quinta-feira, setembro 29, 2022

Ligações, promoções, confraternizações. Sacos. Melgas. E etc.

 


Recebo convites para participar aqui e ali, para almoços e pequenos almoços executivos, para passeios de barco, para cocktails em rooftops ao pôr do sol com jazz como companhia. Agradeço a gentileza do convite e declino ou vejo se é possível encaminhar para colegas que estejam receptivos. Eu já não consigo. Nunca tive grande saco mas, desde há algum tempo, fechei mesmo para obras. Não dá.

Hoje, ao fim da tarde fomos caminhar à beira da praia. 

Num dos restaurantes havia uma festa. Um músico contribuía para o ambiente boa onda. As ondas do mar a pouca distância contribuíam com o resto do acompanhamento musical. Num dos topos, uma mesa posta com aqueles simpáticos amuse-bouche e petites pâtisseries que coloridamente abrem o caminho para a gourmandise e que dão gosto só de olhar. Para compor o ramalhete umas dezenas de pessoas com ar de executivos que se aperaltaram para a ocasião. Homens e mulheres mostravam-se glamourosos, elas bem maquilhadas, bem vestidas e bem penteados e eles idem. Todos de copo na mão, todos sorrindo, confraternizando, circulando. Alguns mais sérios, ar de quem carrega a pesada chave que abre o cofre das soluções do mundo, certamente falando do business

E eu, vendo-os, pensei numa coisa que sempre ouvi dizer a todos os meus colegas: que os bons negócios se fazem à mesa ou que é nestas ocasiões que se fazem contactos frutuosos. E se todos o dizem é porque para todos eles isso funciona.

Pois comigo nunca funcionou. Nunca, nunca. O meu mindset só se sintoniza no business quando estou a trabalhar, em horário laboral, em local de trabalho. Preciso de estar focada nas coisas, preciso de estar preparada, preciso de ser incisiva quando for preciso, preciso de perceber até onde posso ir. Nada disto é compatível com distração, música, copos, gente a interromper.

Pior que isso: quando estou (ou melhor, quando estava) em lugares assim, odiava -- e digo bem: odiava, o-di-a-va -- que viesse algum chato maçar-me com assuntos de trabalho. 

Nestes encontros, conferências, almoços, tretas, há sempre o intuito por parte de quem organiza de estreitar connections, de estabelecer contactos, de farejar intenções de investimento. E eu percebo isso, estão a gastar dineiro nos eventos com esse propósito. Só que sou a ave que voa fora do bando, sou a ovelha sempre pronta a tresmalhar-se. Se é para ser almoço, então vamos curtir a ementa e falar de coisas simpáticas ou de política ou de lugares bonitos do nosso país. De tudo menos de trabalho. 

Não aguento quando um palerma pergunta qual a nossa experiência com a empresa A ou B, com a metodologia C ou D, com a tecnologia E ou F, com os mercados G ou H ou com o caraças. Só apetece perguntar se não sabe que é falta de educação falar de trabalho à mesa. Só não o perguntava para não me arriscar a ouvir que, justamente, aquele era um almoço de trabalho.

É que a conjugação de um almoço ou evento profissional com um chato é do pior que pode acontecer. Sempre fugi de chatos mas há ocasiões em que não dá para fugir. É, então, a tortura total. 

No Grupo, todos os anos havia encontro do maralhal quase todo. Foi interrompido com a Covid e agora está a retomar-se a boa prática. Um hotel todo por nossa conta não chega. Uns ficam na guest house

Num ou noutro sítio, à noite fazem-se grupinhos e há sempre quem aproveite para trocar ideias sobre projectos em curso ou em perspectiva, sobre problemas, sobre planos de negócio. Mal vejo algum a aproximar-se logo eu salto fora. Não há pachorra. 

Eu a organizar coisas destas, imporia uma condição: proibido falar de trabalho. 

E agora vou fazer um paralelo que, na volta, não é de nenhum paralelismo. Mas ainda assim. Qual a lógica daquelas cenas de lançamento de livros? Ter outras pessoas a falar do livro do autor? Mas há alguma coisa a dizer? Quanto muito há a ler e cada leitor que interprete como quiser. Se eu um dia escrever um livro nem arrastada me apanham numa cegada dessas. Não teria nada a dizer. Um autor vai pôr-se a dizer o quê do livro que escreveu? O que havia a dizer, foi dito por escrito. Ou outra pessoa ao lado a dizer coisas sobre o autor ou sobre o livro? Que abuso. Não faz sentido. Um escritor é escritor enquanto escreve. Quando não está a escrever, deve ser deixado em paz. Nem imagino o suplício que deve ser para um escritor ter que andar a aturar chatos que andam à volta que nem melgas para falar dos personagens ou sabe-se lá do quê. Mas parece que as editoras querem os escritores a circular, a exporem-se em lançamentos, em feiras, em encontros, parece que isso ajuda a divulgar. Não vejo como. Nem percebo como é que os escritores conseguem ter paciência para falar do que escreveram. Se me imagino nisso, só penso que, mesmo que involuntariamente, ia dar comigo a dar respostas inconvenientes, a ser irónica, a abandalhar a conversa. Acredito que, ao fim de algum tempo, na editora haveriam de me implorar que não aparecesse em público. Melhor para mim, claro.

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E isto porque vi aquela gente num fim de tarde tão bonito, mesmo em cima do mar e, em vez de curtir o jazz ou vir para a rua olhar para o sol a mergulhar no horizonte, andavam ali a jogar conversa fora ou a perder tempo a falar de trabalho. Mas sei lá. Cada um é como cada qual. Se calhar, eles é que fazem bem.

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As fotografias RX de flores são da autoria de Aleks Reba e, uma vez mais Nina Simone faz-nos companhia com Mr. Bojangles

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Um dia bom

Saúde. Boa onda. Paz.

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