segunda-feira, julho 12, 2010

Hoje, a mim

A mim - mas também a todas as mulheres que gostam de o ser.



(Georgia O'Keeffe)


O AMOR EM VISITA

(excertos)

Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento. Seus ombros beijarei.

E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
E em ti
principiam o mar e o mundo.

As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.

Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.

Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho
Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.

No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. E em cada espasmo
eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha. E em cada espasmo
eu morrerei contigo.

Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

Herberto Helder

(com as minhas desculpas por ter ocultado partes deste tão belo poema)

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