Transcrevo de ouvido. Dirigindo-se, na rua, a uma senhora que o procurou, com aquela sua voz que mais parece uma auto-imitação e, sobre o casaco que a senhora vestia, Cavaco disse: "Ah... é fofinho...". A senhora, desconcertada, "Sim, é, mas o senhor podia-me ajudar, tenho uma pensão tão baixa.". E Cavaco Silva, "Olhe sabe quem é esta senhora aqui? É a minha senhora." A transeunte, "Sim, eu sei". Mas Cavaco não desarma, "Sabe quanto é que ela ganha, depois de ser professora toda a vida? 800 euros. Sou eu que a sustento. Mas não me importo. Sabe porquê? Porque anda sempre ao meu lado, não anda atrás de mim.".
Mas que conversa é esta? O casaco da senhora é fofinho? Mas what the hell? Que conversa paternalista, ridícula. E sustenta a Drª Maria Cavaco Silva? E diz isso a uma senhora com uma exígua pensão? E sustenta a mulher? E fá-lo porque ela não anda atrás dele? Mas alguém descodifica este palavreado? A mim parece-me absurdo, demagógico, desapropriado de um Presidente da República. É que ele poderia ser um Coelho aventureiro, a divertir-se por aí: mas não, ele não é um simples candidato, ele é o Presidente em funções.
"Eu apoio o povo. Sabe porquê? Porque eu sou do povo!", acrescenta ainda Aníbal Cavaco Silva, talvez para que se saiba que não pertence à nobreza nem ao clero. Voltámos ao feudalismo.
E pior: sabendo-se que foi ele que deu à luz, amamentou (e baptizou) o monstro que é hoje o Estado, que foi ele que agora, como PR, tem vindo a promulgar as decisões governativas, como é que tem o despudor, o cinismo, de vir censurar as medidas para conter o défice? Com discurso inflamado, populista, invectivou o governo por ter sacrificado o povo (ao qual ele pertence, como diz), por ter poupado outros (quem? poderia ser mais explícito?). Ou seja, como Presidente em exercício, tirou o tapete ao Governo. Fica-lhe mal: de um Presidente da República espera-se que tenha um espírito superior, nobreza de caráceter, lealdade.
De facto, o homem de Boliqueime está a portar-se como um líder partidário populista a concorrer a umas legislativas, ou talvez nem isso, talvez apenas à Junta de Freguesia de Boliqueime.
De facto, está a portar-se como se não passase de uma Ana Avoila.
Deprimente.
PS: E, perante este quadro, uma vez mais me lamento publicamente - como é possível que não tenhamos alternativas viáveis?
Manuel Alegre não percebeu ainda o que é o cargo, Fernando Nobre acha que está perante um caso de calamidade em que a AMI tem que intervir (não é que estejamos muito longe disso mas, provavelmente, a precisarmos de ajuda, para já será mais do FMI que da AMI), o Sr. Lopes está apenas a fazer o número do costume, o Dr. Defensor Moura é firme, bem intencionado, corajoso e é um caso de intervenção cívica que é de louvar mas, sem apoios, não passa disso e o Sr. Coelho é um castiço que por aí anda na brincadeira.
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