Desde que, há três meses, comecei a frequentar o Instagram todo um mundo desconhecido se abriu frente aos meus olhos inocentes. Vejo e ouço coisas que me deixam perplexa. Antes das redes sociais apenas quem tinha algo de relevante a dizer era chamado a opinar em público. Era a quem detinha o poder editorial que incumbia a responsabilidade de identificar os melhores e levá-los ao púlpito maior, televisão, rádios, jornais ou revistas. Com as redes sociais, qualquer um -- qualquer zé-ninguém, qualquer maria-vai-com-as-outras, qualquer burro encartado, qualquer tarado, psicopata, narcisista, marginal, ignorante & ordinário, qualquer gentinha sem noção -- tem o púlpito à sua disposição e canal aberto para o mundo. E qualquer um, tendo a sorte de ter audiência, consegue viralizar, monetizar a sua 'mensagem', catequisar. Influenciar. É o tempo dos influencers. Dos políticos influencers. E qualquer um pode ser influencer.
Tenho a sorte de o algoritmo ter percebido mais ou menos os meus gostos e, por isso, há o lado bom de me ser dado a conhecer o que muitos escritores, editores, pintores, escultores, galeristas, jornalistas, pessoas de bom gosto têm a dizer ou a mostrar. Mas, certamente porque me detenho a ver, também me aparecem cabeleireiros, maquilhadores, cozinheiros, nutricionistas. Muitos brasileiros.
E, no meio, por vezes, não sei a que propósito, coisas estranhas que não percebo se são paródia ou mera parvoíce e que não me fazem parar. Mas tão frequentemente me têm aparecido que agora prestei atenção. Sendo eu novata nas redes sociais (ie, no Instagram) se calhar estou a achar estranho o que, para quem anda há anos pelo facebook, instagram ou tik tok, já deve ser banal. Mas, ainda assim vou falar de um fenómeno que desconhecia e que está a deixar-me perplexa.

E estou a falar em concreto de uma coisa que dá pelo nome de reborn. Bebé reborn. Eu via mulheres com uns bebés meio estranhos ao colo. Depois, prestando atenção, percebi que eram bonecos. Mas as mulheres andam com eles ao colo como se fossem bebés de verdade, levam-nos a passear, fazem festas de anos. Inclusivamente vi uma a chorar, revoltada, porque tinha ido com o reborn ao médico e o médico tinha-se recusado a atendê-lo. E depois vi que já havia várias pessoas a fazer vídeos a discutir se sim ou não e até uma advogada a aconselhar os médicos a quem apareçam 'mães' de reborns, dizendo como devem agir.
E eu, perante tudo isto, fico como se levasse uma pancada na cabeça. Como é que é possível?!
Fui ao chatgpt confirmar o fenómeno, ver se esta maluquice existe mesmo.
Transcrevo o que escreveu:
Um bebé reborn é uma boneca feita com extremo realismo para se assemelhar a um recém-nascido ou a um bebê de poucos meses de vida. Esses bonecos são criados a partir de kits de vinil ou silicone, que são moldados, pintados e montados manualmente por artistas — conhecidos como "reborners" — que dedicam várias horas (às vezes dias) a cada peça. Os detalhes vão desde a coloração da pele com veias visíveis, até o enraizamento fio a fio dos cabelos e a aplicação de peso interno para que o boneco tenha o peso e o toque de um bebê real.

A origem desse movimento remonta à década de 1990 nos Estados Unidos, com raízes na comunidade de colecionadores de bonecas. Desde então, a prática se expandiu significativamente, ganhando popularidade em diversos países da Europa e da América Latina, especialmente no Brasil, onde há feiras, cursos e lojas especializadas nesse tipo de arte. Além do público colecionador, os bebés reborn atraem também pessoas que os utilizam por razões emocionais ou terapêuticas — como mães que perderam filhos, pessoas com depressão, ou idosos com Alzheimer, para quem a interação com esses bonecos pode trazer conforto.
O alcance dessa tendência vai além do simples colecionismo. A popularidade dos vídeos nas redes sociais — especialmente no YouTube, TikTok e Instagram — ampliou o interesse pelo universo reborn. Muitos criadores de conteúdo compartilham rotinas de "cuidados" com seus bonecos como se fossem bebês reais, atraindo tanto críticas quanto admiração. A indústria se profissionalizou: há artistas renomados internacionalmente, bonecos que podem custar milhares de dólares e até certificações de autenticidade.
Ainda que para alguns a prática pareça excêntrica ou até inquietante, para outros ela representa uma forma legítima de expressão artística, uma válvula emocional ou mesmo uma ferramenta terapêutica. Isso mostra que os bebés reborn são mais que uma moda passageira; eles fazem parte de um fenômeno social multifacetado que une arte, afeto e mercado.
Há influenciadoras que fazem parte de uma comunidade crescente que utiliza os bebês reborn não apenas como objetos de coleção, mas como parte de experiências emocionais e artísticas. Seja por motivos terapêuticos, expressão artística ou simples afeto, elas compartilham suas jornadas com autenticidade, atraindo tanto admiração quanto debates sobre os limites dessa prática.
Ou seja, o que vi foram pessoas não colecionadoras de bonecas realistas, nem idosos ou doentes com Alzheimer, mas mulheres que, por algum distúrbio ou sei lá porquê, agem como se fossem mães de verdade dos bonecos e criam páginas nas redes sociais para partilhar as suas experiências com aqueles 'filhos', mostram o quartinho dos bebés, os brinquedos deles, os cuidados que requerem, etc.
Em condições normais, eu diria que uma mulher que trata um boneco como se fosse um filho de verdade e se aliena a ponto de se esquecer que aquilo é um ser inanimado e não um ser vivo, é alguém que precisa de ser tratado.
E, no entanto, não. Expõem-se, têm centenas de milhares de seguidores, formam uma comunidade, reivindicam, reclamam direitos.
E tudo como se fosse normal. E parece que ninguém acha isto doentio, sinistro, distópico.
Perante situações destas, eu penso: como se dialoga com pessoas assim, que acreditam no mundo paralelo em que se posicionam? Que conversa racional é possível ter com pessoas assim?
Sinceramente não sei. E isto inquieta-me.
Não quero fazer extrapolações abusivas mas quanta gente perturbada deste ou doutro tipo --, ou pessoas que acreditam que a terra não é redonda, ou que, sendo imigrantes, acreditam que quando um político se atira aos imigrantes não está a ameaçá-los a eles mas a outros e, portanto, o apoiam, ou pessoas que pouco têm mas que o maior medo que têm é que os que ainda têm menos venham roubar-lhes alguma coisa ou que se insurgem contra os desgraçados miseráveis que recebem uns trocos para sobreviver --, constitui o público alvo dos populistas? Quantas destas pessoas, tão distantes da realidade concreta, tão facilmente manipuláveis, votam nos populistas só porque sim, só porque os populistas dizem 'a verdade' ou prometem 'abanar isto tudo'?
E como podem os políticos decentes, que falam a verdade, com base em factos, em estatística, em dados históricos, reais, fundamentados, interagir com estas pessoas? Não sei. São línguas diferentes, comprimentos de onda diferentes.
Claro que a análise que se pode fazer à população que vota em partidos populistas não é una. Uma análise a fazer tem que ser multifactorial. Uns votam porque são fascistas e estavam à espera de quem viesse resgatar o antes do 25 de Abril, outros são levados pelo que as igrejas evangélicas, maná, do 7º dia ou outras recomendam, outros são bolsonaristas e, aqui deslocados, seguem a cópia, outros acreditavam nos amanhãs que cantam do comunismo e agora viraram para uma realidade mais actual, outros não vão além do mundo dicotómico dos bons e dos maus e votam no que diz que vai atrás dos maus, outros são ex-combatentes, ainda com feridas a sangrar da guerra e votam em quem diz que é preciso não esquecer os ex-combatentes, outros votam em quem se ajoelha, tem crucifixos no bolso e fala pondo as mãos como se estivesse em prece, outros votam porque não gostam da cor dos imigrantes que agora aparecem lá na rua, outros votam porque acreditam que aquela pessoa que assim lhes fala ao coração é sincera e se preocupa de verdade.
E isto é complicado porque se é fácil levar pessoas assim a seguir um líder carismático que parece falar para cada um (mesmo, de facto, nada dizendo de concreto), muito difícil é levá-los a perceber que fazem mal em escolher serem 'conduzidos' por um populista que nada mais faz do que alimentar-se da sua ignorância, do seu medo, do seu distanciamento da realidade.
Pessoas assim mais depressa aceitam dar o seu voto a um político reborn, fake, do que a um político sério, decente.
E isso é um perigo. Ou, sendo eu uma optimista, um desafio.
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Para que tenham maior visibilidade, transcrevo alguns comentários que eu e o meu marido temos recebido e que muito agradecemos. Não transcrevo um dos comentários, excelente, pois vejo que é uma transcrição e não consegui identificar ao autor original para aqui atribuir os créditos. Mas transcrevo outros. Não todos, para isto não ficar ainda mais extenso do que já está.
O SÍNDROME DE ESTOCOLMO
(Amar o agressor)
As eleições legislativas de 2025 trouxeram uma clarividência sombria: uma parte significativa da população votou contra os seus próprios interesses, com uma convicção que está paredes meias com a cegueira. Dá pena!
Mal informados e mal formados ainda acreditam no coelhinho da páscoa ou no "4 pastorinho" ou numa qualquer igreja maná ou outras, totalmente alienados politicamente.
É o velho ditado a ganhar nova vida - o povo descalço continua a votar em quem lhe roubou os sapatos.
E desta vez ainda lhe bate palmas!
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JAMAIS CONFUNDAM O POVO, com os inimigos do povo. Nunca caiam na tentação de ODIAR O POVO. Amilcar Cabral
A política é o meio através do qual homens sem principio dirigem homens sem memória. Voltaire
Uma nação que tem medo de deixar seu povo julgar a verdade e a falsidade em um mercado aberto é uma nação que tem medo de seu povo. – John F. Kennedy
A maioria dos males que o homem infligiu ao homem veio do facto de as pessoas se sentirem bastante certas de algo que, na verdade, era falso. BERTRAND RUSSEL
O servo ideal de um governo totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas pessoas para quem a distinção entre facto e ficção e entre verdadeiro e falso não existem mais. – Hannah Arendt
Esta mascarada enorme-com que o mundo nos aldraba-dura enquanto o povo dorme-quando ele acordar acaba . Antonio Aleixo