.


Muitos postos de trabalho, directo e indirectos, se perderam (porque quando se acaba com a agricultura, acaba-se também com fábricas de adubos e pesticidas, com fábricas de embalagens, etc, quando se acabam com fábricas, acaba-se com outras indústrias e serviços a montante e jusante). E, além disso, passámos a substituir produção própria (cujos excedentes se poderiam exportar) por importação directa.

A política de subsídios que nos foi imposta (ou que sucessivamente negociámos mal – não sei) tornou-nos num povo quase totalmente dependente de importações.

Claro que, com isto, a balança de trasacções se desequilibrou.

Ao longo dos últimos anos, de políticas sucessivas, com vários governos (PS, PSD, por vezes com o CDS lá dentro), todos os bancos (que são supervisionados) desincentivaram a poupança, incentivaram o consumo.

As pessoas passaram a achar normal não apenas não poupar como gastar como se fossem abastados ‘burgueses’.


De repente, toda a gente passou a ir de férias para Punta Cana, Porto de Galinhas, Havana, Istambul, etc.

As pessoas passaram a achar normal que numa casa, quem tem mais que 18 anos, tem carro. As pessoas passaram a achar normal que haja plasma ou lcd na sala, na cozinha e no quarto de cada filho, que cada pessoa tenha o telemóvel último grito, quando não mais que um por pessoa. As pessoas passaram a achar normal comprar uma máquina de fazer comida por 1000 euros ou mais. E por aí fora, tudo pago em mensalidades geralmente com elevadas taxas de juro.



As pessoas passaram a achar normal que os filhos, enquanto estudam, tenham mesadas que lhes permitem ir de carro para a faculdade, irem jantar fora com os amigos, irem ao cinema, ao futebol, sair à noite bebendo várias bebidas por noite e, sempre que os há, irem a concertos.



As pessoas passaram a achar normal que, para se casarem, tenham que gastar rios de dinheiro, muitas vezes a crédito, e que os noivos iniciem a sua vida em conjunto não com um pé de meia obtido de presente mas com luas de mel na Tailândia, Seychelles e outras extravagâncias.

As pessoas passaram a achar normal não mexer uma palha em casa (porque para isso é que pagam a empregadas), passaram a achar normal combater o sedentarismo provocado pela total ausência de esforço físico (andam de carro, passam o dia sentadas e, em casa, quando chegam, sentam-se à mesa e, da mesa, arrastam-se para o sofá) com idas ao ginásio que não é barato. E, assim, ao custo fixo do carro, da empregada, vão somando o ginásio e uma série de outros custos fixos, entre os quais as prestações dos cartões de crédito e as prestações da casa e do carro.

Ao longo de anos, com muitos governos, fomos aceitando que cada governo destruísse o trabalho feito pelo anterior, fomos aceitando que, na educação, se passasse a estudar menos, a exigir menos, fomos aceitando que os jovens se fossem desviando para cursos que em nada contribuem para que o país se desenvolva, fomos aceitando que jovens brilhantes com notas altíssimas e vocação para médicos fiquem de fora, enquanto mansamente assistimos a que se tenham que importar médicos de Espanha, de Cuba, da Colômbia.

Ao longo de anos, políticas sucessivas de vários governos (PS, PSD, por vezes com o CDS lá dentro), incentivaram as empresas a alavancarem-se financeiramente, desenvolvendo toda a sua actividade em cima de financiamentos bancários.

Ao longo de anos, políticas sucessivas de vários governos (PS, PSD, por vezes com o CDS lá dentro), incentivaram empresas municipais, institutos, fundações, e cargos de assessoria, e recurso a consultoria de toda a espécie, e subsídios sociais, e progressão na carreira de tudo o que é funcionário público, aumentos de ordenado e benesses, funcionários públicos com direito a uma ADSE que tem mais regalias do que os que trabalham para a privada e que são mais privilegiados com direito a Medis ou Multicare têm, e, com tamanho desgoverno transformámos o estado social num saco sem fundo, num excesso, numa anedota.

Ao longo de anos, muitos anos, fomos permitindo que os media se fossem tabloidizando, se fosse mercantilizando, futilizando, esvaziando, fossem perdendo a independência.

Ao longo de anos, muitos, muitos anos, fomos permitindo que a política deixasse de ser uma nobre causa, a casa dos eleitos, dos melhores, para ser um antro de interesses, de incultas, ocas e taticistas criaturas que papagueiam o que os assessores de imagem determinam.



Ao longo de anos, políticas sucessivas de vários governos (PS, PSD, por vezes com o CDS lá dentro), ninguém atendeu à trágica evolução demográfica: somos cada vez menos. A população não se renova, apenas envelhece. Ou seja, há um cada vez maior número de pessoas a depender de pensões e um cada vez menos número de pessoas a descontar para os fundos de pensões. Prevê o INE que dentro de 20 anos, serão 175 idosos para 100 jovens e que, a manter-se esta trágica decadência, no fim do século, seremos apenas 6 milhões de portugueses.

É a lenta extinção de Portugal.


Ou seja, o que aconteceu agora (de repente os cofres vazios) não resultou de nada em particular que tenha acontecido nos últimos tempos (ou melhor, acelerou-se nos últimos tempos fruto da crise internacional e, em particular, nos últimos meses, fruto da pressão especulatória dos ‘mercados’ muito incentivadas pelas pouco independentes agências de rating), o que aconteceu agora foi o chegar ao fim de uma linha que se vinha desenhando.

Não foi este, nem aquele, nem o outro, ninguém em particular: fomos todos, fui eu, foi você Caro Leitor.

Pensar que a crise foi da responsabiliade de alguém em particular ou que se desencadeou por acções dos últimos meses ou anos é, lamento dizer, pura miopia política.

Como sair daqui, back to basis, voltar a colocar os pés (e as mãos) na terra, produzir, voltar a não consumir para além das possibilidades, voltar a não estar totalmente dependente de realidades exógenas, essa é a grande questão.

Claro que agora, neste imediato curto-prazo, há que fazer um corte abrupto para ver se se conseguem equilibrar as finanças mas, em simultâneo, e mais importante, há que refundar toda a sociedade.

Há que repensar no que são os verdadeiros princípios que nos deverão nortear, há que rejeitar as palavras vagas e ocas de quem nos pretende governar sem estar preparado para isso, há que não alinhar mais em facilitismos, perceber que há que trabalhar, há que ser rigoroso, estudar antes de decidir, arriscar, persistir, lutar, ver mais longe.

Como é que isso é possível apesar das medidas europeias, eu não sei. Como é que isso é possível apesar da incompetente classe política que se instalou no país, também não sei. Mas é isso que tem que ser feito.

Coração português da fantástica e inovadora Joana Vasconcelos

2 comentários:

packard em rodagem disse...

olhe, foi o matar da fome de gerações e gerações...

Um Jeito Manso disse...

Matar da fome talvez possamos dizer isso, mas, se quisermos ser rigorosos, apenas o diremos em sentido metafórico. O que foi, foi uma desgovernação em sentido literal, o não fazer contas, o deslumbramento que cegou, o caminho do facilitismo, a visão de curto prazo, a falta de cultura em sentido lato, a falta de planeamento, tudo. Todos os partidos, (quase)todos nós, décadas disto (e até poderia recuar mais e falar em séculos mas aí já iria parecer fatalismo).