sexta-feira, julho 29, 2022

A praia é para todos

 


Os estores desta casa são eléctricos e, segundo fiquei a saber, são de elevada segurança. São de alumínio duplo e correm numa calha embutida. Segundo me têm disto os especialistas, não há ladrão que consiga levantá-los ou cortá-los.

Dito assim parecem boas notícias, não é? 

O pior é quando se avariam. Não há processo manual para os levantar ou baixar. Para serem limpos tem que se ter cuidado para não desalinhar as lâminas. São tão pesados que qualquer desalinhamento compromete o seu bom funcionamento e, se ficam desalinhados, não há outra forma de remediar a situação, senão chamar os técnicos. Uma impotência. Bem procurava, ao princípio, alguma manivelita ou fitarola que me pudesse salvar. Nada. 

E os técnicos, quando chegam, protestam porque dizem que, da maneira como foram feitos, eles  mal têm margem para trabalhar. Dizem que os estores costumam correr por fora e não por dentro. Contudo, quando me queixo das constantes maçadas e do dinheiro que gastamos a repará-los e digo que o melhor é pôr estores novos, mais simples, mais leves, aí insurgem-se, dizem-me que nem pense nisso, que já não se fazem estores de tão boa qualidade. 

Desta vez foi o estore grande da cozinha, um estore alto e largo. Começou por dar estalos, depois saltos. Depois não queria subir ou descer. Fomos forçando, julgando que a coisa iria ao sítio por si. Mas está bem, está. Chegou a um ponto em que já não tugia nem mugia.

O veredicto foi que tanto forçámos que já se tinham entortado cinco lâminas. No primeiro dia não conseguiram fazer o trabalho. Ficou corrido durante umas duas semanas, escuridão absoluta, sempre de luz acesa. E hoje teve que vir um terceiro elemento para conseguirem fazer a manobra de levantar o estore e encaixar as lâminas novas. Dizem que o peso era demais para dois conseguirem aguentar o bicho. Não sei, já não digo nada.

O que sei é que ao fim da tarde foi um ver se te avias na cozinha. A fera a ladrar possessa do lado de lá do portão do pátio da cozinha e, na cozinha, um chinfrim, uma azáfama. Às tantas zaragateavam uns com os outros, davam-se instruções uns aos outros. Levanta. Aguenta. Arreia um bocado. Pára. Avança! Um desatino. Ferramentas e caixas e tralha espalhadas pelas bancadas da cozinha, o chão pejado de tralha.

Por fim já só queria que se fossem embora.

Quando finalmente acertámos as contas e eu me queixei que era o preço de uma nova e de eles me terem dito que nem pense nisso pois uma nova destas deve custar cinco vezes esse valor, foi fazer limpeza à cozinha. E já passava das oito e nem jantar feito nem vontade de puxar pela cabeça para ver  que fazer. 

O meu marido disse: vamos passear à beira da praia e compramos qualquer coisa por lá. E fomos. Fui como estava, com uns calções soltos, acima do joelho e uma blusinha sem mangas com decote em bico à frente e atrás. O meu marido disse que era melhor levar outra coisa pois estava a esfriar. Peguei no meu poncho de crochet em abertos, todo em abertos, feito numa linha crua, um amparo que é psicológico e não de agasalho. 

Lá chegados, rapei um frio dos antigos. A aragem estava a dar ares da sua valentia. Não me queixei para não ouvir observações mais do que óbvias.

Felizmente, o mar estava muito lindo e o sol fazia a sua escolha de sempre. Os amores eternos e incontornáveis são assim, um mergulhando no outro sem se saber quem mergulha em quem. 

O pior mesmo eram as poses absurdas, as selfies, as posições ridículas a que muita gente se entrega. A praia parece que atrai os que se acham fantásticos.

Num grupinho destacava-se uma mulher saída de um quadro de Botero. Via-se que era de genética bem tisnada mas apresentava-se muito loura. Usava um vestido vermelho, de cavas, justíssimo, com um cintinho preto na cintura e a saia um bom bocado acima dos joelhos. Como era de carnadura exuberante, a perna que ela alçava para lhe salientar o rabo a la Georgina, mostrava aquela manta de gordura que algumas mulheres têm por cima dos joelhos. Levantava o cabelo com a mão e o braço mostrava também que a gordura estava para além da conta. Mas isto da 'conta' é relativo pois ela estava feliz da vida. Um homem mais velho, metade dela em peso e altura, não fazia outra coisa que não fotografá-la ou a ela ou a ela e às amigas. Mas era ela que o instruía: baixa-te, apanha-me de lado, apanha o mar, vou-me virar e tu aproximas-te. O pobre homem obedecia sem um pio. Toda uma coreografia. 

Por mim ficava ali parada a ver. Acho estas cenas deliciosas. Depois chegou uma outra com uma caixa branca e deu-lhe. Ela rejubilava. O meu marido disse: faz anos. Depois entraram num restaurante e ela pegou no telemóvel e filmou o restaurante, filmou-se a ela, filmou o sunset. Coisa mais estranha. E eu interroguei-me uma vez mais: mas para que é que estas pessoas fazem isto? Quem é que tem interesse em vê-la em mil poses ou no restaurante?

Pergunta retórica pois a resposta é óbvia: pessoas iguais a ela. 

As pessoas, podendo exibir-se em poses cinéfilas, em ambientes cinéfilos e com sorrisos cinéfilos sentem-se umas divas, sentem-se especiais, imaginam-se especiais, com muitos seguidores, com muita gente a querer vê-las belas, formosas, rodeadas de amigos e frequentando lugares paradisíacos. Alimentam uma ilusão.

Mas, ao mesmo tempo, pensei que ainda bem que aquela mulher era descomplexada pois notoriamente sentia-se bela, desejável.

Mais à frente passou um casal de mulheres de braço dado, muito chegadas, um casal in love. E eu pensei que ainda bem que as pessoas que estão apaixonadas por outras do mesmo sexo já não têm que se esconder ou sentir vergonha. 

Enquanto isso, passou por nós um homem muito magro, de calções e tshirt de alças, de rabo cavalo grisalho, de bicicleta, ondulando como se surfasse.

A diversidade a que por ali se assiste é uma coisa extraordinária e eu, se não fosse dar-se o caso de querer esticar as pernas e dar uma caminhadela, deixava-me era ficar sentada a curtir os visuais e os moods de quem passa. 

-------------------------------------------------------------------------------

A Ministra da Igualdade em Espanha lançou uma campanha inclusiva que não está a passar despercebida. Seja qual for a estatura, a cor da pele ou o que for, a praia e o sol são para todos. O cartaz lá em cima dá o mote à campanha "El verano también es nuestro". 

As pinturas são, como é bom de ver, de Botero e vêm na companhia de Mika que interpreta Big Girl

--------------------------------------------

Desejo-vos um dia bom

Saúde. Boa sorte. Paz.

Sem comentários: