segunda-feira, dezembro 05, 2022

Um ouriço-cacheiro, um ninho na roseira, uma avenida com árvores que têm pombas brancas suspensas, duas pessoas iguais. E etc.

 

Este meu fim de semana foi muito atípico, com alguns imprevistos francamente dispensáveis. Pelo que intuo, as coisas poderão não ser o que parecem e todos os transtornos poderão ter sido (e estar a ser) em vão. Mas, enfim, se eu tiver razão, menos mal. 

Por seu lado, os meninos finalmente parece que estão em fase de recuperação depois de se terem ido contagiando uns aos outros e depois de se estarem a livrar de todas as sequelas destas mal arraçadas gripes A (se é que tem sido isso que tem andado de uns para outros). Mas este fim de semana apenas os vimos por fotografias e vídeos. Apesar de se dizerem bem, estão fanhosos, ranhosos e com tosse. Mas já não há nenhum com febre ou com diarreias e, por isso, já se sentem bem. Espero que a partir de agora estejam bem e que a minha vida também se simplifique (e, claro, que a minha mãe fique bem) para que possamos estar outra vez todos juntos.

Apesar de tudo, antes de irmos para os nossos afazeres de ir buscar isto e aquilo, levar isto e aquilo, estar, voltar a ir levar isto e aquilo, conseguimos ir num saltinho até à Avenida da Liberdade, para um passeio com flavour natalício. Uma coisa é passar de carro e outra, bem diferente, é andar a pé a ver as montras, a ouvir as diferentes línguas de quem passa (muitos italianos!). As árvores estão lindas com pombas brancas suspensas. Muito bonito, simbólico. 

As grandes marcas estão lá todas a preços galácticos (ou seja, com preços à altura da carteira do Ronaldo e da sua Georgina do rabo alçado, mas muito aquém das carteiras dos vulgares mortais). Acho que, mesmo que me saísse o euromilhões, não quereria dar mil euros por uns pirosos ténis de plástico dourado ou dois mil por um vestidinho da treta, curto e de alças. Não gosto de gastar dinheiro mal gasto. Claro que poderia abrir uma ou outra pequena excepção como, por exemplo, num casacão largo de veludo muito fino em profundo azul marinho, quiçá Armani. Mas, enfim, preços à parte, há montras bem apelativas e é engraçado olhar lá para dentro, para os clientes. Como o zoom da minha máquina fotográfica não funciona, não tenho motivação para fazer as minhas habituais reportagens. Tenho que ver se arranjo tempo para ir ver se tem reparação.

Tive vontade de ficar por lá numa esplanada mas não apenas o nosso urso (antes felpudo e agora um fininho dog quase skinhead) estava connosco e costuma fazer má vizinhança pois, quando assentamos arraiais, seja onde for, acha que tem que nos guardar e em cada pessoa vê um possível agressor, como estava chuviscoso, pouco convidativo para esplanar (não confundir com explanar). Além de mais, o nosso programa de festas para depois de almoço estava carregadinho. Por isso, fomos comprar uma pizza e viemos despachá-la a casa antes de nos pormos a caminho.

Por tudo isto e porque quase nenhum tempo tive para mim, pouco tenho a dizer. 

Só me ocorre contar que, no outro dia, quando passeávamos à noite, o nosso amigo deu uma corrida sobressaltada em direcção a um muro. Lá chegado, estacou a ladrar, posto assim naquela posição de quem descobriu coisa, de quem está à espera que lhe deem pretexto para saltar em cima (quando aprender a falar, em ocasiões destas, certamente dirá 'make my day'). Olhei espantada e não vi nada. E, aqui chegada, repito em minha defesa: era de noite. Além disso, sou míope e não uso óculos. O meu marido ao princípio também não percebeu. Depois disse: é um ouriço. Aproximei-me. Há montinhos de caruma nos passeios e era isso que me tinha parecido. Mas, vendo bem, era mesmo: um ouriço! Usei o telemóvel e dei-lhe uma flashada a ver se o apanhava. E apanhei. Aqui o têm, abaixo. Até parece que era de dia, tal a luz que lhe foi despejada em cima. Ali estava encostadinho, certamente assustado com o ladrar e os saltos da fera, com a nossa presença.

No dia seguinte passei lá de dia e nem sinal dele. Aquilo que podemos observar, de dia, é uma pálida parte da animação que é a vida nocturna.


Também posso referir que no outro dia tive uma agradável surpresa. No meio dos ramos da roseira trepadeira junto à nossa entrada, um ninho. Um ninho relativamente pequeno mas, reparem abaixo, uma graça. Penso que deve ter sido feito relativamente depressa pois não tenho ideia de o ter visto antes. Ainda não tinha ovinhos lá dentro. Fiquei encantada. Os pássaros confiam no nosso pacifismo e isso deixa-me feliz. Costumo ver os ninhos nas árvores, em cima, e aqui também temos dois encostados à parede da casa, perto do telhado. Devem ser feitos com lamas e ramos pois parece que estão mesmo colados à casa. Este aqui não, este está pouco mais que à altura da minha cabeça, à altura das nossas mãos.


Também posso contar que hoje, quando íamos a passar na Avenida, vi um amigo nosso sentado numa esplanada. Ri-me, tirei os óculos escuros para me aproximar e cumprimentar. Espantei-me por ele ter ficado impassível e até surpreendido a olhar para mim. Em situações normais, ter-se-ia levantado e vindo a rir para nos cumprimentar. Foi nessa altura, quando estava mais próxima, que percebi que era uns palmos mais alto do que o nosso amigo. Disfarcei, segui, e disse ao meu marido: 'Viste? Não é igual, igualzinho ao Zé?'. O meu marido limitou-se a dizer: 'O dobro do Zé'. Rebati: 'Igual, igual. Só que é mais alto que o Zé. Só percebi isso quando me aproximei'. O meu marido acabou por me dar razão: 'Ao princípio também pensava que era ele'. 

Mas fiquei impressionada. Como é que é possível? Duas pessoas com caras iguais. Iguais. Que coisa tão estranha, tão estranha.

A mim já me aconteceu confundirem-me com outra pessoa e jurarem a pés juntos que era igual e que até a voz era igual. Uma coisa nos limites da improbabilidade. 

Enfim. 

E não me ocorre mais nada para contar.

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A música com que me despeço não tem propriamente a ver com o que escrevi. Mas agrada-me e quero ficar com ela aqui a acompanhar-me.

Lea Desandre interpreta Handel: 

The Triumph of Time and Truth, HWV 71: "Guardian Angels, Oh, Protect me"


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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira
Saúde. Confiança. Boa sorte. Paz.

5 comentários:

ccastanho disse...

UJM

O ninho da foto, perece-me ser de rola nacional, isto é: são rolas, que não acompanham o ciclo migratório para o Norte de África, e por estas paragens ficam nos bosques, em zonas mais densas, também nas quintas, porque a rola também gosta de companhia, ou até, junto a albufeiras com comida e água por perto. Esse ninho, pela sua estrutura, de raízes e pequenos pauzinhos, soltos no chão do arvoredo, só são utilizados em aves de médio porte, leva-me a pensar que pode eventualmente ser rolas, mas não tenho a certeza, ou até de pombos, não sei.

Q1uanto aos ninhos de barro misturado com ervas(palhas), fazendo uma argamassa de barro junto aos beirados, são característicos nas andorinhas. Os pardais e (outros que tais), preferem ninhos nas árvores.

Um Jeito Manso disse...

Olá Ccastanho,

De facto andam por aqui muitas rolas. São mimosas, bonitas. E andam por perto, de facto. Mas fazem o ninho tão baixo, é? Acho isso tão bonito...

E, sim, os ninhos de barro e palha são de andorinhas. Mas também já vi de lá saírem outros passarinhos.

E sabe o que muito bonito também por aqui há? Pica-paus. São lindos! Parece que andam fantasiados.

Vejo que percebe de pássaros. Um dia também vou perceber...

Muito obrigada.

ccastanho disse...

Viva, UJM.

Sabe, fui caçador. Mas já arrumei as botas há alguns anos, porque me fartei dos novos ricos com a sua ostentação de jipes, espingardas e modo de vestir, que nada tem a ver com os meus princípios de caça enquanto festa, e divertimento nos almoços, com as anedotas ouvidas anos após anos, mas com a mesma piada da primeira vez, porque era uma família de pais filhos e até netos. Depois vieram os coutos comerciais, ainda que legitimo da parte dos donos das terras evidentemente, mas tudo acabou enquanto vivência de caça. O prazer de ver romper o dia e toda a agitação da fauna, era um deleite, o perfume do campo nas manhãs de orvalho, o cheiro da esteva...era, até para um ateu como eu, uma dádiva de Deus disfrutar da natureza. Enfim.
Cumprimentos.

Um Jeito Manso disse...

Olá Ccastanho,

Não sabe como gostei de ler o que escreveu. Tenho um migo caçador que diz isso. Diz que para ele que na véspera já está a sentir a emoção. Depois, o prazer de se levantar de noite, de ir para o campo e assistir ao nascer do sol, ver o levantar das neblinas, ver o orvalho, sentir o perfume das ervas e das flores do campo, sentir a alegria de ir com os amigos, sentir a alegria dos cães, a emoção de sentir os ruídos, pressentir que vai aparecer a lebre ou o pombo, o disparo, os cães em correria. Depois os guisados, as almoçaradas até às tantas, o regresso já com saudades e com vontade de uma próxima vez.

Gostava imenso de o ouvir a falar nisso.

Deve ser uma sensação muito boa, telúrica, orgânica.

Muito obrigada.

Um dia bom para si, Ccastanho.

Um Jeito Manso disse...

Errata: Onde se lê 'migo' deve ler-se "amigo"

(O teclado anda com algumas teclas meio soltas e o "a" é uma delas...)