segunda-feira, fevereiro 15, 2016

No rescaldo do Dia dos Namorados
e porque a vida não é só OE, Economia & Finanças ou comentários a cargo dos omnipresentes descerebrados e desavergonhados papagaios pafianos,
que entre Susana, pela mão de mestre Rabelais





A viscondessa era filha dum francês e duma paraguaia, e no seu todo reunia a graça dos filhos do meio dia da França e a indolência lasciva e sedutora das americanas do sul.

Era um pouco nutrida, mas havia em todas as curvas flexíveis do seu corpo esbelto e cuidado, a sensual elegância das gatinhas brancas.

A sua ilustração mais realçava os dotes com que a natureza a mimoseara.

Pianista exímia e cantora adorável, mercê da sua bela voz de mezzo soprano, as mulheres invejavam-na e os homens corriam a admirar os espirituosos croquis do seu lápis animado e distinto.

Quando falava, era um gosto ouvi-la, sempre a sorrir, arrastando a frase com uma indolência irresistível, e predominando-lhe aquela acentuação nos ii, particular das brasileiras.

Os homens tinham formado um verdadeiro assédio em torno daquela mulher adorável, que valsava como uma sílfide e atirava ao alvo com uma destreza e sangue frio que desesperava as anémicas frequentadoras das praias.

O visconde era ciumento como um tigre.

Dia e noite, no passeio, na praia, no club, nos pic-nic, nas regatas, o seu vulto grave, austero, encasacado e fúlgido de diamantes caros, aparecia qual sombra de Banquo, ao lado da esposa.

É verdade que ela portava-se irrepreensivelmente.

Amável com todos, sempre alegra e expansiva, o seu olhar aveludado e terno não fitara ainda um único dos impertinentes que lhe zumbiam aos ouvidos um coro de galanteios.

Uma noite, no club, um poeta que tinha fama de tratar as mulheres pelos processos com que as gatas tratam os filhos quando nascem, disparou-lhe uma declaração de amor.

A lua brilhava no firmamento em toda a sua doce palidez.

A viscondessa escutava-o sorrindo sem se agastar, e quando ele terminou, na explosão radiante duma frase de efeito, ela pegou-lhe mansamente na mão, conduziu-o até à janela e, apontando-lhe o céu, exclamou, sorrindo sempre:

- Conhece?

- É a lua -- respondeu ele admirado.

- Faça-lhe uma declaração de amor.

- Porquê?!

- É solteira.

E retirou-se gravemente.


Um quarto de hora depois, negava-se a ser seu par na contradança.

A aventura respirou, e os leões mais de encarniçaram contra a pomba.

A viscondessa ria sempre, e o marido, tranquilo, passava a mão pela fronte.



(...)
_________

Lá em cima, a mezzo soprano Elina Garanca interpreta Mon coeur s'ouvre a ta voix da ópera Sanson et Dalila de Saint-Saëns.

A história de que transcrevi um pequeno excerto, de seu nome Susana, naturalmente continua mas, infelizmente, por vários motivos, não vou poder transcrevê-la toda. Contudo, pode ser que amanhã ainda partilhe convosco o naco final.

Mas, antes de me ir, ainda transcrevo os versos que sublinham o nome de mais este inocente conto de Mestre Rabelais (digo, Alfredo Gallis) incluído, tal como a Deliciosa (ver posts mais abaixo), no livrinho Aventuras Galantes.

Segredam as páginas da escritura
que os lúbricos velhos sensuais
vendo no banho a Susana pura
disseram, sorrindo, "s'tá duro e dura".
Mas quem nos diz se volverá jamais.
____

E, já agora, porque isto das palavras e das ideias é coisa que lembra as cerejas, fiquemo-nos com a tal  Susana que embasbacou os velhos.

Susanna e i vecchioni, por Giuseppe Bartolomeo Chiari ( 1654 – 1727) 
___

[E, a quem for resistente, permito-me sugerir uma descida ao inferno da nossa comunicação social.
É já a seguir]

...

Sem comentários: