terça-feira, setembro 20, 2022

Alô, alô António Costa! Vamos lá a rever as medidazinhas e vamos lá a rever essa sua atitude perante os cidadãos, ok?
Não estou a achar gracinha nenhuma a estas suas últimas coisas, ouviu?

 


Tenho andado a tentar perceber se já se conhece tudo o que há para conhecer e se percebo o que ainda não vejo com clareza. 

No dia em que António Costa falou sobre os apoios às famílias fiquei genericamente decepcionada e a pensar que, no que se referia às pensões, era gato escondido com rabo de fora. O meu marido tentou acalmar o meu desagrado: por um lado ainda viria o pacote da poupança da energia e, por outro, naquilo das pensões, ainda não se sabia exactamente os contornos do que ele tinha dito.

Dei o benefício da dúvida. Esperei caladinha.

Até que saíram as medidas de poupança às empresas e fiquei igualmente desapontada.

Até que, aos poucos, o gato começou a sair à luz do dia e se percebeu que, na realidade, a medida das pensões é pura treta e que o corte nas pensões é real.

E agora aparece, a trouxe-mouxe, um conjunto de notícias avulsas sobre a sustentabilidade da Segurança Social para justificar a anunciada esperteza saloia.

Face a isto resolvi que já tenho o que preciso para dizer de minha justiça. E faço-o com a franqueza que sempre uso, seja para criticar ou louvar este ou aquele, sejam de que quadrante político forem.

O momento que vivemos é de excepção pois temos a conjugação de uma guerra brutal 

-- levada a cabo por um assassino que não se tem ensaiado em provocar guerras paralelas, energética e alimentar, nomeadamente -- 

com uma inflação inusitada e com uma escassez de alguns outros materiais (que vinha do tempo dos confinamentos). Tal como acontece na atmosfera quando se conjugam condições que se potenciam, também aqui, na sociedade, se desencadeia um daqueles fenómenos extremos, agudos e difíceis de controlar. 

Por isso, não seria expectável que Costa tirasse da cartola um package bem pensado e já anteriormente testado com medidas para todos os gostos. Não podia, isto é novo, de certa forma até há pouco tempo inesperado. Até aí compreende-se.

Mas exige-se a um estadista (eu, pelo menos, exijo) que, perante situações de excepção, consiga pensar não apenas no imediato mas também no médio e longo prazo e que, além disso, não apenas pense em medidas conjunturais mas também em medidas estruturais.

Ora, penso que as medidas agora anunciadas são de curto alcance: aliviam momentaneamente uma parte da população (e isso é bom) mas nada resolvem na essência nem de forma duradoura.

Há que atacar na raiz nos problemas e não apenas aparar as pontas dos ramos, criando uma ilusão que não se sustenta no tempo. 

Por isso, para além destas medidas imediatas (dar 125€ a uns, 50€ a cada filho, dar qualquer coisa aos pensionistas de mais baixos rendimentos, etc), estava à espera de mais, de melhor, estava à espera de ouvir falar em planos de fundo, planos concretos. 

  • Por exemplo, apoios intensivos, substanciais, muito dirigidos e muito facilitados para instalação de painéis para produção de energia solar para auto-consumo ou painéis para aquecimento de águas em casas individuais ou prédios sejam de residência sejam de serviços (escritórios, hospitais, quartéis, etc). 
  • Por exemplo, esperava um incentivo forte para uso de transportes públicos (passes muito baratos ou mesmo gratuitos pelo menos em linhas ou carreiras de maior uso ou que mais trânsito automóvel evitassem).

Ou seja, a poupança na energia e nos combustíveis pela via inteligente e sustentável, levando a um menor consumo.

  • Por exemplo, o incentivo ao teletrabalho ou aos regimes híbridos sempre que possível, levando a menos trânsito e a menos consumo de combustível (já para não falar em menos poluição e em melhor qualidade de vida).

Claro que, em paralelo, há que incentivar fortemente o investimento em fontes limpas de energia e isso creio que está a decorrer (hidrogénio verde, por exemplo). Mas isso são long shots, investimentos complexos que levarão bastante tempo até que produzam eficientemente. Por isso, há que avançar rapidamente para medidas de mais fácil implementação e retorno. 

  • Ao mesmo tempo, há que reforçar rapidamente o investimento em creches públicas e em ATLs públicos. Havendo oferta pública para escolas e ocupações de tempos livres, a poupança para as famílias será significativa. E, lá está, serão medidas estruturais e não pontuais, não de carácter caritativo.

É preciso, em situações de aperto (e receio bem que o aperto ainda esteja no princípio) injectar liquidez na economia, nomeadamente colocando-a nas mãos de quem mais precisa. Mas, se for só isso, será caridade e não verdadeira ajuda, será dar o peixe e não ensinar e dar meios para pescar.

  • Para os mais velhos, os mais indefesos, há que avançar com residências para a terceira idade mas residências dignas, com assistência médica e de enfermagem e com actividades que permitam um envelhecimento digno. O que hoje há que cumpre estes requisitos é escassíssimo, caríssimo, para elite, incomportável para a maioria dos idosos. De resto, a maioria do que há mais acessível é mau, indigno, assustador, como uma antecâmara para a morte, ninguém quer ir para lá. É pois vital que haja apoios para investimento privado ou social ou que o próprio Estado avance com essa oferta na qual as pessoas paguem de acordo com os seus rendimentos. 

Estas medidas não apenas garantiriam o estímulo à economia local através da construção de creches, lares, atl´s (para crianças e para idosos), como garantiriam a criação de muitos postos de trabalho, e, ainda, uma melhor qualidade de vida para quem deles iria usufruir, e garantindo, também, que a população não estaria em situações financeiras tão vulneráveis quanto hoje está, dependendo inteiramente de pensões que, às tantas, não asseguram a sobrevivência  digna. 

  • Uma outra medida que me parece essencial dada a maior longevidade das pessoas é que se prolongue a sua vida activa. Por exemplo, havendo mais creches, mais residências ou mais equipamentos para ocupação de tempos livros, poderá recorrer-se a pessoas que, embora já reformadas, poderão ainda trabalhar em numerosas tarefas podendo usufruir de rendimentos complementares.

Quanto ao tema das pensões, a coisa também fia fino. 

Aqui tenho que dizer que não gostei nem um bocadinho dos artifícios de António Costa. Melhor: detestei. Apresentou aquela antecipação de meio mês das pensões e o aumento do ano que vem como se estivesse a dar alguma coisa. Não está. Pelo contrário, à sorrelfa preparava-se (ou prepara-se) para descer estruturalmente as verbas a pagar de 2024 em diante. É feio. Há aquela coisa rasteira de querer enganar os 'velhinhos'. Feio. Sempre tive António Costa em boa conta. Desta vez, desiludiu-me e não foi pouco.

Depois de negar a habilidade falhada, face ao burburinho gerado António Costa não teve outro remédio senão tentar desfazer o mal feito. E, então, ele e alguns ajudantes, apareceram a dizer que isso tem a ver com a sustentabilidade da Segurança Social. E hoje saíram-se à cena com um estudo que, supostamente, prova que, se aplicassem a fórmula, desgraçariam a sustentabilidade do sistema de pensões. E, mais uma vez, digo e digo com todas as letras: não gosto. António Costa está a jogar com o medo de pessoas vulneráveis. Não gosto. N-ã-o   g-o-s-t-o. Com todas as letras.

Estas coisas não se fazem assim. 

Ao agir como está agir, António Costa está a abrir a porta aos populistas (Ventura ou Catarina Martins, por exemplo), a dar espaço e tempo de antena aos passistas (Montenegro, por exemplo) e a fazer os apoiantes socialistas torcerem o nariz. Ou seja, muito mau.

E não sei que contas da Segurança Social são essas de que por aí falam. As contas para as pensões não são aritmética simples. Trata-se de cálculo actuarial que entra com probabilidades várias (a da subida de preços, a da longevidade, a da entrada de novos descontantes no sistema, etc). É matemática complexa. Só vendo e ouvindo explicar (por quem sabe destas matérias) poderei formar a minha opinião. Mas mesmo que estejam certas (e volto a dizer: não sei se estão) há que resolver os assuntos atacando a raiz dos problemas, não as pontas das folhas.

Há um problema estrutural no nosso país e do qual já muito aqui falei: o da demografia que, em Portugal, é anémica, descendente, decadente. Se as pessoas vivem cada vez mais tempo (o que é bom), recebendo pensões durante muito mais tempo, e se nasce cada vez menos gente, havendo cada vez menos pessoas a entrar no mercado de trabalho, temos que, cada vez mais, o dinheiro dos descontos da segurança social tem que dar para distribuir por muito mais pessoas, ou seja, teremos menos dinheiro para dar a mais gente. 

E é aqui que há que actuar. Não é cortando as pensões. É injectando mais dinheiro no sistema, não pelo aumento dos descontos mas por ter mais gente a ingressar no mercado do trabalho. Todas as medidas que visem estimular a natalidade são necessárias e urgentes. Creches públicas, por exemplo, são importantes -- por exemplo. Tempo e dinheiro para os progenitores criarem os filhos são ajudas essenciais. Fomentar o mercado do arrendamento, outra urgência. Os jovens ou os que não têm economias ou não receberam heranças têm que ter acesso a habitações que não tenham forçosamente que ser adquiridas para poderem constituir família.

Mas também é essencial desincentivar a emigração e, ao mesmo tempo, é essencial integrar o mais e o melhor possível imigrantes no mercado de trabalho, com óbvia integração no sistema da Segurança Social. Temos que ter mais contribuintes líquidos no sistema. É urgente.

Também há uma outra coisa. Fiquei agora a saber que as pensões de reforma superiores a um certo patamar (um múltiplo de um rendimento mínimo, creio que 10 ou 12 vezes) não são aumentadas anualmente. Acho isso injusto e errado. Até poderia achar que isso poderia acontecer, e mesmo assim de forma progressiva, para valores francamente acima dos níveis de vida normais, sei lá, no mínimo umas 20 ou 30 ou mais vezes. E acho injusto por duas razões: se as pessoas têm pensões elevadas é porque descontaram muito, durante muito tempo, e, com esses montantes elevados, ajudaram a que o 'bolo' a distribuir por todos seja maior. Descontaram, convencidos que o pacto de confiança não seria quebrado, ou seja, que o seu nível de vida não iria descer ao longo do tempo, isto é, que à medida que vão envelhecendo e que têm maiores gastos em consultas, medicamentos, internamentos em lares, etc, o seu rendimento relativo não fosse diminuindo. Além disso, as pensões de reforma são tributadas em sede de IRS e as pensões mais elevadas descontam uma percentagem progressivamente maior. Por um lado, descontam mais que os outros e, por outro, enquanto esses outros vêem as suas pensões ser actualizadas com a inflação, eles ficam com os rendimentos congelados. É injusto e, creio que posso dizê-lo, até desonesto. Acresce que, com esta brincadeira de não se aumentarem anualmente as pensões mais elevadas, haverá forte tentação a que quem faz as leis (e ganha bem e trabalha para quem ganha ainda melhor) arranje buracos legislativas que permitam que certo tipo de rendimentos não sejam objecto de descontos para a segurança social sendo antes dirigidos para seguradoras privadas. Perigoso. 

Não sei em que governo nasceu esta medida nem isso me interessa: é uma medida errada, populista e estúpida -- e deverá ser revista.

Quanto a António Costa é bom que refresque ideias, descanse, faça um retiro, respire fundo... e pense a sério no futuro dos portugueses. Há muito a fazer, muito, muito. Acredito que seja cansativo, desgastante. Não é para todos. Mas é o que é. 

Agora uma coisa há que ter sempre presente: há que falar verdade, agir seriamente, estudar bem os assuntos, conjugar a visão de curto, médio e longo prazo, não se deixar ir na cantiga dos influencers e demais papagaios da política, nomeadamente os assessores da treta e os boys socialistas que sempre gostaram de se encostar ao poder convencidos que os portugueses se deixam levar pela sua lábia. Não deixam.

Gostaria de poder votar no PS nas próximas eleições mas esse meu voto não é um dado adquirido.

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Imagens de Jae Sam Lee na companhia de Vera Lynn com There'll Be Bluebirds Over

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Um dia bom

Saúde. Honestidade. Sageza. Paz.

1 comentário:

Ricardo Cordeiro disse...

..100%! não gostaria de votar num partido SÓ porque não existe melhor alternativa. e já agora ; não me lembro de ter ouvido, desde à muito tempo, voltar a ser discutido o contributo para a Segurança Social, sobre os equipamentos que reduzem, SUBSTANCIALMENTE, a mão de obra e os encargos associados aos rendimentos de trabalho. É uma medida DIFICILIMA que "apenas" com muito empenho de cidadania, Empresarial e maior BOM SENSO politico poderá vir alguma vez a ser implementada, mas que parece poder ser um bom contributo...