quinta-feira, março 15, 2018

Recrutas do destino




Da varanda vê-se toda a cidade, as suas luzes no preto vínico da noite, doces linhas curvas de cúpulas e colinas no seio da obscuridade. O small talk, nas mesas postas a rigor para um jantar de grande solenidade, perde-se por entre o barulho dos copos e dos talheres, flui num murmúrio indistinto; as palavras e as vozes são intercambiáveis, de todos e de ninguém, histórias que se passaram com quem está sentado ao lado, mas que poderiam perfeitamente ter acontecido ao conviva da frente, sussurro que se desvanece como um agradável e indiferente buliço.Os jantares de um certo tom são uma representação sagrada, Mistério medieval que põe em cena a anónima insignificância de toda a gente. Qualquer pessoa poderia estar no lugar de uma outra ou ser outra, por trás da máscara do papel social o rosto marcado pelos anos é mais ou menos o mesmo; diante de um cocktail homens e mulheres são todos iguais tal como diante do amor e da morte, recrutas do destino dispostos em fila nos seus uniformes.

 

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Excerto de Instântaneos de Claudio Magris
Arioso de Bach
Fotografias respectivamente de Helmut Newton e de Richard Avedon

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