domingo, novembro 24, 2013

Cavaco Silva fez o inevitável: enviou para o Tribunal Constitucional, para fiscalização preventiva, o diploma da 'convergência' das pensões (estúpido eufemismo para 'corte' das ditas) e, face a isso, o Governo prepara uma alternativa (ou vingança?): novo aumento de impostos. E o violento aqui é Mário Soares...?!?! Poupem-me.



Até que nível de pobreza querem Passos Coelho e Paulo Portas conduzir Portugal?

O Ricardo Araújo Pereira no Governo Sombra é que classificou bem estas pessoas que - perante a devastação que o Governo de Passos Coelho e Paulo Portas sinistramente vem levando a cabo no País - criticam os alertas de Mário Soares, achando que o que ele disse no encontro das esquerdas foi um apelo à violência. Chama-lhes ele os mariquinhas da política. E diz que é como criticarem um tipo que, levando com um pingo de solda num olho, grita de dor ou solta um palavrão, ou seja, criticam o grito ou o palavrão ignorando que a causa foi o pingo de solda no olho.


Eu, que não sou do Norte, não me sinto muito à vontade a dizer palavrões e, por isso, fico-me por aqui porque, mentalmente, ocorrer-me-iam epítetos muuuiiiito menos carinhosos. Mariquinhas? Quais mariquinhas? Cobardolas - no mínimo.


Quanto mais quer Passos Coelho empobrecer-nos?
Tudo o que leio, tudo o que sei, tudo, tudo, me faz pensar que este Governo é perigoso, insensível, vingativo, e atenta contra a vida e a dignidade dos que trabalharam e deveriam ser respeitados e queridos, dos que trabalham e deveriam sentir-se motivados e confiantes e dos que deviam trabalhar mas não têm como.

Aos desempregados cortam o subsídio de desemprego, às crianças cortam o abono de família, aos doentes cortam as baixas, aos pensionistas cortam as pensões, a quem trabalha cortam os ordenados, aos jovens mandam-nos para fora do país. 


Cambada de vendidos, anti-patriotas. Cambada. Raios os partam.


Quando estaremos suficientemente explorados e pobres
 para que Passos Coelho e Paulo Portas se sintam saciados?
Toda a revolta que manifestemos é pouca. 

De facto, o que se está a passar é que o País está a ser arrasado e nós não passamos de um bando de carneiros mal mortos que não tugimos nem mugimos. E, mal alguém levanta a voz para se rebelar, logo aparecem as virgens ofendidas, as beatas de sacristia, os ratos de esgoto a protestar contra os que clamam. 

Como não clamar? Como?!

O País inteiro transformado num bando de cobardes...? Em ovelhas silenciosas a caminho do matadouro...? É isso que os Marques Mendes e os João Miguéis Tavares desta vida querem?

Ora caraças!

Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.
Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.


Bertold Brecht

PS: E onde pára o Tozé Seguro que não é capaz de vir a terreiro levantar a voz contra os Passos Coelho e Paulo Portas (que não desistem de atentar contra a Pátria de todas as pérfidas formas que lhes ocorrem) e atacar os mariquinhas da política que tão assustados estão com a violência das palavras de Mário Soares? Ou está também assustado...? Bolas.


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As fotografias a preto e branco são da autoria de Sebastião Salgado. Desconheço a autoria da fotografia  dos homens no meio do lixo

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo domingo.

(Nem que, para tal,
tenham que fazer de conta que já nos vimos livres da praga de que acima falei
e que já podemos respirar de alívio)

sábado, novembro 23, 2013

"Os escritores (também) têm coisas a dizer", e tantas que lhe disseram, a ele, o homem dos sete instrumentos e da Tinta da China, Carlos Vaz Marques. Hélia Correia fala do que é um grande texto e Agustina Bessa-Luís fala de pessoas frívolas: duas mulheres escritoras que concederam grandes entrevistas a CVM. Tang Chew Liang ilustra este post e Benjamin Britten acompanha.







Não há nisso uma certa queda para a misantropia?
Não. Acho que não sou nada misantropa. Amo bastante a raça humana. Mas é um amor mais abstracto do que concreto.
Amo mais a raça humana abstractamente do que depois as pessoas no seu corpo e com o seu volume, com o espaço que ocupam.

Um grande texto pode dizer as barbaridades que entende?
Pode. Em termos ideológicos, pode. E tem dito. Olhe, o Celine.

Hélia Correia
E o que é um grande texto?

Um grande texto, costumo dizer, é o que tem uma escrita holográfica. 

É o que, em vez de fazer a fotografia do real - que não me interessa -, consegue dar profundidades que eu não alcanço de outra maneira. Que só alcanço por aquela combinação de palavras que aquele escritor conseguiu. 

Está lá outro universo dentro. 

E porque, também costumo dizer, eu não quero que me contem histórias, eu conto-as a mim mesmo. Toda a minha vida é feita de histórias. 


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A Agustina é alguém que tem vindo a fazer uma espécie de levantamento dos estratos geológicos que são atitudes culturais das últimas décadas. Como é recolhe os sinais da mudança social de hábitos e de comportamentos?
No contacto humano. O ser humano é a minha grande escola, é a minha grande fonte de informação. É o meu arquivo, inclusivamente. Eu, por exemplo, aos cinco anos não gostava dos adultos porque os considerava falsos, mentirosos e hipócratas.

E ainda pensa isso?
Hoje penso, mas de outra maneira.  Porque não são só isso. Eles são isso como defesa, como simplificação. Hoje, por exemplo, dou muita importância às pessoas que são frívolas.

Porquê, o que é que a frivolidade nos dá?
A frivolidade é também uma forma de hipocrisia porque as pessoas não são aquilo. A pessoa, quanto mais frívola nos parece, mais esconde a sua natureza profunda.
Agustina Bessa-Luís

E porque é que dá essa importância especial aos frívolos?
Porque têm mais a noção da sua fraqueza e, portanto, têm de se revestir de qualquer coisa que se imponha - inclusivamente, de uma maneira chocante - mas que é, de certa forma, uma carapaça que os defende.


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Este livro, 'Os escritores (também) têm coisas a dizer", contém ainda entrevistas de Manuel António Pina, Dulce Maria Cardoso, Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe, Mia Couto, Antonio Tabucchi, Eduardo Lourenço e António Lobo Antunes.


Da mesma colecção comprei também agora 'Como Ler um Escritor' de John Freeman e do qual um dia destes darei notícias.

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A música lá em cima, interpretada pelo The Dragon School Choir acompanhado ao piano por Vicky Savage é de Benjamin Britten ( Lowestoft, 22 de Novembro de 1913 — 4 de Dezembro de 1976, OM, Barão Britten de Aldeburgh, compositor, maestro, violetista e pianista britânico), são excertos de Friday Afternoons:


3. Cuckoo! (Words by Jane Taylor 1783-1824)
10. Jazz-man (Words by Eleanor Farjeon 1881-1965)
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As imagens, Fashion in Leaves, moda com flores ou folhas, são da autoria de Tang Chew Liang de Kuala Lumpur.

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Peço-vos ainda o favor de descerem um pouco mais até aos excertos da frontal entrevista de Sobrinho Simões ao Público. São momentos assim que marcam os pontos de viragem.

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Resta-me desejar-vos, meus Caros Leitores, um belíssimo fim de semana.

"Este Governo fez uma espécie de destruição criativa: rebentou com tudo" diz Manuel Sobrinho Simões em entrevista ao Público




Transcrevo excertos do Público:

Manuel Sobrinho Simões é um dos cientistas mais conhecidos do país. Há quase 25 anos que o instituto que dirige, e fundou, é uma referência na investigação do cancro em Portugal.


Os anteriores governos do PSD seguiram a linha inaugurada por Mariano Gago. Este não fez o mesmo?
Este Governo fez uma ruptura, o que não aconteceu só na ciência. Mas na ciência foi mais grave, porque é um tecido relativamente novo. Fez uma espécie de destruição criativa: rebentou com tudo, esperando que, das cinzas, nasça algo de novo. Na ciência, não nasce.

O que perdemos já com a austeridade?
Perdemos muita gente. E perdemos esperança. Na ciência, apesar de tudo, os nossos jovens têm capacidade para serem contratados, no estrangeiro, mas vão muito feridos de asa e dificilmente voltarão.

Isto é responsabilidade de quem?
De uma política cega em relação ao ensino superior. O Governo não percebeu que não pode rebentar com o tecido universitário.

Como vê a proposta do Orçamento do Estado para o sector? 
É péssima, porque corta de uma forma cega. Não reforça as instituições que merecem e deviam ser premiadas.

Como vê as alterações que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) introduziu ao financiamento da ciência?
A FCT está de uma incompetência como eu nunca vi. Está a mudar permanentemente as regras e os prazos. Não há coisa mais difícil do que alguém planear a sua vida sem um mínimo de estabilidade. 

Qual a saída para o momento actual que vivemos no ensino superior e na ciência?
Não sei. Mas tenho a certeza de que não é com esta gente. O meu medo é que não seja fácil pensar com quem há-de ser. Não há tanta diferença assim entre os partidos do centro.

Quanto tempo mais aguenta o país o desinvestimento na ciência sem pôr em causa o que foi feito?
Não sei, e tenho muito medo de que aguentemos menos do que aquilo que as pessoas pensam. O Ipatimup aguenta mais dois ou três anos, depois acaba.

sexta-feira, novembro 22, 2013

Olhares novos sobre um mundo inteiro por descobrir. A beleza. O silêncio. A vida. [Brooke Golightly e Tara Donovan acompanham-me com o seu olhar de mulheres livres]



E depois há o que faz a diferença, o olhar limpo, a respiração que vem de um outro lugar, as palavras por descobrir, os sons brancos de um outro território, o céu imenso, os sonhos todos. 

Que (escondidos na sombra, amargos e violentos) apontem os sujos dedos, que enterrem as flores, que soltem os mais temíveis instintos. 

Sem medo, um só límpido olhar os deterá.

Na dobra de uma pedra, na terra coberta de musgo, no coração de uma árvore, numa nuvem distante e efémera, na timidez de uma palavra que se resguarda, no gesto suave que o coração dita, se esconde a beleza que dá sentido à vida. 

Quem não conhece os enigmas suaves da terra ou os murmúrios que sobem do fundo do mar jamais voará e a esses um só límpido olhar os deterá.

E depois há os livros. Mil vidas nas folhas de um livro, mil segredos, mil paixões. 

Recebo-os nas minhas mãos, no meu peito, no meu ventre de mulher. Palavras como sementes. 

Sonhos soltos, afectos, choros silenciosos.

Quero voar embalada no voo de quem inventa palavras.

Levem-me, levem-me.

O voo, o sonho, a luz.

A raiz da carne, o cheiro doce do sangue, a leveza de um sorriso, a limpidez de uma lágrima, um abraço, um beijo, ou a vontade não concretizada. 

A beleza das coisas simples, o silêncio. O olhar diferente. Um olhar como se fosse o primeiro.

A vida. A vida inteira. 


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[Vendo o mundo de uma outra maneira, esculpindo os materiais do dia a dia]


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As fotografias são de Brooke Golightly

As esculturas são de Tara Donovan

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No post a seguir, já aqui abaixo, falo da revolta dos polícias, do encontro das esquerdas, da devastação passista e da vontade de a parar.

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Muito gostaria ainda de vos convidar a virem até ao Ginjal e Lisboa, onde hoje recebo a visita de alguém que andava arredio, Emerenciano. Pelas palavras dele vou eu falando também de tudo isto. A seguir chegam, por lá, dois amigos muito malucos, e assiste-se a um momento de verdadeira epifania, Jorge Palma e Rui Reininho.

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E, por hoje, é isto. Chove enquanto escrevo e está frio. Tempo bom para nos recolhermos.

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta feira.

Os manifestantes das Polícias invadiram a escadaria da Assembleia da República: estão prestes a ser transpostas as barreiras psicológicas? Foi um aviso? A inércia paralisante começa a dar lugar à revolta? - Enquanto isso, as Esquerdas Unidas pediram a demissão dos incompetentes que tomaram conta do País. (NB: As Esquerdas Unidas com o Tozé de fora, claro, que um pequeno sacristão não se mete em rebaldarias, ora essa...)



A revolta dos polícias - o regime passista a tremer


Quando ontem de manhã cedinho, ao raiar da alba, me desloquei ao meu heaven para instalarem uma central de alarmes ligada a uma empresa de segurança, fui conversando com os dois rapazes que faziam o trabalho. Contavam-me que numa zona industrial, na noite anterior, tinham sido roubadas as tampas metálicas da estrada, todas. E, pensando que eu conhecia bem as localidades do concelho, iam-me contando, sabe da Quinta não-sei-do quê? Entraram e, mesmo com os cães e pessoas lá dentro, roubaram tudo. E na Pedra não-sei-de-que-mais, entraram na outra noite numa moradia, as pessoas estavam no piso de cima e levaram tudo do piso de baixo. A GNR não pode fazer nada, não tem gente nem carros, sabe a gente disso e sabem eles. Não fazemos outra coisa senão andar a acorrer a toda a gente que tem sido assaltada nos últimos dias.

Ouço isto e sei que nada disto é inesperado, mas sinto uma impotência terrível. 

Já de manhã tinha ouvido na TSF que na Judiciária estão em greve às horas extraordinárias para protestarem contra a falta de condições e que já há investigação de crimes entregue a estagiários.


Não lutam apenas pelas suas condições de vida: lutam também pela deficiente segurança que prestam à população. 

E nós devemos apoiá-los.

Mas não é apenas a insegurança que grassa perigosamente. É todo o País que soçobra. Um país paralisado, sem políticas de racionalização e desenvolvimento, um governo que age à margem da lei, entregue a um bando de ignorantes sem princípios, um País em que as Universidades cortam relações com o Governo, em que os professores são tratados como marginais, em que os jovens qualificados o abandonam, um país em que a demografia definha para níveis insustentáveis - isto é o Portugal de hoje agonizando às mãos de Passos Coelho, Paulo Portas e comparsas.

Enquanto isso, para surpresa de todos, o invertebrado Olli Rehn, Comissário Europeu para os Assuntos Económicos, que não tem feito outra coisa que não defender a austeridade cega, apareceu a defender que é altura de pensar no crescimento e no emprego e diz que a Europa já pode “abrandar o ritmo de consolidação”. Nada que faça estremecer o implacável Passos Coelho e os papagaios que o apoiam, nada que os faça vacilar na aprovação do aborto que é o OE 2014 que vai asfixiar ainda mais este pobre Portugal.


Isto no mesmo dia em que se sabe que, hoje, antes da privatização dos CTT, já foi ultrapassado o objectivo fixado pela troika para as privatizações - ou seja, quando ficamos a saber que a injustificável privatização dos CTT e o que mais privatizarem acontecerá por opção política do Governo e não por imposição externa. Inqualificável. Imperdoável.


O tempo passa e não se vê maneira de este pesadelo acabar já que Cavaco Silva parece que está congelado ou a brincar às estátuas. Vê o declínio e a desagregação do País e não age, caraças. Mas pode ser que não seja por muito mais tempo porque um crime destes contra um país não pode continuar impunemente por tempo indeterminado.

Bolas para isto.


PS: Ouvi agora na televisão o Pacheco Pereira a discursar na Aula Magna. Muito bem. Um homem inteiro. Vertical e corajoso. 


quinta-feira, novembro 21, 2013

Homens do meu País, mas homens a sério, dos que os têm no sítio, façam soar os sinos a rebate por todo o País. Não é para anunciar o Natal, nem é para fazer publicidade aos Joe Boxers. É para acordar consciências e para tirar do torpor os que ainda acham que todo o atraso de vida que nos andam a impor nos é devido. [E, se vos ocorrer que a autora do Um Jeito Manso se anda a portar muito mal, eu desminto: não ando nada... face ao que me apetece fazer, podem crer que até ando muito bem comportada]


Depois de, no post abaixo, ter falado do rugido de Mário Soares, o velho leão, agora aqui cavalgo a onda e apelo a um levantamento.

Mas, nisto, os levantamentos, devem estar coordenados, nada de desafinanços, nada de gente a remar cada um para seu lado. Não, nada disso. Sincronização é indispensável. Por isso, vamos mas é a ensaiar.

Levantamento que é levantamento (e fico-me por aqui no que a levantamentos se refere - que a língua portuguesa é muito traiçoeira), começa por um toque a rebate. Sinos, portanto. Mas, para que se ouçam os sinos a tocar, de norte a sul, de este a oeste, os sinos devem ser tocados em simultâneo. 

Para tal, há que ensaiar. Por isso, proponho que a partir de agora, todos os dias, de manhã e à tarde, os homens (os homens habilitados para isso, claro) façam um intervalo nas suas actividades e se exercitem num número como este de que aqui abaixo dou notícia.


Show Your Joe





Trata-se de uma publicidade que está a causar muita polémica. Não sei porquê. Dizem que o Jingle Bells é um cântico religioso e mais não sei o quê e que adulterá-lo desta maneira é sacrilégio, que é não respeitar a pureza das tradições e sei lá que mais. Gente dada a picuinhices.

Eu, a ter que fazer alguma observação mais crítica, apenas referiria que não sei porque escolheram um homem de raça negra para usar uns boxers dourados e para ter o maior protagonismo. Não me parece justo para os branquinhos nem para os asiáticos que, aliás, até não estão aqui representados, coitados, até porque nestas coisas o que conta é a afinação e a atitude e não a dimensão dos atributos. 


[Tal como ontem referi não ter participação no capital social da Gato Preto, também hoje informo que não sou sócia da empresa de publicidade nem da que vende os boxers. Já agora, dizem eles, a propósito do anúncio: 

Show Your Joe - Jingle Bells men In Boxers. 'Ring' in the holidays with Kmart and Joe Boxer. Your definition of 'ring' however, is up to you.

Nem mais]


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Relembro que, num outro registo, poderão ver no post abaixo a minha opinião sobre a entrevista de Mário Soares à TVI 24 a propósito da iniciativa desta quinta feira na Aula Magna em defesa da Constituição e do Estado Social.


Gostaria ainda de vos convidar a fazerem-me uma visita no meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, onde hoje o Jorge Palma diz que me encoste a ele e eu obedeço depois de ter lido o poema de Armando Silva Carvalho.

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E, por hoje, resta-me desejar-vos, Caros Leitores, uma quinta feira em grande estilo.


quarta-feira, novembro 20, 2013

Mário Soares na TVI 24 com um Paulo Magalhães (perfeito) diz que Cavaco Silva deveria demitir-se dado que não defende a Constituição e que já nem pode ir à rua sem ser vaiado de tal forma está isolado no País. E que o Governo de Passos Coelho é uma desgraça completa para o País. E que amanhã na Aula Magna reunir-se-ão pessoas que, tal como ele, defendem o País antes que este caia no abismo. À beira dos 89 anos, o velho leão ruge como nenhum outro. Salve o velho guerreiro Mário Soares.


Controverso, sempre cheio de vida, determinado, intuitivo, patriota, polémico, conhecedor da vida e do prazer de a viver, irremediavelmente humano com os seus defeitos e qualidades, corajoso, um ser solar, uma árvore de grande porte, um leão cheio de nobreza, um guerreiro, um grande Homem - assim vejo eu Mário Soares.


Mário Soares vem de um tempo em que há a coragem de caminhar pela fé na força do caminhar, em que há confiança nos próprios passos, em que não há tíbios calculismos, gestos ponderados, jogadas de sacristia, paninhos quentes. Mário Soares vai à luta sem medir os riscos, confiante na sua força e na força dos amigos que com ele caminham.

Seria bom que os tozés* desta vida e todos os bem comportadinhos que gravitam em volta de timoratos sem carisma pusessem os olhos em Mário Soares. É de gente como Mário Soares que reza a história.

E não me venham falar na descolonização mal feita e em mil outros episódios. Mário Soares não é perfeito, é aliás completamente humano, e muitas vezes vi com alguma reticência alguns dos seus actos - contudo, está por demonstrar que, se ele não tivesse feito o que fez, as coisas seriam melhores. Seja como for, foi sempre o patriotismo, o supremo amor a Portugal, à liberdade, à democracia e ao desenvolvimento que o moveu. Portugal deve-lhe muito.


A caminho dos 89 anos, na situação de calamidade social, económica e financeira em que Portugal se encontra, Mário Soares não cala a sua voz e continua a lutar por Portugal com a força e a imponência característica do grande rei da selva. Só espero que o seu grito de revolta troe de lés a lés. Bem haja, grande Mário Soares. 



Agita-se e grita e canta
para lá da fronteira que desenhámos.
É apenas uma árvore,

extensão vegetal de luz,
celebrada dor, celebrada tinta
espalhando-se na página.

Partilhamos a sua agitação,
o seu grito, o seu canto, o seu transpirar,
como quem partilha um saber ocultado
.


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O poema é de Luís Quintais e, muito justamente, tem como título 'Fantasma'. De facto, não tenho dúvida de que estes rugidos de Mário Soares soarão como uma assombração à Bela Adormecida que repousa em Belém.

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(*) Para que conste: falei dos tozés, reportando-me a este PS abúlico que me enche de irritação. No entanto, há que não esquecer, bem pior que os meninos do coro do PS (que esses são sobretudo uma seca, que não são capazes de entrar de pé em riste em lado nenhum mesmo quando é caso é para os Bruno Alves desta vida entrarem ao estalo e à cabeçada a torto e a direito) são os perigosos ignorantes e perigosos vendidos que nos desgovernam e todos os que se acoitam à pala de tamanha incompetência, disso tirando partido. 


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NB: Escrevi 'salvé o velho guerreiro' e fui verificar se é 'salvé' ou 'salve' sem acento. A verdade é que não cheguei a nenhuma conclusão e, sobretudo, receei que, escrevendo 'salve', o que escrevi tivesse difícil leitura.

Ai a falta que me faz saber mais de língua portuguesa... Se o que escrevi não está correcto, por favor alguém me corrija, está bem?


Descobri uma placa com os meus mandamentos e já cá a tenho em casa. LIFE IS SHORT - BREAK THE RULES - FORGIVE QUICKLY - KISS SLOWLY - LOVE TRULY - LAUGH UNCONTROLLABLY - NEVER REGRET ANYTHING THAT MADE YOU SMILE. E uma outra com um statement que também diz o que eu penso: LIFE ISN´T ABOUT WAITING FOR THE STORM TO PASS. IT'S ABOUT LEARNING TO DANCE IN THE RAIN. Ora vejam lá se não são uma graça? . // . E, para o encantamento ser mais completo, acabo o meu dia com 'The heart of the tree', poesia dita por Jeremy Irons.





Hoje passei por um Gato Preto. Há que tempos que lá não entrava, talvez desde o último Natal. Não fui lá de propósito. Passei por lá, espreitei e vi umas placas que me prenderam logo a atenção. Sou de amores à primeira vista, tiro e queda. Nada a fazer. Depois, já vos contei, não sou de resistir às tentações: pintou, rolou.

Por isso, já aqui as tenho. 

Claro está que a parte chata estava para vir mas nada que não esperasse e para a qual, ao longo de anos disto, já não tivesse adquirido sobejas resistências.

Eu toda contente com as minhas placas e o meu marido: Mas o que é isto? Não és maluca, nem nada... Mas achas que ainda há sítio para mais porcaria? E achas que isso tem alguma coisa a ver com o resto da casa?

Respondi: Lots of sítios. E tem tudo a ver.

Depois, a ver se arranjava mais por onde pegar: Quanto é que isto custou? Andas a  gastar dinheiro com porcarias que não fazem falta nenhuma

Respondi: 70.

Exclamou logo: 70? 70 euros por uma porcaria destas?

Então acalmei-o, seguindo a táctica comunicacional do inteligente Passos Coelho que diz que vai aplicar uma taxa de 4.5% para depois dizer que é 3.5% e só para alguns e aí fica tudo muito contente: Não foi nada... foi só 38. 19 cada uma.

Já não disse nada. 

Pronto, desabafou.

Mas, enquanto eu andava a ver onde as havia de pôr, ouvia-o a ele, Sempre quero ver onde é que vais pôr isso... 

Nem respondi. Não vou em provocações. Já arranjei sítio: uma vou pôr na paredezinha de separação da cozinha da copa e a outra num recanto do pequeno hall que dá acesso à zona de serviço (cozinha, copa, despensa, arrecadação, casa de banho, etc). Ou seja, em sítios discretos mas dos mais frequentados da casa.

Mas ainda não tenho os meus problemas resolvidos, claro. Agora ainda hei-de ter que amargar para ele as pendurar. Já lhe disse que não é preciso nada de especial, uns miseráveis preguitos servem bem. Não me deu saída, Miseráveis preguitos... só parvoíces

Às tantas, se a coisa não se resolver até ao fim de semana, deito eu mãos à obra. Geralmente quando faço isso, ele enche-se de brios e a fingir que está chateado, diz: Sai daí que não fazes nada de jeito. Pronto, é o que eu quero ouvir. Para já vou esperar: pregar coisas na parede é pelouro dele.

Claro está que amanhã, quando ler isto, não vai achar graça nenhuma: Para que é me metes no meio da conversa!?! Que necessidade tens tu disto...?. Tenho. Sou extrovertida: gosto de desabafar em voz alta.

Ou seja, tão contente que estou com elas que as fotografei para vos mostrar - mas, claro, ainda estão no chão.

Mas agora digam-me lá vocês se também não as acham mesmo uma graça? São de chapa, com ar envelhecido. Estou apaixonada por elas. Não apenas têm a ver com a casa como têm tudo a ver comigo. Lindas.

(E, por favor, tenham o gesto de caridade de não me virem dizer que o que lá se diz são banalidades ou coisas sem interesse nenhum. Eu sou uma moça simples, contento-me com pouco e isto não é nada pouco, ora essa. A sério que estes é que são mesmo os meus mandamentos, quero lá eu saber daqueles que têm o de não cobiçar a mulher alheia, ora, como se eu fosse de cobiçar mulheres. Estes é que são bons. Todos. E quanto mais devagar melhor. E dançar à chuva também é do melhor que há.)


LIFE 
ISN´T ABOUT
WAITING FOR THE
STORM
TO PASS.
IT'S ABOUT
LEARNING TO

DANCE
IN THE RAIN.

(A pequena carpete de Arraiolos
é um modelo original do sec. XVII
e foi feita por mim na era pré-blogues)


LIFE IS SHORT
BREAK THE RULES
FORGIVE QUICKLY.

KISS SLOWLY. LOVE TRULY.
LAUGH UNCONTROLLABLY
AND NEVER REGRET
ANYTHING THAT MADE
YOU SMILE


[NB: Não tenho sociedade no Gato Preto]

*

A Ana Moura, lá em cima, canta 'A case of you'

*    *    *

Aqui chegada apeteceu-me ouvir poesia. Lembrei-me da bela voz de Jeremy Irons. E como ele aqui está giro. Gosto de ver homens vestidos assim, calças de bombazina, blusões largueirões e macios, roupa usada, um ar nonchalant, descontraído, cool, na boa, bem com a vida. E gosto de os ver com uma barbinha assim. Parecem transportar uma vida bem vivida, dar bons abraços, ser capazes de gestos de compaixão ou sedução. Ainda por cima a dizer um poema sobre árvores, sobre o coração das árvores, sobre a beleza pura das árvores minhas irmãs. Há lá coisa melhor?

(Talvez haja)




The heart of the tree


What does he plant who plants a tree?        
He plants a friend of sun and sky;
He plants the flag of breezes free;
The shaft of beauty, towering high.
He plants a home to heaven anigh
For song and mother-croon of bird
In hushed and happy twilight heard —
The treble of heaven's harmony —
These things he plants who plants a tree.

What does he plant who plants a tree?        
He plants cool shade and tender rain,
And seed and bud of days to be,
And years that fade and flush again;
He plants the glory of the plain;
He plants the forest's heritage;
The harvest of a coming age;
They joy that unborn eyes shall see —
These things he plants who plants a tree.

What does he plant who plants a tree?        
He plants, in sap and leaf and wood,
In love of home and loyalty
And far-cast thought of civic good —
His blessing on the neighborhood
Who in the hollow of His hand
Holds all the growth of all our land —
A nation's growth from sea to sea
Stirs in his heart who plants a tree.


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Muito gostaria ainda de vos convidar a visitarem o meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, onde João Vasco Coelho me leva a falar de amor. e a seguir ainda por lá há um momento quase mágico, o Estrela do Mar interpretado por Jorge Palma e Cristina Branco.


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E, por hoje, é isto. desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta feira. 
E não se esqueçam: beijem devagarinho. E quebrem as regras. 
E riam até não poderem mais. E etc.

terça-feira, novembro 19, 2013

Prof. Valadares Tavares, na TVI 24, no Olhos nos Olhos com Judite de Sousa e Medina Carreira, revela que, segundo estatísticas oficias do Ministério das Finanças, em aquisição de Bens e Serviços em 2012 se gastou mais de dois mil milhões de euros do que em 2011 (essencialmente em Institutos Públicos) - isto enquanto se reduziu a verba gasta com Custos com Pessoal. Porque é que nunca ninguém antes denunciou este escândalo?, pergunto. . . // . . . E, a ver se serve de exemplo, aqui deixo um filme com um macaco e dois tigres.


Com actividades extra-curriculares a meio do dia (como refiro num comentário mais abaixo, no post em que falo do roubo que sofremos in heaven - roubo de pequena monta mas que assusta na mesma), cheguei mais tarde ao trabalho, depois tive que trabalhar até cerca das 8 da noite e, portanto, quando estávamos a jantar, já deveriam ser umas 10 ou mais, nem sei, tivemos como companhia alguém que, por si só, é motivo de indigestão. Claro está que o meu marido decretou logo 'este gajo é que não!' mas eu, como toda a gente já deve ter percebido, não sou propriamente uma esposa submissa. Também não tenho pachorra para a as palavras sempre azedas e derrotistas de Medina Carreira mas estava lá o Prof. Valadares Tavares e eu quis ver o que tinha ele a dizer da gestão da máquina de Estado por parte do inteligente Passos Coelho.

Pois ainda bem que fiz finca-pé.

Palavra de honra que não sei que raio andam os totós do PS a fazer que parece que não há uma alminha que se dê ao trabalho de olhar para números e tirar conclusões. 

Nesta fotografia, Judite de Sousa, com ar sonhador,
 queixa-se de, por vezes,
lhe faltar inteligência emocional.
Hoje, tal como eu, fez um esforço para se controlar
e não ficar em transe ao ouvir
os desmandos que este desGoverno tem andado a fazer
Até Judite de Sousa estava passada 'Mas porque é que nunca ninguém disse isto?', perguntava ela tão espantada como eu.

O Prof. Valadares Tavares mostrou gráficos comparativos de 2012 face a 2011 e eu só me apetecia ligar um megafone à minha televisão e pôr-me a emitir aquilo em decibéis no limite do admissível para toda a cidade acordar e ouvir.


Mostrava ele em números que, a seguir aos ordenados, a segunda despesa maior dos gastos públicos é com a aquisição de bens e serviços. A isso os ignorantes do PSD na campanha eleitoral chamavam as gorduras de estado. Ora nem todos os bens e serviços são gastos desnecessários. Não. Aí caem as despesas de limpeza, de segurança, as rendas e a manutenção de edifícios e de equipamento, o licenciamento de software, a compra de livros, as despesas com viaturas, com deslocações, em assessorias, em comunicação, em pareceres, etc. Tudo isso, na dose certa, faz falta - e mal estaríamos se não houvesse gastos nessas naturezas de despesa.


O drama não está aí. O drama está em que, ao contrário do que aconteceu na rubrica de despesas com Pessoal, que diminuiu, aqui aumentou. Aumentou!!!!! Aumentou mais de dois mil milhões de euros!!!!

Ou seja, numa altura em que tantos esforços se pedem às pessoas, em que arrebanham dinheiro de toda a maneira possível e imaginária (cortando ordenados e pensões de reforma, aumentando impostos de forma escandalosa, reduzindo os subsídios de desemprego, de abono de família, etc), aqui não apenas não foram capazes de fazer poupanças como, pelo contrário, as aumentaram de uma forma inacreditável. 

Quando se analisa onde se deu este aumento, vê-se que, essencialmente, isso aconteceu nos Institutos e coisas do género (que, do que me pareceu perceber, têm gestão autónoma e em relação aos quais o controlo é incipiente). 

Porra! Passo-me com isto. Não era para gerir capazmente a máquina de Estado que aqueles imbecis iam fazer a Reforma de Estado? 

É que não fizeram nada, senhores, nada. 

Estou a escrever isto e só me apetece abrir a janela e chamar estúpidos, mil vezes estúpidos a estes palermas que nos desgovernam, mas chamar tão alto que fossem capazes de me ouvir a quilómetros de distância. Não apenas não foram capazes de reestruturar a administração pública, eliminando todos aqueles Institutos que diziam que estavam a mais (ou, no mínimo, geri-los), como, em 2012, os deixaram gastar mais 2.000.000 de euros que em 2011 (e isto já com os valores colocados numa base de 2012 para serem comparáveis).


Raios os partam, caraças!

Prof. Valadares Tavares
(aqui numa fotografia com ar de anos 30 - mas é só ar
porque o senhor ainda não tem idade para ser meu avô)
Dizia o Prof. Valadares Tavares que seria tão simples conseguir-se poupanças da ordem dos 10% nas compras já que há plataformas electrónicas (do tempo do Sócrates!) para fazer compras a valores negociados. E, digo-vos eu (read my lips) que, conseguir reduções de 10% ao comprar em catálogo negociado centralmente por forma a ter descontos de quantidade, é de caras.

Uma vez que se está a falar de um montante da ordem dos 15.000.000€ em Bens e Serviços, se tivéssemos uma poupança de 10%, teríamos menos mil e quinhentos milhões de euros em vez de mais de dois mil e tal milhões: ou seja, estaria a gastar-se quase menos quatro mil milhões de euros do que hoje. Ou seja, não seria preciso mexer nas reformas, nem nos ordenados da função pública, nem esbulhar a população inteira através de impostos.


Cambada de incompetentes! 

E cambada de incompetentes os anjinhos do PS que não são capazes de denunciar este escândalo! E cambada de anjinhos marretas também os Sindicatos da Função Pública que ainda não perceberam que é a denunciar escândalos destes que conseguirão desmontar as patranhas deste Governo e não a repetirem mil vezes os mesmos slogans. Caraças, que nervos que isto me dá.

Ai...!

///\\\

Para me animar, estive a ver umas coisas que não lembrariam ao careca (e isto não é piada para ninguém em particular) e que, se me permitem, aqui partilho convosco.

Dois tigres dão cabo de um macaco num ápice...?

É o dás.

Macaco que é macaco pode com todos os tigres, todos os tubarões deste mundo. Com determinação, engenho, agilidade e sentido de humor a ver se não se dá uma corrida em osso a uns pretensos valentaços que por aí andam. A ver se eles não metem o rabo entre as pernas e batem em retirada...

Bora lá...?

Pode ser que sirva de inspiração

(A qualidade do filme não é fantástica mas não faz mal)


*

Muito gostaria ainda de vos convidar a virem dar um passeio comigo no meu Ginjal e Lisboa. Hoje continuo com Jorge Palma, desta vez acompanhado pelo João Gil. E o poeta é o Pde. José Tolentino Mendonça que me leva pela noite como se me levasse para casa.

*

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça feira.

segunda-feira, novembro 18, 2013

Esquivas raposas, jogos de palavras, atraentes abismos, mulheres silenciosas, cúmplices nocturnos, distantes pontos de luz







Atravesso o tempo sem me deter a pensar. A vida assoma de longe ou abeira-se, o tempo foge umas vezes, ou suspende-se outras, e eu aqui, serenamente vivendo, caminhando, buscando os meus sonhos, sem pressa, degustando cada passo, cada olhar, cada palavra. O que é meu a mim virá. Os meus olhos percorrem as pequenas flores que renascem, as folhas que caem, as palavras que despontam, e sinto que este é o meu tempo - e tudo acaricio com o olhar.

O tempo é suave quando estamos em paz.

Estou aqui, escrevendo, e uma vez mais percorro o caminho que as palavras desenham. 

Quem de longe me espreita? Quem de longe me espera?

Não sei. Recebo um a um os que me visitam, e a todos estendo as minhas mãos. Venham, sentem-se aqui comigo, deixem-se ficar.

Vamos inventar um jogo. Chamemos-lhe o jogo das palavras. Começa um de vós. Uma palavra. Qualquer. Pode ser uma palavra qualquer. E depois outro inventa uma frase onde entre essa palavra. E depois outro diz uma frase onde entre uma das palavras que o anterior disse. E assim sucessivamente. Simples.

Vá, vamos brincar.

Vou dar um exemplo: eu podia dizer 'raposa'.

E depois um de vocês dizia uma frase que podia ser assim: eu ia num bosque e vi a espreitar atrás de uma árvore uma raposa de fulva pelagem e olhar arisco como o de uma mulher perigosa.

E uma de vós prosseguia, voz quase ciciada: Eu sou essa mulher perigosa que, quando a noite cai, atrai os solitários que atravessam florestas silenciosas.

E outro podia continuar, ar de quem conhece os alçapões da vida: A solidão é um abismo onde caem aqueles que fogem das mulheres silenciosas.

E outro ainda, ar de pensador, podia dizer: Ah, os abismos atraentes onde todos os amantes interditos querem mergulhar.

E outro, com voz cava, de quem sabe do que fala, dizia: As noites são perigosos abismos onde se escondem os que temem o fogo das palavras.

E aí interromper-se-ia esse ciclo porque a última pessoa  teria repetido uma palavra de ligação.

Como castigo teria que lançar outra semente. Por exemplo, poderia dizer: 'poeta'. E outro pegaria na semente e fá-la-ia florir no meio de uma frase.

Poderíamos ficar, assim, a noite toda, a desafiar-nos mutuamente, brincando com palavras, simulando a vida mas sabendo que estaríamos apenas a brincar com palavras.

Por fim, já estaríamos meio adormecidos, falando como se sonhássemos, as palavras já suaves como carícias, e o sono a chegar, um tule quase invisível, e um diria poemas, tanto que eu gosto de adormecer a ouvir poemas, e outro diria outros poemas macios como uma seda na minha pele, e outro diria apenas palavras soltas, sílabas, sons, pétalas soltas.

Quando a manhã começasse a raiar, um de vós pegar-me-ia ao colo e levar-me-ia já a dormir até à minha cama. Depois, um a um, pé ante pé, sairiam devagarinho até vossas casas. Na noite seguinte cá nos reuniríamos de novo.

Cúmplices, doidos, sereníssimos amantes das palavras.


E, se um dia, por acaso, nos encontrássemos por aí - talvez num bosque cerrado ou numa livraria, numa labiríntica livraria, talvez junto a infinitas estantes, perto de faunos voadores, rodeados de seres inventados daqueles que vivem dentro de livros - talvez nem nos reconhecêssemos.

Sim, não nos reconheceríamos de certeza porque eu sou uma mulher inventada, cubro-me com mil véus, saibam que com mil véus mesmo, e quando pensam que me conhecem, logo eu me escondo, porque quero ser apenas um sopro, um gesto, um ramo de palavras como se fora um ramo de violetas, uma mulher imaginária, uma esquiva raposa que se esconde no fundo de atraentes abismos.

E vocês, meus ternos cúmplices, são para mim apenas distantes pontos de luz. Mas nunca me faltem, por favor. Todas as noites aqui estarei, esperando por vós.


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Na escuridão da noite vos beijo e vos espero...

sou a raposa que se esconde
que se esquiva nos abismos
cubro-me de mil véus
(insisto nos mil véus)
porque apenas um sopro, um gesto um ramo de palavras me revela

sou a sedução e a espera
(o poema por assumir)
a fêmea imaginária
onde

apenas a mulher raposa se revela



['POEMA NÃO IMAGINÁRIO DE UM JEITO MANSO' da autoria de Era uma Vez em comentário aqui abaixo]


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  • A música é Tchaikovsky, Romance para piano 
As fotografias são respectivamente:

  • Merida [Iris van Berne fotografada por Tom Allen para a Harper’s Bazaar U.K.]
  • Editorial de moda: vestido Vera Wang, capa de pele de Basia Zarzycka, coroa de VV Rouleaux.
  • Karen Elson fotografada por Tim Walker para a Vogue UK de Dezembro de 2013
  • Campanha Chanel 1997

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Se descerem um pouco mais, poderão encontrar já a seguir o meu desabafo depois de uma ida a um posto da GNR para participar o roubo de umas coisas in heaven. A situação de penúria a que as forças de segurança estão a chegar é qualquer coisa que a todos nós deveria inquietar.

*

Muito gostaria ainda de vos convidar a irem até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, onde por lá hoje tenho o Jorge Palma com o Pierre Aderne cantando uma canção de amor e onde recebo uma vez mais Herberto Helder, o Poeta. Pelas palavras dele vou eu, exprimindo alguma melancolia - mas uma melancolia ardente.

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E por hoje já chega, não é? 
Resta-me desejar-vos, meus Caros leitores, uma bela semana, a começar já por esta segunda feira. 

domingo, novembro 17, 2013

A insegurança a alastrar. Andaram larápios 'in heaven', roubaram algumas coisas... e a GNR, impotente, não tem meios locais para agir (um único homem no posto e sem viatura). Alguém nos acuda que isto se está a degradar à força toda.


Este fim de semana quando chegámos, estava eu a abrir a porta de casa, o meu marido disse com uma voz inquieta ´'É pá, falta aqui a mesa'. Fui ver. Faltava a mesa grande de madeira, dois cadeirões de madeira, dois bancos desdobráveis de madeira, artesanato de Monchique, e, imagine-se, uma bilha de gás.

Estavam debaixo do telheiro. 

Deixaram lá ficar outra mesa com bancos corridos, um cadeirão duplo e outros bancos de madeira.

Os portões estavam fechados. Saltaram a vedação, devem ter encostado uma viatura e levaram aquilo. 

Não é que o prejuízo tenha sido extraordinário mas é a sensação de violação, de ter andado gente estranha por um território tão nosso, ter levado o que quis - e é o medo que um dia seja pior.

Uma coisa muito estranha. Alguém arriscar-se, violar propriedade alheia para roubar este género de coisas.

Não por acreditar que alguma coisa se resolva mas por uma questão de princípio, fomos fazer uma participação ao posto da GNR da vila.

Uma simpatia o guarda. Preencheu o formulário mas, desolado, informou-nos que ali no posto, como se podia ver, estava só ele. Que à meia noite viria um colega para o revezar e que ficaria igualmente sozinho. Que durante o dia, estariam os colegas da patrulha mas que também nada poderiam fazer porque, desde há uma semana, estavam sem viatura. O jeep de 20 anos tinha-se avariado e estava há uma semana para fazer orçamento, que, portanto, não fazia ideia de quando o teriam de volta. Ou seja, não apenas por falta de pessoal mas agora também por falta de viatura, estão impossibilitados de sair do posto. Que, numa emergência, ter-se-á que pedir reforços para a cidade e provavelmente, no meu caso, talvez em cerca de uma hora, chegue lá alguém. Acrescentou completamente impotente: 'É o que este Governo anda a fazer. Só falta, a seguir, não haver dinheiro para o combustível'.


Fiquei ainda mais assustada com a constatação de que a GNR, ali tão perto, se encontra atada de pés e mãos e de pouco nos poderá valer em caso de necessidade.

Que raio de Governo este, senhores. É tudo mau demais em toda a linha. Que incomodada isto tudo me deixou...

'Ascensão e Queda de Passos Coelho, versão 2.0', o artigo da revista Visão com a entrevista a Fernando Moreira de Sá onde se revela a influência das redes sociais no derrube do Governo de Sócrates e na construção da figura de Passos Coelho - e como os principais activistas foram depois recrutados para o Governo como assessores, secretários de estado, membros de comissões, etc. Ou de como a patranha e a ausência de ética alastraram como uma mancha infecta pelos corredores do Governo. A ideia terá partido do Relvas mas ele saíu do governo e a mancha lá continua (porque a falta de carácter é uma nódoa que dificilmente se limpa.). [A versão completa da tese de mestrado do dito Fernando Moreira de Sá, o Garganta Funda da campanha passista, ajuda a perceber os meandros do embuste em que assentou a vitória de Passos Coelho sobre Sócrates]


Depois de no post abaixo ter falado das chamadas de valor acrescentado para 'cenas' eróticas feitas na minha empresa durante um certo período a partir de um telefone muito suspeito, aqui, agora, falo de pornografia a sério, hardcore mesmo, obscenidades puras e duras.

Sei que o assunto já não é novo mas esta semana as notícias passaram-me um bocado ao lado - e este tema é tão cabeludo que me custa seguir em frente sem a ele aqui me referir.

Vou agora falar dos embustes sobre os quais nasceu o governo de Passos Coelho: mentiras, falsidades, falácias. Hoje a verdade começa a vir acima e começa a ser claro qual o carácter das criaturas que enganaram os eleitores para se alaparem no Governo, aparentemente para fazerem o jeito ao sector financeiro e sei lá a quem mais. 

Vou mostrar como a turma do Passos e do Relvas arquitectou toda uma manipulação massiva, sem ética, sem vergonha na cara. Toda a gente deve estar ainda lembrada de como uma matilha assanhada espalhou boatos, aldrabices, acusações, injúrias no tempo em que Sócrates era Primeiro-Ministro. Esta matilha arquitectou e conjurou, manipulando a opinião pública, levando-a a desenvolver um ódio irracional e acéfalo a José Sócrates. Muito desse ódio ainda subsiste em algumas pessoas, tão fundo a bactéria foi inoculada.

Um dos envolvidos, Fernando Moreira de Sá,  resolveu agora fazer uma tese de mestrado sobre o que se passou. É sobre isso e sobre a entrevista que deu à Visão, e de que muito se falou ao longo da semana, que eu quero que fiquem gravadas na pedra de Um Jeito Manso algumas referências.


Transcrevo uma parte da entrevista que obtive num outro blogue:

- Como faziam a campanha suja (designadamente do caso Freeport) contra Sócrates?


A contra-informação era a praia do grupo [de Passos Coelho] à volta de Sócrates. Tínhamos nick names para as redes sociais, perfis falsos no Facebook e por aí adiante, mas éramos uns meninos do coro comparados com os tipos dele. Não há virgens nisto: em qualquer campanha eleitoral, existem centenas de perfis falsos, mas perfis com «vida», que incluem fotografias de «família», «clube de futebol», «gostos», etc. O segredo é ir pedindo «amizade» a pessoas da política e alargar os círculos de «amigos». Se deixarmos uma informação sobre o caso Freeport num perfil falso e ele for sendo partilhado, daqui a pouco já estão pessoas reais a fazer daquilo uma coisa do outro mundo. 

A central de contra-informação passou-se para o Governo após Passos se ter alçado a São Bento?


  • Álvaro Santos Pereira, do Desmitos, foi para ministro da Economia; 
  • Carlos Sá Carneiro entrou para adjunto do primeiro-ministro; 
  • Carlos Abreu Amorim para deputado e vice-presidente do grupo parlamentar; 
  • António Figueira, do Cinco Dias, e de esquerda, foi trabalhar com o Relvas; 
  • Francisco Almeida Leite para o Instituto Camões; 
  • Vasco Campilho foi para algo ligado aos Negócios Estrangeiros; 
  • José Aguiar para o AICEP; 
  • Pedro Froufe para a comissão de extinção das freguesias; 
  • o CDS também recrutou no 31 da Armada. 
  • Houve outros. Só em ministros, secretários de Estado e assessores foi uma razia em blogues como o Albergue Espanhol, o 31 da Armada, Delito de Opinião, O Insurgente, o Blasfémias, etc.



[Acrescento um dos outros: António Nogueira Leite que foi para a CGD.]



- Como funcionava a central de contra-informação?

Por exemplo: existia um mail acessível a um grupo fechado, através do qual recebíamos informações, linhas gerais, provenientes de quem estava a preparar o programa do Passos. No início, nem sabíamos quantos éramos. Cada um desenvolvia aquilo, nas redes sociais e na blogosfera, à sua maneira. Utilizávamos isso no Fórum da TSF, no Parlamento Global, da SIC, no Twitter, etc. No último confronto televisivo entre os três candidatos à liderança [Passos, Aguiar Branco e Rangel], condicionámos o debate. Só eu tinha três computadores à minha frente, em casa, além do telemóvel. Antes do debate, já tínhamos tweets preparados para complicar a vida ao Rangel. Nos primeiros minutos, começámos a «tuitar» como se não houvesse amanhã, dizendo que o Rangel estava nervoso e mais fraco do que o esperado. Criou-se um ambiente negativo que se propagou rapidamente. Ao fim de cinco minutos, ríamos até às lágrimas! Até opinion makers repetiam o que dizíamos! E o debate tinha apenas começado...”


Em que consistia a contra-informação?

“(…) Havia voluntários a defender as posições do Passos, mas sobretudo a atacar o Governo PS, no Fórum da TSF, na Antena Aberta, da RDP, e nos debates dos canais por cabo. Alargou-se a influência mediática. (…)”

***

Não transcrevo mais pois acho que o que se lê acima é mais que suficiente para se perceber a imundície que esta gente lançou sobre um homem, Sócrates, e como, desta forma, conseguiram forjar uma alternativa que, como se tem visto, não passa de uma construção barata, uma contrafacção, uma nulidade. Passos Coelho e um grupo de gente sem princípios, sem competência, sem conhecimentos, sem ética não têm feito outra coisa senão destruir o País.

Pode dizer-se que quem votou em Passos Coelho foram dois milhões de pessoas e não este bando de artistas, estes farsantes encartados. Certo. Mas a verdade é que foi, em parte, este bando que minou, a partir das redes sociais, toda a comunicação social. Uns como comentadores, outros como jornalistas, outros simulando serem cidadãos anónimos foram propagando mentiras que se espalharam viralmente pela sociedade. Toda a gente repetia as suas aldrabices como se fossem verdades inquestionáveis. Em contrapartida, Passos Coelho aparecia como uma alternativa credível.

Quando a estratégia resultou e Passos Coelho e Miguel Relvas foram para o poder, esta matilha foi recompensada, passando a pisar os corredores do Poder.

Mas fraca recompensa. Ter participado nisto e pertencer à entourage do Governo ou dos governantes de Passos Coelho vai ser, no futuro, uma nódoa que não saberão como limpar.

O País, como se vê, não tem feito outra coisa senão retroceder financeira, política e socialmente - todos os dias assistimos a como está a desfazer-se às mãos desta gente sem escrúpulos e sem um mínimo de competência. Difícil será perdoarmos-lhes o que nos estão a fazer.

*

João Garcia, no Expresso deste sábado, conta como o Secretário de Estado da Cultura acaba de contratar para seu adjunto um rapaz do PSD com 24 anos que a única coisa que fez na vida até hoje foi ser estagiário numa rádio e ter lá trabalhado durante meia dúzia de meses até ser contratado como funcionário do PSD - e que, pasme-se, vai agora ganhar o mesmo que um coronel, mais do que um juiz, o dobro do que um professor efectivo em início de carreira. Um Governo de gente inapta, descarada, sôfrega pelo Poder.


O País a arrastar-se penosamente enquanto na sua cúpula temos a gente mais ignorante, mais impreparada, mais amoral, mais sem vergonha de que há memória. Isto dá-me náuseas. Mas uma coisa é certa: na fraca medida das minhas possibilidades tudo farei para lutar contra o fim deste pesadelo. Portugal e os Portugueses merecem mais do que esta peste que nos caíu em cima.

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Para quem esteja interessado na leitura da Tese na íntegra, pode ser lida aqui pois foi colocada pelo próprio Fernando Moreira de Sá (uma espécie de Garganta Funda) no blogue Aventar.


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As imagens escolhidas, obra de artista, são bonitas demais para estarem aqui, no meio desta lama. Contudo, quis, meus Caros Leitores, tornar-vos menos penosa a leitura de assuntos tão pouco limpos. Por outro lado, não são imagens verdadeiras embora o pareçam: não direi que sejam um embuste mas a verdade é que resultam de photoshop e são da autoria do romeno Caras Ionut.

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Relembro que para chamadas eróticas de valor acrescentado é descer até ao post seguinte.

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E, por hoje, é isto. Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo domingo.

Funcionário gastou mais de meio milhão em chamadas de valor acrescentado de telefone da Segurança Social - e eu, a propósito, recordo um episódio com chamadas para linhas eróticas passado na minha empresa há anos atrás. Ele há coisas... - é o que vos digo.


A notícia de que um funcionário da Segurança Social gastou para cima de meio milhão de euros em chamadas de valor acrescentado a partir do seu telefone de serviço, nomeadamente em chamadas para aqueles concursos em que se ganha dinheiro (tendo chegado a ganhar algum), fez-me lembrar um facto que se passou na empresa onde eu trabalhava há uns anos atrás.

Tínhamos mudado de edifício e tínhamos uma central telefónica nova, daquelas em que cada extensão é um número completo de telefone. Antes disso estávamos num enorme edifício, multi-empresa, e um conjunto de despesas comuns não passava por mim. Mas ali, naquele, em que estava apenas uma empresa, algumas despesas eram geridas pelos meus serviços. Uma vez, um colaborador meu veio alertar-me para que as facturas de telefone estavam muito altas e que aparecia uma parcela estupidamente alta de chamadas de valor acrescentado.

Na altura isso ainda era relativamente novidade. Pedi para me saberem de que se tratava. No meio de risos, vieram, depois, dizer-me que eram chamadas para 'canais' (ou números - nem sei como dizer) pornográficos. Fiquei verdadeiramente estupefacta. Sendo que apenas administradores e directores tinham gabinetes individuais e que o resto das pessoas estava em salas de tipo open space, como seria possível que alguém se pusesse a fazer chamadas dessas no meio de toda a gente?

Dado que a verba era mesmo muito alta, avisei o presidente, gestor conceituadíssimo, muito conhecido, de quem, de resto, era muito próxima, com quem tive sempre relações de confiança e respeito mútuo. Por um lado, achou alguma graça à história mas, por outro, mostrou-se indignado com o abuso e achou muito bem que eu pedisse ao operador de comunicações a factura detalhada para perceber de que extensão e a que horas isso acontecia.

Foi feito o pedido (agora as facturas já são, por defeito, fornecidas com todo o detalhe mas, na altura, a menos que se pedisse, o que vinha eram as parcelas com os totais, não se percebendo a extensão de origem). Levou algum tempo. Entretanto, pedi ao meu colaborador que espalhasse a informação de que tinham acontecido uns abusos e que íamos averiguar para que, quem fosse, parasse com isso.

Quando veio a factura, pedi a esse meu tal colaborador que visse o que se passava mas para não dizer a ninguém senão a mim. Era óbvio que alguém ia ficar em maus lençóis e, antes de se agir, teria que se ver como abordar o assunto. Avisei o presidente disto mesmo e ele achou bem.

Qual não é o meu espanto quando esse meu colaborador me entra no gabinete com cara de caso, ar apardalado, como se estivesse um bocado inibido ou assustado, nem percebi bem mas, agora que estou a escrever, ainda parece que o estou a ver, papéis na mão, quase sem saber o que dizer. 

Então? 

Respondeu-me, Não vai acreditar

Então?, e eu já estava a ficar nervosa. De repente pensei Querem ver que é o meu número? Que, quando eu saio, alguém vem para aqui?

E ele, Acho que é melhor esquecer. 

Então?, e eu já mesmo preocupada. Diga. Quero saber. 

Então disse-me o número.

Fiquei branca. O quê???, sentei-me. 

Pois. É muito estranho.

Era o número do presidente. 

Fiquei quase sem articular palavra. Não pode ser. 

Ele disse, Pois, também me parece que não pode ser

E então mostrou-me. Eram chamadas e chamadas, à meia hora de cada vez, chamadas que começavam lá para as 9 ou 10 da noite. 

Não pode ser ele, dizia eu. E a essa hora? Serão as empregadas da limpeza?

Ele estava passado como eu mas disse-me, Doutora, as empregadas? Vêm em grupo, querem é despachar-se para ir para casa, não estou a vê-las, coitadas, a sentarem-se à secretária dele e porem-se a fazer dessas chamadas. Mas já não digo nada. 

Fiquei sem saber o que fazer. Tinha dito ao presidente que o informaria para vermos o que fazer mas como iria eu dizer-lhe aquilo, caraças...?

O meu colaborador aconselhou-me, Doutora, esqueça, diga que não recebeu a factura. 

Fiquei ali um bocado sem saber o que fazer.

Mas depois respirei fundo e fui ter com ele. 

Já chegou a factura detalhado, já sabemos de que telefone têm estado a ser feitas aquelas chamadas. 

E ele, Sim? Então de onde é?

Imagine: Daqui.

Soltou uma gargalhada, Daqui?!? 

Respondi, Daqui. De noite. Já viu o disparate?

Chegou-se para trás na cadeira: A sério? Daqui?

A sério, eu um bocado atrapalhada.

E ele, Mas quem é que para aqui vem de noite fazer chamadas dessas?


Eu também incrédula com tudo aquilo: Sei lá. A essa hora acho que só se forem empregadas da limpeza mas acho que a maior parte das chamadas são feitas já nem as empregadas cá estão. 

E ele, Mas o que é que a gente pode fazer para perceber? Tente descobrir.

Pensei que poderia fazer várias coisas mas o que me ocorreu foi dizer que não ia fazer nada, ia esperar para ver se voltava a acontecer.

Não aconteceu. 

E ficámos assim. E passam-se sempre tantas coisas que nunca mais me tinha lembrado disto até hoje.


*

Chamada Erótica - Os Contemporâneos



*

As ilustrações são de Peter Driben.