Junto dois textos que aparentemente nada têm a ver um com o outro. Calhou serem os dois últimos comentários que a JV e o Paulo escreveram. São textos muito bons, escritos por dois jovens especiais que ilustram bem a qualidade excepcional da nova geração.
A JV e o Paulo são ambos cultos, engagés, despertos para as circunstâncias concretas que enformam a sociedade em que se inserem. Se, jovens como são, pensam e escrevem assim, imagine-se quando a vida depositar neles mais e mais camadas de conhecimento, de aprendizagem de que, quanto mais se sabe mais se percebe o que há para descobrir, de novas emoções, de novos deslumbramentos.
Sempre que recebo comentários ou mails deles fico contente pois trazem-me sempre uma visão nova, fresca e pujante da vida.
Transcrevo, então, palavras de ambos e, como forma de agradecer a sua generosidade por escreverem aqui o que pensam, junto algumas fotografias feitas hoje de tarde in heaven. Todas menos uma: esta aqui abaixo foi-me enviada pela própria JV e mostra a floresta onde gosta de se perder.
Palavras da JV
Há uma palmeira na avenida da liberdade da qual emana uma chilradeia que chega a mais de trinta metros. Devem ser dezenas de passarinhos aos guinchos por comidinha! Já tenho visto muito turista a parar e tentar fotografar as avezinha lá no alto.
Há uma árvore num jardim da nossa cidade que é minha. Não por título de propriedade, mas porque quem gosta tanto de uma coisa deve considerá-la sua, sob pena de cometer uma injustiça.
É uma propriedade que não é exclusiva, partilhada com quem lá está quando não estou eu.
Mas não é menos minha.
Quando estou debaixo dela ou empoleirada nela (eu ainda subo às árvores) é como se tivesse entrado num mundo que parece ser todo meu.
Mesmo num dia de fim de semana, uma tarde de sol radioso, com o jardim cheio de gente, o recanto onde aquela árvore fica é um espacinho isolado com uma vista desafogada lá do alto onde não se avista vivalma.
Fora desse recanto, pessoas a tropeçar umas nas outras, velhos, crianças, namorados, solitários, amigos, um sem fim de gente.
Tenho fotos de uma tarde dessas em que parece que estou imersa numa floresta sem ninguém.
Palavras do Paulo Batista
... eu acho que parte dessa desagregação do sistema político e da sua dificuldade em construir respostas eficazes não deve tanto à inadequação de um conjunto de "velhos" que comanda um sistema (político e económico) anacrónico e inadequado para a malta nova, mas talvez deva mais à incapacidade da malta nova, saltar efetivamente da sua rede social, colocar-se no lugar do outro (diferente de si) e procurar construir respostas colectivas, integradoras, da crescente diversidade de grupos, de indivíduos e de condições de vida que co-habitam os seus territórios.
Não quero com isto parecer um millennial "velho do restelo" (embora tenha fama disso). Eu acho que esta (a minha) geração tem as condições e as ferramentas para construir uma sociedade melhor. No entanto, talvez inebriados pela intensidade que os novos e velhos meios de comunicação colocam na ligação e integração do indivíduo numa dada rede social, tem aumentado a criação de "bolhas" de (ir)realidade.
Os algoritmos de recomendação e dos serviços de "redes sociais" na internet são só a face mais vísivel disso mesmo - mecanismos simples mas poderosíssimos na criação desse efeito "bolha social".
Apesar da atitude aberta e liberalizante dos "millennials" perante a vida (maior abertura às redes "fracas"), paradoxalmente, o efeito material e imaterial é uma fragmentação desses mesmos grupos sociais (as redes fortes têm uma dimensão cada vez mais reduzida). Desta forma, o arquipélago de grupos sociais torna-se de tal forma complexo e "ingovernável" que resulta num crescente imobilismo coletivo.
A fragmentação do sistema político e dos partidos tradicionais, num cada vez maior número de grupúsculos, parece-me resultar deste fenómeno de fragmentação dos "millennials" - e o Brexit, por exemplo, é mais um sintoma dos "defeitos" da geração emergente do que como uma consequência do anacronismo e "antanho" das gerações passadas.
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E como é bem verdade que les beaux esprits se rencontrent, termino com uma bela coreografia de Jiří Kylián sobre música de Mozart e com Sylvie Guillem num momento de 'petite mort' com Massimo Murru. Um prazer.
Para ambos, os mais sinceros votos de felicidade nas suas vidas e de que saibam encontrar a formar de fazer deste mundo um melhor lugar para se viver.