quinta-feira, maio 11, 2023

Sobre o Marcelo que temos, a palavra ao Falcão Vigilante e ao Valupi

 

Da caixa de comentários a um post mais abaixo, transcrevo este do Leitor Falcão Vigilante.

Em consonância com os órgãos de informação total e tragicamente controlados pela direita em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa assume-se nos dias que correm como o rosto mais visível de um processo de contínua desestabilização institucional como nunca antes se viu por estes lados.

Ele não começou nos últimos dias. Nem nos últimos meses. Terá principiado, há cerca de 6 anos, com a miserável liquidação pública da ministra Constança Urbano de Sousa, após os incêndios no centro do país, quando ninguém, absolutamente ninguém, poderia ter feito mais ou melhor do que ela na altura fez.

Face à subserviência então revelada pelo poder governamental, a acção marcelista foi prosseguindo, em patente e inadmissível ultrapassagem dos poderes constitucionais que lhe assistem.

Não só se intromete no que não lhe compete (querendo impor acções governativas ou criticando publicamente as que o Executivo assume), como tem vindo a praticar uma espécie de "tiro ao ministro" que já nos custou a perda de figuras obviamente competentes e que muita falta fazem à governação (casos, por exemplo, de Azeredo Lopes ou de Marta Temido).

António Costa, um excelente Primeiro-Ministro, percebeu, finalmente, que não poderia continuar a tolerar as desenfreadas violações de uma Constituição cada vez mais em frangalhos. Sob pena de se deixar reduzir à absoluta irrelevância política, mandou parar o baile, quando o "mandador" até já se dava ao desplante de exigir no jornal "Expresso" (por interposta e habitual mensageira e em provocante antecipação) a cabeça do ministro Galamba...

O que Marcelo depois fez pela TV, em relação ao governante em causa, é inqualificável, mas revelador da personagem. Resta-nos todavia uma consolação: como antigo chefe do PSD, a personagem poderia ter chegado a Primeiro-Ministro de Portugal. Comparado com essa apavorante eventualidade, o filme de contínuo sobressalto institucional que estamos a viver não passa de uma espécie de reedição da Branca de Neve e dos anõezinhos...

Leiam ou releiam as memórias de Francisco Pinto Balsemão, dono do "Expresso", e o que lá ficou escrito, preto no branco, acerca do grau de confiabilidade que ele achava atribuível ao seu (então) empregado Marcelo.

Permite entender, sem grandes explicações adicionais, quase tudo do que se tem passado. E muito do que vai passar-se daqui em diante, nos próximos capítulos de uma história que até poderia ser divertida se não fosse tão indecorosa e tão contrária aos interesses dos portugueses...

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Do Valupi que escreve no Aspirina B,  in "Fantasiemos um outro Marcelo"

(...)

Que levou Marcelo para esse abuso? Nada que tenha alguma relação com estratégia, sequer com inteligência. Foi antes o corolário dos abusos imediatamente anteriores: a nota acerca da recusa de Costa em cima das suas declarações e a chantagem via Expresso. E foi igualmente a consequência dos abusos ocorridos em crescendo a partir de Outubro de 2022. A martelagem no espectro da dissolução da Assembleia, chegando a causar incómodo público e apelos à sua cessação por figuras relevantes na direita, foi um abuso dos poderes que lhe foram confiados para ser um guardião da funcionalidade do Estado e da saúde da democracia. Em vez disso, introduziu incerteza, confusão e irracionalidade no ambiente político. Acabando por criar uma crise política muito grave e potencialmente catastrófica.

As causas para este comportamento indigno da posição que ocupa na hierarquia da República serão mais que muitas. Não ambiciono conhecer sequer a milionésima parte. Mas uma delas, incontornavelmente, está na sua obsessão com o editorialismo e com o comentariado. A retórica usada na declaração de 4 de Maio é paleio de advogado, não de estadista. Tudo consiste num argumento que coloca a “responsabilidade” como conceito bicéfalo, moral&político, cuja semântica plástica se estica a bel-prazer para incluir João Galamba, e depois se continua a esticar para incluir António Costa. Porém, porque estamos no domínio do sofisma e da farsa, o conceito deixa de ser esticado quando todos esperavam, na economia do texto, que chegasse ao próprio autor. Isto é, e logicamente, o Presidente da República é o responsável último pelo primeiro-ministro, o qual é o responsável último pelo ministro, o qual é o responsável último pelo adjunto, o tal fulano na origem da cegada. Se o escândalo é realmente como o pintou, estava no seu poder agir à altura da necessidade política. Donde, Marcelo tinha de se responsabilizar pela situação caso a coerência fosse uma cena que lhe assiste. Não é, tal como não assiste aos comentadores e editorialistas, só atrapalharia a sua prodigalidade. Foi para gáudio desta classe de artistas que Marcelo deu voz a um exercício de enxovalho, literalmente entregando-se à prática da “afronta” que os seus colegas comentadeiros agitaram como pecado mortal de Costa ao recusar a ingerência presidencial no Governo. O interesse nacional e o bem comum não foram servidos pela intervenção presidencial, exactamente ao contrário.

Fantasiemos um outro Marcelo, muito parecido com o que nos saiu na rifa mas com a diferença de ter recebido uma injecção de inteligência e estratégia algures nas 48 horas após a manifestação de autoridade constitucional e política de Costa. A sua reactiva declaração passaria a ser uma variante deste esboço:

"Muito boa noite,

Portugueses,

Duas palavras. Uma sobre o passado. Outra sobre o futuro.

Uma sobre o passado. Como sabem, ocorreram acontecimentos inadmissíveis na equipa do Ministro das Infraestruturas. A gravidade dos factos conhecidos, mais a dos que ainda falta apurar e esclarecer, levaram-me a enviar ao primeiro-ministro a minha preocupação com a credibilidade, confiabilidade e autoridade do Ministro, do Governo e do Estado.

Posteriormente, o Ministro entendeu pedir a demissão e o Sr. Primeiro-ministro entendeu recusá-la. Isto já é passado.

E uma palavra sobre o futuro.

Não compete ao Presidente da República escolher Ministros, demitir Ministros, interferir indevidamente na acção do Governo. A Constituição é muito clara a esse respeito. Mas compete ao Presidente da República ser um aliado institucional do Governo, coisa distinta de ser um aliado político. Como representante de todos os portugueses, a minha aliança política é com a República Portuguesa. Com essa jurada missão, tudo farei, sempre, para garantir o regular funcionamento das instituições democráticas.

Nesse sentido, apoio a decisão do Sr. Primeiro-ministro ao manter João Galamba como Ministro das Infraestruturas. E desejo a ambos, estendendo o voto a todo o Governo, que tenham sucesso na realização dos urgentes, complexos e cruciais processos e projectos executivos em curso e em planeamento. É dever de todos os responsáveis políticos contribuírem para que o Governo tenha as melhores condições para executar o seu programa.

A experiência, a prudência e a sabedoria do Povo Português serão testemunhas, e juízes, das vossas escolhas.

Muito boa noite.»

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As imagens provêm respectivamente daqui  e daqui

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1 comentário:

aamgvieira disse...


~
«Os estúpidos estão cheios de certezas e os inteligentes estão cheios de dúvidas.»



Henrique Cymerman, "Conversando com o Inimigo", p. 51........ A.Vieira