domingo, abril 07, 2019

JV e Paulo Batista: les beaux esprits se rencontrent

A palavra a dois millennials de excepção






Junto dois textos que aparentemente nada têm a ver um com o outro. Calhou serem os dois últimos comentários que a JV e o Paulo escreveram. São textos muito bons, escritos por dois jovens especiais que ilustram bem a qualidade excepcional da nova geração.

A JV e o Paulo são ambos cultos, engagés, despertos para as circunstâncias concretas que enformam a sociedade em que se inserem. Se, jovens como são, pensam e escrevem assim, imagine-se quando a vida depositar neles mais e mais camadas de conhecimento, de aprendizagem de que, quanto mais se sabe mais se percebe o que há para descobrir, de novas emoções, de novos deslumbramentos.

Sempre que recebo comentários ou mails deles fico contente pois trazem-me sempre uma visão nova, fresca e pujante da vida.

Transcrevo, então, palavras de ambos e, como forma de agradecer a sua generosidade por escreverem aqui o que pensam, junto algumas fotografias feitas hoje de tarde in heaven. Todas menos uma: esta aqui abaixo foi-me enviada pela própria JV e mostra a floresta onde gosta de se perder.





Palavras da JV

Há uma palmeira na avenida da liberdade da qual emana uma chilradeia que chega a mais de trinta metros. Devem ser dezenas de passarinhos aos guinchos por comidinha! Já tenho visto muito turista a parar e tentar fotografar as avezinha lá no alto. 
As árvores são lugares fantásticos, povoadas de vida. 
Há uma árvore num jardim da nossa cidade que é minha. Não por título de propriedade, mas porque quem gosta tanto de uma coisa deve considerá-la sua, sob pena de cometer uma injustiça. 
É uma propriedade que não é exclusiva, partilhada com quem lá está quando não estou eu.  
Mas não é menos minha. 
Quando estou debaixo dela ou empoleirada nela (eu ainda subo às árvores) é como se tivesse entrado num mundo que parece ser todo meu. 
Mesmo num dia de fim de semana, uma tarde de sol radioso, com o jardim cheio de gente, o recanto onde aquela árvore fica é um espacinho isolado com uma vista desafogada lá do alto onde não se avista vivalma. 
Fora desse recanto, pessoas a tropeçar umas nas outras, velhos, crianças, namorados, solitários, amigos, um sem fim de gente. 
Tenho fotos de uma tarde dessas em que parece que estou imersa numa floresta sem ninguém.

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Palavras do Paulo Batista

... eu acho que parte dessa desagregação do sistema político e da sua dificuldade em construir respostas eficazes não deve tanto à inadequação de um conjunto de "velhos" que comanda um sistema (político e económico) anacrónico e inadequado para a malta nova, mas talvez deva mais à incapacidade da malta nova, saltar efetivamente da sua rede social, colocar-se no lugar do outro (diferente de si) e procurar construir respostas colectivas, integradoras, da crescente diversidade de grupos, de indivíduos e de condições de vida que co-habitam os seus territórios. 
Não quero com isto parecer um millennial "velho do restelo" (embora tenha fama disso). Eu acho que esta (a minha) geração tem as condições e as ferramentas para construir uma sociedade melhor. No entanto, talvez inebriados pela intensidade que os novos e velhos meios de comunicação colocam na ligação e integração do indivíduo numa dada rede social, tem aumentado a criação de "bolhas" de (ir)realidade. 
Os algoritmos de recomendação e dos serviços de "redes sociais" na internet são só a face mais vísivel disso mesmo - mecanismos simples mas poderosíssimos na criação desse efeito "bolha social".
Apesar da atitude aberta e liberalizante dos "millennials" perante a vida (maior abertura às redes "fracas"), paradoxalmente, o efeito material e imaterial é uma fragmentação desses mesmos grupos sociais (as redes fortes têm uma dimensão cada vez mais reduzida). Desta forma, o arquipélago de grupos sociais torna-se de tal forma complexo e "ingovernável" que resulta num crescente imobilismo coletivo. 
A fragmentação do sistema político e dos partidos tradicionais, num cada vez maior número de grupúsculos, parece-me resultar deste fenómeno de fragmentação dos "millennials" - e o Brexit, por exemplo, é mais um sintoma dos "defeitos" da geração emergente do que como uma consequência do anacronismo e "antanho" das gerações passadas.

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E como é bem verdade que les beaux esprits se rencontrent, termino com uma bela coreografia de Jiří Kylián sobre música de Mozart e com Sylvie Guillem num momento de 'petite mort' com Massimo Murru. Um prazer.


Para ambos, os mais sinceros votos de felicidade nas suas vidas e de que saibam encontrar a formar de fazer deste mundo um melhor lugar para se viver.

sábado, abril 06, 2019

Converseta de fds que termina com uma lição de como não comer banana e outras coisas igualmente (in)úteis





No outro dia, numa reunião com pessoas de outra empresa, de cada lado um monte de homens e apenas uma mulher, a outra mulher veio sentar-se ao meu lado, dizendo que, já que éramos apenas duas, ao menos que nos juntássemos. Conhecia-a apenas formalmente. Mulher um pouco mais nova que eu mas vistosíssima, sempre produzida para impressionar. Mas simpática.


Antes que a reunião começasse, como duas gajas que se prezam, desatámos na conversa e, às tantas, já ela me dizia onde vivia e eu o mesmo a ela. E, nesse interim, diz-me ela que costuma ir muitas vezes a um restaurantezinho relativamente perto da minha casa. Disse o nome. Nunca tinha ouvido falar em tal coisa. Espantei-me. Disse-lhe que já moro onde moro há imenso tempo mas que antes tinha morado ainda mais perto desse sítio e nunca tinha visto tal restaurante. Ela contou que é uma coisa popular com uma pequena esplanada e contou os petiscos que lá vai comer. Perguntei porque lá vai, morando tão longe. Explicou-me que vai buscar a filha a uma escola de música que ali há. A escola de música eu conheço. 

Chegada a casa, contei ao meu marido. Para mim aquilo ainda era ficção. Impossível eu nunca ter dado por tal coisa. Mas, para meu espanto, ele disse que sim, que nesse sítio há uma tasca muito tasca. E ficou admirado por uma pessoa como eu lhe descrevi frequentar tal boteco.

No fim de semana, fomos conferir.

Lá está. O meu marido diz que sempre lá esteve mas que sendo tão tasca nunca lhe passou pela cabeça que fosse hipótese a considerar. Mas eu, com a minha visão selectiva, nunca tal tinha visto (e não têm conta as mil vezes que por lá passei).

Esta noite, depois de irmos ao supermercado e termos vindo pôr as coisas a casa, sendo já tarde e estando ambos cansados e esfomeados demais para esperar que eu fizesse jantar, resolvemos ir experimentar. A pé, a menos de cinco minutos de casa. Não tão pequena quanto isso. Lá dentro até é grandinha. Estando a chover, claro que não havia mesas cá fora. Lá dentro a rebentar pelas costuras. Marisco, petiscos, pratos. Atrás da nossa mesa um grande grupo muito ruidoso. O senão foi isso: o ruído. Mas aquele ambiente de restaurante de ambiente familiar, de tasca. Comemos lindamente. 

Há coisas do além.

E eu, uma vez mais, comprovei que de duas uma: ou sou uma despassarada do pior que há ou só vemos aquilo que estamos à espera de ver.

Para além disso, só posso acrescentar que, enquanto escrevo, estou a ouvir chover e que gosto muito do som da chuva contra o vidro das janelas.

Também posso acrescentar que à hora de almoço fui ver uma exposição e que à entrada a jovem que lá estava à entrada ofereceu-me uns papelinhos com umas citações e, quando eu vinha a sair, ela veio ao pé de mim e, quase como se viesse fazer uma fofoca, perguntou se eu sabia uma coisa. E eu não sabia e fiquei contente por saber.

E quando saí dali reparei que os pássaros cantavam muito alto e eu gosto cada vez mais de coisas assim. Pudesse eu ficar sentada debaixo de uma árvore, ouvindo a alegria e o canto dos pássaros.

Depois dali fui trabalhar e o trabalho, apesar de tudo e o tudo não foi pouco, foi menos pesado. E, por uns instantes, até deu para espreitar pela janela e para sonhar com uns dias de férias e com uma ou outra coisa.


E, estando no gabinete, ouvi no corredor um dos meus jovens, um dos mais jovens, numa conversa de pré-aproximação a uma jovenzinha que entrou há dias para uma outra área. Falavam do que gostavam, riam, descobriam que tinham estado ambos, como voluntários, num desses grandes eventos, pressentiam afinidades. Depois combinaram almoçar juntos na segunda-feira. Senti-me a sorrir por dentro. Quando, pouco depois, fui à sala onde ele está, reparei que estava radiante, sorrindo por todos os poros. E isso também me ajudou a suportar as contrariedades que, como sempre, foram aparecendo. Mas, sendo sexta-feira, o meu ânimo torna-se tolerante, relativiza. Mas estou um bocado aborrecida porque uma colega apresentou a demissão e era das pessoas com quem tenho mais afinidades, uma mulher inteligente, divertidíssima, por vezes descaradamente divertida. Mas é a vida: umas pessoas vão ficando para trás, outras aparecendo. Gostava de pensar que me vou manter em contacto com ela mas já sei que não, só esporadicamente. Aparecerão outras pessoas, o espaço vai sendo ocupado. O tempo e o nosso espaço são finitos. Apenas alguns amores conseguem ser infinitos.


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Passa da uma e meia. Este sábado o dia começa cedo e já sei que vou ser acordada antes de tempo, é sempre assim quando há muito que fazer, tem medo de imprevistos, quer acautelar que não nos atrasemos.

Ainda não é hoje que consigo conversar um pouco com quem comentou. E tanto que haveria que dizer. Mas até quase me correm lágrimas pela cara de tanto bocejar. Sorry.


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Há pouco, quando aqui cheguei e tentando manter-me acordada, fui dar uma vista de olhos pelo mundo e ver o que o YouTube tinha para me mostrar. Provavelmente sabendo que nas noites de sexta-feira só funciono na base da suprema ligeireza, tinha os vídeos que vos mostro: anúncios banidos e anúncios divertidos. Como poucas coisas quero apenas para mim, cá estão eles.





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Isabel, desta vez, para me facilitar a vida, escolhi melancias de um único pintor: Rufino Tamayo para serem degustadas ao som de "Ah, je veux vivre dans ce rève" interpretada por Aida Garifullina

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E um bom fim de semana a todos. Saúde e alegria.

sexta-feira, abril 05, 2019

Como reorganizar a Casa para acolher o novo Povo?





Tenho agora muita gente nova a trabalhar comigo. Parte das minhas equipas tem agora menos de trinta anos, a maioria situando-se nos vinte e poucos. O mais velho do grupo dos jovens tem trinta e um. Depois de andar a ouvir teorizar sobre os millenials eis que me deparo agora com a necessidade de saber lidar com gente que nasceu numa era que nada tem a ver com aquela em que a maioria dos outros, os cotas, nasceu. Alguns destes já são bem mais novos que os meus filhos.

Gosto imenso de lidar com maltinha nova mas a verdade é que conseguir que convivam e trabalhem proveitosamente em equipa com gente acomodada, habituada a métodos de trabalho e a atitudes comportamentais que pouco evoluíram deste os tempos de antanho é um desafio.


Estes jovens pensam muito em férias, gostam de conviver, trazem o almoço de casa e gostam de ali estar numa boa tertúlia, combinam encontros e passeios, viajam muito, para longe. E investem na sua própria formação, fazem cursos fora de horas que pagam com o que ganham. E entreajudam-se, partilham informação e conhecimento, têm pensamento estruturado. Ao princípio passei por momentos de estranheza. Um, um dia destes, contava-me a crise com a namorada, e estava emocionado, e eu dizia-lhe que não valia a pena contar-me tudo e ele insistiu, disse que era para eu perceber porque é que andava com dificuldade em concentrar-se e porque é que quase não dormia e por isso andava tão cheio de sono. Nessa altura andei desconcertada, a pensar que tinha cometido um erro ao escolher um jovem ainda tão imaturo. Resolvi passar a tratá-lo com alguma secura a ver se crescia, pus-me mais exigente. Uma ou duas semanas depois já ele andava feliz da vida e quando me apareceu a dizer que queria mais um dia de férias para ir fazer um fim de semana alargado com a namorada nem estranhei. Perguntei: outra ou a mesma? Desatou a rir. Aliás, penso que me acha uma pândega. Que era a mesma, claro.


Outro dia, estava no gabinete e comecei a ouvir cantar baixinho. Pensei que era alguém, na sala ao lado, a ouvir música. Mas a cantoria continuava, baixinho, afinadinha. Apurei o ouvido até que não me contive e fui espreitar. Eram duas das meninas mais jovens. Estavam as duas sentadas à mesma secretária e cantavam. Quando me viram, ficaram envergonhadas, a rir. Disse-lhes que estava a gostar, que cantavam bem. Engoli o espanto, senti-me até agradada. Já as enviei para outro país, em serviço, e desembaraçaram-se melhor do que muitos dos que têm idade para serem pais dela o fariam.

Se me disserem que não votam não me admirarei. A cena deles é outra. No outro dia um colega dizia que tinha ficado passado: numa entrevista, perguntou ao candidato se ele tinha algum aspecto que quisesse esclarecer e, insensatamente, o jovem lhe tinha perguntado quando é que poderia tirar férias. Expliquei-lhe que se habitue, que a cena deles é serem felizes. Ele olhou para mim, intrigado, como se não percebesse bem que cena é essa.


E isto para dizer o óbvio: o mundo está a mudar. Nunca como agora noto tanta diferença entre as gerações. Quem nasceu e viveu já nos tempos de hoje, da net, da partilha da informação e da comunicação permanente, quem cresceu a ouvir a toda a hora que estamos debaixo da espada da crise, quem desde pequeno ouviu falar contra os escândalos financeiros, contra a grande corrupção e a contra a gananciosa especulação, contra offshores e contra o que provocou a ruína de grandes bancos, contra políticos que não prestam, políticos que defraudam as expectativas de quem os apoiou e que falam um palavreado que não interessa -- tem forçosamente uma maneira diferente de ver as coisas.

E o sistema político, em geral  (ou seja, não falando especificamente em Portugal), não está a saber dar resposta à mudança do mundo. Se o sistema democrático não souber reinventar-se vai perder estas novas gerações. Os jovens não se revêem na organização política actual e nas atitudes dos seus agentes.


E um exemplo paradigmático disto é o vídeo que abaixo partilho convosco. Tem poucas horas, foi gravado na House of Lords. O Reino Unido em risco de desagregação, toda aquela a gente em risco de uma saída desordenada da UE causando confusão nem se sabe bem onde. Há três anos nisto, incapazes de arranjarem maneira de se porem de acordo sobre a forma de saírem do buraco em que se meteram. E os Lordes, cristalizados num tempo que já não existe, com uma linguagem salamalequiana discutindo o sexo dos anjos enquanto os Comuns votam e revotam sem saírem do mesmo sítio e o Speaker grita desalmadamente por Order!. E, nas ruas, um outro mundo. Seis milhões assinando uma petição para se voltar atrás, outros perplexos, outros mascarados, outros saindo de lá antes que seja tarde.


E a Rainha continua nas suas visitinhas, enquanto Juncker se esforça por conseguir falar em estado de sobriedade. E em Espanha o Rei anda à deriva aparentemente controlado por uma Rainha que faz plásticas atrás de plásticas, em França o presidente só agora parece ter percebido que tem que fazer avançar as tropas contra os delinquentes que de gosto arrasam Paris, em Itália o governo envergonha a história do país -- e por aí vai.

Em Portugal as coisas vão benzinho mas não completamente pois, pelo que se vê, não conseguimos ver-nos livres de uma múmia ressabiada que volta e meia vem a público assustar as pessoas, mostrando que o passado continua a vir assombrar o presente.

Mas vejam por favor este teatro aqui abaixo. Tem graça... mas terá isto a ver com o mundo real?

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E agora, se me permitem, fico-me por aqui e vou reflectir no assunto

[É que eu hoje estou cansada, tive um dia complicado, e com a chuva acontecem os acidentes e estraga-se o trânsito e perde-se imenso tempo e amanhã o meu dia começa cedo e vai ser daqueles -- e tenho que ir dormir. E que me desculpem por não conseguir responder aos comentários. Tentarei fazê-lo amanhã. Isto hoje não está fácil]


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Mas para o post não acabar neste tom meio acabrunhado vou partilhar esta festarola de dar gosto. 
Gosto mesmo.

Encore / L'Arpeggiata / Christina Pluhar / N. Rial / V. Capezzuto / G. Bridelli / J.J. Orliński


E um dia feliz a todos.

[Ah, é verdade, Isabel: agora não consigo ir buscar o nome de cada pintor mas é arte contemporânea vietnamita]

quinta-feira, abril 04, 2019

Ser avó



Nobody can do for little children what grandparents do.  
Grandparents sort of sprinkle stardust over the lives of little children.  
– Alex Haley


Gostava de ter tido irmãos. Durante anos pedinchei à minha mãe que tivesse mais um bebé. Queria um irmão, de preferência mais velho do que eu. Contudo penso que não foi pela dificuldade na concretização do pormenor cronológico que tal não aconteceu. Penso que terá sido por o meu nascimento ter sido tão atribulado e assustador, quase me mandando desta para melhor e identicanente quase deixando a minha mãe fora de combate, que ela deve ter apanhado um medo de morte, resolvendo não arriscar outra vez.

Tinha primos e amigos sempre por perto pelo que nunca cresci solitariamente mas, claro, ter um irmão teria sido outra coisa. Já ter tido uma irmã poderia ter reduzido ainda mais a paz de espírito lá de casa. Digo eu. 


Our grandchildren accept us for ourselves, without rebuke or effort to change us, 
as no one in our entire lives has ever done, not our parents, siblings, spouses, friends,
and hardly ever our own grown children. 
– Ruth Goode


Depois foi a minha vez de ter filhos. Mal acabei o curso e estando já casada há dois anos, achei que não havia mais razão para protelar. Não me sentia jovem demais para isso. 
Aliás, ia parir apenas uns meses mais cedo que a minha mãe e bem mais velha do que as minhas avós tinham tido os meus pais. O meu avô paterno, quando soube que eu me ia casar aos vinte, disse que achava bem, que assim é que era mesmo, que a minha avó, por exemplo, tinha sido mãe aos dezoito. Já a minha avó materna teve a minha mãe aos dezassete, perdida de amores por um rapaz um pouco mais velho. E, quando morreu e se encontrou o seu registo de nascimento, ficámos a saber que toda a vida tínhamos festejado o aniversário dela na data errada porque, de facto, tinha parido ainda aos dezasseis e não quis que ninguém o soubesse. Portanto, sou filha e neta de jovens parideiras.

There is no grandfather who does not adore his grandchild.
– Victor Hugo

Veio, pois, a minha filha e algum tempo depois veio o meu filho. Já contei tantas vezes que não vou repetir o salsifré que foram aqueles dois partos. Presumo que aconteceu o que tinha acontecido vinte e poucos anos antes, quando nasci. Só que, nessa altura, ninguém se lembrou de usar fórceps para me puxar cá para fora, tal como não haveria meios para detectar que eu estava já em sofrimento, sem oxigénio suficiente, coberta de limos verdes, inanimada. Quando nasceram os meus filhos, sabia-se que estavam bem, os partos foram induzidos e eles tirados a ferros (a sangue frio), tendo chegado cá fora em bom estado. Felizmente, felizmente, felizmente. E tão feliz e eternamente agradecida fiquei que todos os dias aqui poderia descrever os partos, o prazer de senti-los a saírem de mim, o prazer de tê-los nos meus braços, o prazer de vê-los crescer, o prazer de vê-los felizes e a construirem as suas famílias.


It is as grandmothers that our mothers come into the fullness of their grace. 
– Christopher Morley

Como já contei muitas vezes, tivesse eu tido, na altura, uma vida mais fácil, com algum apoio familiar, e teriam vindo mais uns poucos. Sentia a necessidade de ter uma casa cheia de crianças. Assim, foram só dois.

E estar grávida e tê-los foi daquelas coisas que me marcaram, me realizaram, me encheram de orgulho e felicidade. E tudo de forma permanente. Preocupo-nos com eles, por vezes aborreco-nos, mas o aborrecimento é sempre superficial porque o afecto que por eles sinto é profundo e indelével. E eles são parte de mim e só estou bem quando os sei bem.

Mas o tempo passa muito rapidamente. Tempus fugit. 


Grandchildren are God’s way of compensating us for growing old. 
– Mary H. Waldrip

Ainda estava eu a digerir o facto dela sair de casa para ir viver com o namorado, já ela estava a casar-se. E foi um casamento lindo (contei-o em vários posts lá mais para trás). E a seguir foi o meu filho a ir viver com a namorada. E quando estava eu a digerir também isso, já aí vinha o primeiro bebé. E aí eu senti uma felicidade ainda mais imensa. Ver a minha filha, já mãe, com o seu bebé ao seu lado, foi mais do que consegui suportar. Chorei por não conseguir conter tamanha emoção. Já o contei: quis dar a notícia ao meu marido e o que consegui foi pregar-lhe um susto pois só chorava, não conseguia falar. E a seguir foi um bebé que se fez anunciar do lado do meu filho e a seguir um casamento e também um casamento lindo, a noiva a entrar pelo braço do pai, barriguda e feliz, e o meu filho emocionado a ver a a sua jovem mulher com a sua bebé na barriga. E pouco depois veio essa menina e eu fiquei, de novo, perdida de emoção e ternura e ver o meu filho com a sua filha pequenina ao colo encheu-me de uma felicidade que voltou a parecer inaugural. Mas já vinha outro bebé a caminho e foi outra alegria imensa e depois mais outro e a alegria não foi menor. Até que, depois de um pequeno intervalo, veio mais outro e a felicidade continua absoluta, infinita.


Grandma always made you feel she had been waiting to see just me all day, and now the day was complete.
– Marcy DeMaree

E os meus filhos queixam-se que, ao contrário do que acontecia com eles, com os menininhos eu deixo tudo, por eles faço tudo, e que comigo eles fazem tudo o que querem. E eu gostava de poder rebater mas não rebato, fico calada, sei que é verdade. Por eles eu perdi as reservas e só sobrou ternura, uma ternura imensa. E isto porque sinto um tal amor por cada um deles que não consigo fazer outra coisa senão amá-los perdidamente. E sei que falar nisto assim, tão excessivamente, pode parecer um exagero. Mas não é. É verdade, verdade em estado puro, e fica aquém, muito aquém do que sinto.

E, é verdade, agora já tenho a casa cheia de crianças.


Perfect love sometimes does not come until the first grandchild.
– Welsh Proverb

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As fotografias tal como as citações provêm do post Gift of Grandparents do blog de Steve McCurry . 

[Como é bom de ver o tema da canção Helplessly Lost do Passenger não tem nada a ver com o tema do post. Está aqui porque é bonita]

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Recomendação: evitem descer para não darem de caras com o Cavaco. 
Avisei.

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O problema do Cavaco não é o que ele diz. O problema é a comunicação social dar-lhe palco.
Já não há caridade, caneco.
Porque é que têm que envergonhar o senhor?
Deixem-no pensar que ainda diz coisa com coisa, façam de conta que o filmam mas depois façam a gentileza de esconder as imagens (e o som).

Pela parte que me toca, aproveito a ocasião para o homenagear com uma selecção de obras do ilustre Kaos.



Ou, Senhores Jornalistas, façam uma reportagem muda: filmem a Dona Cavaca a olhar para as cenas, a Drª Beleza a ajeitar o mega penteado, o Sr. Mangas de Alpaca Rio a sorrir, com ar entre o envergonhado e o apatetado, o Púbico Catroga com ar de pinguim corado e gordo, também já sem grande compreensão para o que se passa à sua volta e que não diga respeito a algum que lhe toque, ou filmem os quantos mais que fizeram o frete de ir ouvir o senhor a mostrar que continua igual a si próprio mas em pior: ressabiado, má pessoa, a trocar a volta às conclusões para as usar a despropósito, recozido em mau feitio, em maus fígados.

E, sobretudo, façam a caridade de não chamar comentadeiros para opinarem sobre as baboseiras de um cavalheiro que nunca fez ou disse nada de jeito quando teve oportunidade de mostrar serviço e que não era agora, retirado, os neurónios sobrantes já em repouso, que nos ia surpreender.

Popupem o senhor. E poupem-nos.

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E, nada mais tendo a dizer, presto aqui homenagem à arte e bom humor do fantástico autor de We Have Kaos in the Garden a quem o Cavaco, El-Rei das Cagarras e das Vacas que Riem tanto inspirou.








E toma lá

(assim o Kaos designou a imagem seguinte)



quarta-feira, abril 03, 2019

Olha, agora quer mais um bocadinho para uma rapidinha com o outro


Meteu-se numa furada e o mais esquisito é que parece que gosta. Espetam-lhe facas nas costas e ela gosta; e desatam a rir-se dela pela frente e ela parece que também gosta. E quando o barco ameaça afundar-se e os amigos saltam borda fora, ela ri-se e parece que gosta. E quando quer armar-se em engraçada ninguém se ri mas, da sua falta de jeito, toda a gente se parte a rir -- mas ela parece que gosta. E, quanto tenta dançar, parece um boneco desajeitado e toda a gente se ri... mas, lá está, ela também parece que gosta.

E não consegue negociar na UE, não consegue negociar com a oposição no seu país, não consegue negociar no seu próprio partido, não consegue nada. O tempo esgota-se-lhe, o reino divide-se e agora, já em tempo de prolongamento, pede mais um bocadinho e marca um date com o Jeremy. Mas, como tem falta de gosto, em vez de ser com o Irons é com o Corbyn.

Transcrevo:
A primeira-ministra britânica, Theresa May, anunciou que vai pedir uma nova extensão "o mais curta possível" do artigo 50 do Tratado de Lisboa e consequentemente do Brexit para ter tempo de se reunir com o líder da oposição, Jeremy Corbyn. A ideia é encontrar um acordo que possa ser aprovado pelos deputados e ter a luz verde dos restantes líderes europeus. O líder do Labour já reagiu, dizendo estar "muito feliz" por se reunir com May.
Uma comédia macaca. Acabe como acabar, não acaba bem até porque, com tudo o que se tem estado a passar, o que está a correr mal já deu pano para muitas mangas.

Falo desta Totó, a Totó May


Ela podia ter a graça do camarada aqui abaixo quando se viu enfiado numa jaula com um leão, com um tigre à espreita do um lado e um cão a ladrar do outro. Mas não. Graciosa e ágil das ideias é que a Totó May não é.


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Já lá vão 3 dias do passe barato e ainda não vi autocarros com gente no tejadilho ou a eléctricos a abarrotar com malta atrás, à pendura.
Nem dei conta que, para entrarem em barcos superlotados, centenas de pessoas caíssem todos os dias ao rio.


Só isso.

Nem orçamentos rectificativos, nem o diabo em pessoa e em pelota a abrir a gabardina à frente da bancada parlamentar do PSD, nem nada do que os laranjotas previram. Nunca acertam. Bem chamam o capeta, bem prevêem desgraceiras, bem rogam pragas. Nada.

E agora, nisto, também não. Quando vejo um autocarro, olho lá para dentro a ver se foi desta. Mas qual quê? Tudo tranquilo. Nem as notícias nos dão conta de tragédias relacionadas com enchentes, tareias na disputa por um lugar. Nada.
Longe vão os tempos em que eu, para me enfiar dentro do 15, penetrava à força, tentando adelgaçar-me para caber em interstícios invisíveis, indo todo o percurso a respirar o ar expirado pelos outros e sempre em risco de não conseguir sair na paragem devida. Longe.
Tirando isso, nada mais a dizer. A vida continua sem dramas no mundo dos transportes públicos.

 

Entretanto, milhares de pessoas podem viver uma vida mais folgada. Se a ideia brilhante foi do Medina, do Costa, da Catarina, do Jerónimo ou dos autarcas laranjotas que aderiram tanto se me dá. Foi uma ideia brilhante a todos os títulos e isso chega-me. E ainda quero esperar mais uns dias antes de me pronunciar sobre o trânsito em Lisboa pois estes 3 dias podem ter sido abençoados por algum outro motivo não identificado. Mas espero ter também boas notícias.

terça-feira, abril 02, 2019

A Vogue francesa recomenda Lisboa para visitar em Maio --
e isto apesar do Tio Basílio não ter deixado o cavalo da Madonna pastar na sua Horta*


No fim de semana passado, pela primeira vez desde há várias semanas, não fomos podar árvores. Os carneiros atacaram e de gosto fomos rodeá-los e fazer a festa.

Mas se, por um lado, sinto sempre saudade de me misturar com a natureza e gozar a quietude que se vive in heaven por outro tenho uma grande vontade de ir passear. E se as circunstâncias da minha vida familiar me inibem de me afastar a verdade é que, contentando-me com pouco, visitar esta Lisboa amada me basta e enche de alegrias. 




Aliás, falar de Lisboa e dizer que é pouco é a primeira heresia. Lisboa é muito. E tanto que, se me puser a descobri-la, me surpreendo com as suas infinitas novidades. 

Há tantas cidades tantas vezes superiores, tantas tão mais majestosas, tantas tão mais boémias. Tantas. Mas esta tem tudo isso na dose certa e tem mil apontamentos diversos, novos, luminosos.

Estava a ver a Vogue francesa e logo a abrir a sugestão de cinco cidades a (re)descobrir em Maio. Intuí que Lisboa tinha que ser uma delas. E é. A seguir a Roma e entre Amesterdão, Madrid e Copenhaga lá está a mais bela de todas, Lisboa a magnífica.

Vai em francês que soa melhora:
Une vie nocturne qui fait penser à la Havane, des tramways et des ponts comme à San Francisco, des docks réhabilités rappelant Londres, un quartier d'Alfama pareil aux médinas du Maghreb, Lisbonne est un voyage à elle seule. A deux heures en avion de Paris, c'est surtout la destination idéale pour profiter des premiers rayons de soleil du printemps le temps d'un week-end en mai.

E recomenda o hotel Verride Palácio de Santa Catarina que não conheço mas cuja fotografia me deixa com vontade de ir lá dormir. Melhor nem ver o preço não vá mudar de ideias.

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O bailado não tem nada a ver, acho eu. Mas é muito bonito e tudo o que é bonito condiz com Lisboa. Transcrevo:
The Royal Opera House presents this short film by Andy Margetson featuring dancer Marianela Nunez who graces the pages of this month's Bazaar UK
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* O trocadilho lá em cima, no título, é fajuta, trocadinho mesmo -- bem sei. Começou por me apetecer chamar Primo ao Tio e, como resisti, acabei com a parvoíce da Horta quando queria era dizer Palácio. Mas um palácio para a Madonna pôr o ginete a pastar é capaz de ser o mesmo que uma horta com estilo.


E se esse episódio é ridículo, mais ainda é a birra dela e mais ridículo é se tudo for verdade. Gosto que as pessoas gostem do meu País, que falem bem dele -- mas gosto mais ainda que o respeitem. No entanto, devo confessar: não é para mim líquido que ter um cavalo dentro de um palácio seja desrespeito e que o cavalo, ao ver-se aburguesado, fosse fazer estragos. Ou seja, não é para mim completamente claro que o birrento aqui não seja o Primo Basílico.


E, nada me sendo líquido, fico-me por aqui que estou mais do que sólida de sono, quase a passar ao estado de 'pedra', 'pedregulho' mesmo. Salve.

Só para dizer que eu já não bebo leite de vaca



Já o contei: em pequena odiava leite, dava-me vómitos, só de pensar já ficava agoniada. Nessa altura ia uma leiteira vender leite a casa, leite esse que a minha mãe fervia. Havia uma peça chamada fervedor. Volta e meia o leite vinha por fora e ela ficava arreliada, sujava-se o fogão e o próprio fervedor. 

Quando arrefecia, formava-se uma película à superfície. Se calhava algum resquício dessa nata ir parar-me à boca, então, o caldo estava entornado de vez. Uns vómitos que me vinham das entranhas...

A minha mãe tentava de tudo. Amornava o leite se estava frio, amornava-o se estava muito quente. E misturava ovomaltine, nesquik. Ou punha apenas açúcar. Tudo me incomodava, tudo me enjoava. 

Só comecei a gostar de leite quando experimentei as garrafinhas de ucal com chocolate.
Mas devo aqui introduzir um apontamento: tal como fiz mais tarde com a minha filha, também a minha mãe me deu de mamar até eu já ter um ano. Desse não há registo de eu me queixar. Já o meu filho era um desatino a mamar. Quando resolveu deixar de querer mamar, se fiquei preocupada, a verdade é que, por outro lado, senti um enorme alívio. Magoava-me, engasgava-se. Um desassossego.
Mais tarde, provavelmente já quando estava grávida e a receita incluia o leite é que descobri que se bebesse leite magro frio, o suportava bem. Passei a ter o cuidado de beber pelo menos um copo por dia. Mas aquilo de que gosto mesmo é de iogurte pelo que de bom gosto trocava o leite por iogurte.


Até que a nutricionista me explicou os malefícios do leite. Mostrou-me, no computador, artigos científicos que demonstravam os malefícios do leite na idade adulta. Sinceramente, não sei reproduzir mas fiquei com a ideia de que provoca inflamações. 

E eu de bom gosto o aboli. Praticamente também os iogurtes. Sobrou o queijo. Gosto muito de um bom queijo. Agora beber leitinho, está bem, está.

Como fruta, legumes, tento caminhar e apanhar sol. O que sei é que não sinto falta. Se calhar, daqui por algum tempo aparece outra teoria que vai provar que o leite é imprescindível. É a vida.

E esta conversa toda a propósito da campanha da PETA que muitos acho um desaforo, um mau gosto. Eu acho fantástica, linda. Ora vejam.

segunda-feira, abril 01, 2019

Memórias à beira mar





Uma pequena enseada. Quase não havia, nem há, areia. Seixos, conchas, restinhos da faina pesqueira, pequenhos brilhos. Do lado esquerdo de quem olha o mar umas rochas marcam a divisão. Não são muito altas. Sobem-se bem. São rochas cobertas de pedrinhas. Nas zonas mais escondidas, estavam, e estão ainda, cobertas de limos verdes. Há reentrâncias onde se junta a água. Lá dentro há ínfimos seres que se agitam. Eu subia e andava por lá a explorar aqueles mistérios com denso perfume a maresia. Se passássemos para o lado de lá íamos ter a um pequeno recanto, uma praia minúscula invísivel de qualquer outro lado, excepto de frente, uma zona inacessível e onde antes nunca havia ninguém.


Um pouco mais à frente havia, e se calhar há ainda, uma escada na pedra que vai dar à estrada.

Das rochas que fazem a separação eu via o irmão mais novo do meu pai a nadar. Nadava para muito longe, nadava muito bem. Eu ficava a olhá-lo, admirada, um pouco preocupada. Disfarçadamente, chamava a atenção ao meu pai. Queria que ele visse como o irmão se afastava. O meu pai olhava-o, sem preocupação, apenas alguma admiração, e dizia: 'Nada bem'. Depois regressava à praia, o cabelo preto e liso escorrendo. Não me lembro de o ver limpar-se. Se calhar ia assim mesmo. Talvez fosse de bicicleta para casa. Afinal os meus avós não moravam muito longe.

Lembro-me tão bem.


O cheiro da maresia é igual, as pocinhas de água são as mesmas, o mar limpo e tranquilo é o mesmo, os reflexos e a luz feliz sobre as águas são também os mesmos. 

Mas se calhar só eu me lembro desses tempos de total liberdade e inocência. O meu tio tem agora as costas um pouco curvadas, a pele do rosto já enrugada. O cabelo é ainda liso mas já é grisalho. Duvido que se lembre. O meu pai já pouco comunica e, embora saibamos que guarda memórias muito antigas, tem cada vez mais dificuldade em falar. A minha mãe não se lembra mas é natural pois, ali, ela pouco ia connosco. Ali íamos apanhar amêijoas, isco para a pesca, coisa que era só do meu pai e que eu ia porque lhe pedia para me levar.


Agora a menina ali já não sou eu, eu sou a que tem memórias de tempos que parecem tão próximos. Agora a minha filha terá a mesma idade que a minha mãe teria naquela altura, talvez até um pouco mais. Agora há outros meninos que andam nas rochas, que espreitam os mistérios das rochas e do fundo do mar.


A minha mãe olha-nos a todos, vê como de si partiram as gerações que à sua volta se juntam e, feliz da vida, conta-nos histórias, fala-nos de memórias da sua infância.

[Este domingo disse-me que tinha dormido profunda e descansadamente, que adormeceu no sofá, que à uma da manhã acordou e nem percebeu bem o que lhe tinha acontecido, que lá foi para a cama e que foi até de manhã, que o ar do mar a deixou assim. Tão bom.]

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GUAD.At.ITORIS


Depois de mais uma festa de anos, a segunda do fim de semana -- desta vez com doze crianças, uns a jogarem futebol, outros a andarem de skate, outros a andarem de balouço, todos a correrem, a falarem muito alto, o bebé sempre a fazer das dele e, desta vez, com um amigo apenas seis meses mais velho -- ao fim da tarde estava com uma certa dor de cabeça. Não sei se foi da mudança de hora, se foi da animação permanente, a verdade é que estava não apenas um pouco cansada como a sentir que precisava de apanhar fresco.
No sábado, tendo chegado a casa também ao fim da tarde, ainda fomos ao supermercado, depois, em casa, estufei carnes, frango para um lado, porco para outro e ainda fiz duas bôlas, a primeira com o frango estufado e respectivo molho, alheira frita, coentros, a outra com o porco estufado e respectivo molho, bacon frito, chouriço. Só acabei já passava das dez da noite.
Este domingo de manhã fui tratar dos bolos, incluindo o pão-de-ló com doce de ovos que o menino quis como bolo de anos, depois cortar as bôlas aos cubos e acondicioná-las para as levar, de novo ao supermercado porque há sempre coisas de última hora, e sei lá que mais, e ala moço que se faz tarde que era para estar lá para o almoço. 
Por isso, ao vir de lá, com a cabeça moída e pedindo-me o corpo algum descanso, senti que, antes do descanso, devia era sentir o fresco da maresia: disse, pois, ao meu marido que gostava de ir passear para a beira do rio. Aborreceu-se, não queria, não calhava nada bem, íamos perder tempo, assim não ia poder ver a final do futsal, etc, etc. Mas fomos. Tão bom. Ele com camisa, pullover e blusão, eu só com uma camisinha fina de meia manga. Ele que se estava a pôr frio. Eu a saber-me mesmo bem o ar húmido e fresco sobre a pele.

Só depois viemos para casa. E, tal como a tia do Francisco, rematei a faena com uma máquina de roupa, uma panela de sopa e um cachaço no forno.

E agora aqui estou a ganhar balanço para decidir se vou fazer um bocadinho de tapete, se vou ver as fotografias do almoço festivo de ontem que juntou quatro gerações e do passeio sequente na praia e as do almoço festivo de hoje, da brincadeira generalizada de tarde e do passeio final junto ao rio.


Bem. 

São tantas as fotografias que requerem algum tempo. Limito-me a colocar aqui esta intrigante fotografia da qual retirei a legenda para encimar este post. E se o título vos induziu em erro e, aqui chegados, se sentem defraudados, as minhas desculpas. E se alguém souber decifrar o que ali se diz que faça o favor de o dizer.