quarta-feira, julho 13, 2022

Mais um

 



Tinha-lhes dito que não havia nada, que podia esperar pelo fim de semana. Terça-feira é dia complicado, dia de reuniões que podem prolongar-se e ensarilhar-se. Mas depois percebi que gostariam que houvesse festejo. Pensei: faço arroz de pato. Tentaria ir ao supermercado à hora de almoço, poria o bicho na panela, arranjaria maneira. O meu marido disse que não. Coisa simples. Ou jantaríamos numa esplanada ao pé da praia ou, se fosse cá, mandaríamos vir pizas. Equacionámos. Melhor cá, poderíamos ficar até querermos, fazer o barulho que quiséssemos.

Mas foi dia de juízo. Sozinha em casa com o animal (refiro-me ao cão, claro). O rapaz que vinha arranjar um portão, resolveu vir de manhã, pouco antes de começar uma valente de uma reunião. E ou era ele experimentando o arranjo, entrando e saindo, abrindo e fechando, ou era o telefone tocando, uma sobreposição complicada de gerir. Enquanto isto, a fera colocada entre uma zona e outra para não ter hipóteses de se chegar ao pobre. Ladrando, ladrando. 

Reuniões, telefonemas, mensagens. Consegui sair para dar uma volta com a fera já às duas e tal. Fervia. O pobre mal conseguia pôr as patinhas no chão, só a querer voltar para trás. Uma braseira. Almocei perto das três, a correr, quase em cima de outra reunião. Era perto das cinco quando consegui dar um pulo ao supermercado. 

Depois chegou a turma da minha filha. Ainda fui fazer uma breve caminhada com o meu marido, que entretanto chegou, só para esticar as pernas. Logo a seguir chegaram os que vinham arranjar o estore da cozinha. Há vários dias à espera e tinha que ser esta terça-feira. Tentei que fosse noutro dia. Não. O único bocado de tempo que tinham era este. Pegar ou largar. Peguei. Chegaram. O cão isolado para não lhes saltar para cima. A ladrar, a ladrar.

Entretanto, chegou a turma do meu filho. 

E os outros não saíam da cozinha. Já a fazer-se tarde. Depois eram precisas umas ripas, não podia ficar arranjado. Que sim, que sim. Queríamos é que se fossem embora. Agora o estore está cerrado, não entra um raio de luz. Azarinho.


Para além das pizzas em forno de lenha, boazonas, resolvi fazer uma ursa. Passo a explicar no que consiste uma ursa. É coisa que vem do tempo em que os meus filhos eram pequenos. Sucesso garantido. Agora já são os filhos dos meus filhos que gostam da ursa.

Frango assado do supermercado. Desossei. Num tabuleiro grande, o frango inteiro desfiado. Depois, uns tomates grandes, maduros, cortados em cubinhos pequenos. Depois um pacote de batatas fritas. Depois um bocado de maionese e um little bit de ketchup. Envolvi tudo ao de leve para não espatifar as batatas fritas. Por cima, ripei seis ovos cozidos. Temperei com orégãos e com azeitonas às rodelinhas. Está feito.

Para além disso tinha salada mista: alface, rúcula, couve roxa, milho, tomate cherry, bolinhas de mozzarela, azeite, orégãos.

E espargos verdes com fio de azeite e um little touch lateral of maionese.

E as pizzas das de tamanho familiar, duas de salmão, mozarela de búfala e manjericão, duas de presunto, ovo e azeitonas e duas quatro estações, com tudo a que se tem direito.

De sobremesa: petit gateaux de chocolate, strudel de maçã, bolo de mármore e mil folhas com doce de ovo.


No final, depois das cantorias, passámos à fase arraial. A menininha mais linda ficou de DJ. Os pedidos foram no sentido da música pimba. Dançámos que foi um gosto. Debaixo das luzinhas, vá de cantar e dançar. Festa popular à maneira.

E, à despedida, fotografias de grupo.

Escuso de dizer que o urso cabeludo fez várias tentativas para roubar comida, chegou a ser apanhado de pé, patas felpudas em cima da mesa, a inspeccionar o que se passava lá por cima, o que lhe valeu grandes descomposturas. Por fim, já se contentava em andar a lamber migalhas pelo chão.

No fim, os meninos perguntaram se eu tinha gostado do dia -- e eu gostei -- e perguntei se eles também gostaram -- e eles gostaram. Tenho estado a ver as fotografias, todos tão bem dispostos, sempre alguns a fazerem maluquices. Dou por mim a sorrir enquanto revejo estas imagens felizes.

Quando se foram embora, o urso cabeludo atirou-se à tigela da água e bebeu durante minutos. Depois deitou-se espapaçado. Há bocado levantou-se e foi comer. Chegou aqui e caiu outra vez. Dorme a sono solto. E eu tenho estado a lutar para também não cair a dormir profundamente.

Este é o tempo dos caranguejos. A saison era aberta pelo meu pai, o primeiro dos caranguejos. Agora sou eu a abri-la. Hão-de seguir-se mais dois, dois homónimos. De seguida, entra-se em força nos leões, uns a seguir os outros.


Um dia, depois outro dia. Quando damos por ela, é um ano, depois outro ano. E é assim a vida, uma sucessão. Ia dizer uma sucessão infinita mas não é infinita, é finita. Mas cada um de nós é nada, uma partícula elementar, pelo que, abstraindo a identidade de cada um, há mesmo uma continuidade, uma infinita sucessão em que um dia não estamos, depois estamos, depois deixamos de estar. Mas, quando deixamos de estar, já cá estarão outros a assegurar a continuidade. E está bem assim.

(Isto enquanto não rebentarmos com a espécie, claro).

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Uma vez mais, figuras da pintura que a Inteligência Artificial associou a selfies minhas. Não sei se têm alguma coisa a ver comigo ou se teria que se lhes tirar a bissectriz para ter parecenças -- mas não interessa, gostei de conhecê-las e, por isso, aqui estou. Ou melhor, aqui estão.

  • Head of a Woman (La Scapigliata), Leonardo da Vinci. 
  • Woman Leaning on Her Elbows (Femme accoudée), Pierre-Auguste Renoir 
  • Portrait of a Neapolitan Woman, Jean Honoré Fragonard,1774
  • Salomé by Luc-Olivier Merson 
  • Portret van een jong meisje, Thérèse Schwartze
  • Woman on a Striped Sofa with a Dog. Mary Cassatt
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Amanhã tentarei responder aos comentários. Hoje não consigo.

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Desejo-vos um dia bom

Saúde. Tudo de bom. Paz.

2 comentários:

Maria disse...

E muitos parabéns para UJM que "soma e segue" com tanta vitalidade, alegria, força e tanto tanto dinamismo! Sabe, admiro -a, porque eu também, durante anos tinha vontade e fazia facilmente um festejo assim, com tanta gente (e trabalho...) e agora não encontro forças para isso.
Tenho pena, gostaria de continuar a ter esse espírito festivo, mas não consigo!!!!
Parabéns também por esse seu espírito tão jovial!
Maria

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria,

Muito obrigada.

Sabe que acho que, nestas coisas, o melhor é a gente não parar porque, se para, depois parece que não há força ou ânimo para recomeçar.

E estas coisas restituem-nos vitalidade.

Eu ontem à tarde estava estafada. Trabalhar, o cão a ladrar primeiro pelo homem que veio arranjar o portão, depois pelos que vieram arranjar o estore, ir ao supermercado, vir carregada, arrumar as coisas, tanto calor, etc. Cheguei a um ponto que pensei que precisava mesmo de dormir, que estava a ficar exausta.

Depois chegaram eles, tive que acelerar para preparar as saladas, depois aquela azáfama de meio mundo a vir à cozinha buscar as coisas para colocar nas mesas lá fora, depois o jantar, as cantorias, os bailaricos... passou-me o cansaço, estava fresca e bem disposta.

Claro que depois, lá para as onze e tal, quando consegui regressar aqui à sala, estava cansada e cheia de sono. Mas feliz da vida.

Por isso, não pare, experimente atirar-se ao barulho. Pode ser que consiga e lhe saiba bem...

E, uma vez mais, muito obrigada, Maria.

Beijinhos!