O dia foi longo. Quando acabámos de jantar passava das onze da noite. Estou cansada e com sono e o que me vale enquanto escrevo é que, enquanto escrevo com a direita, massajo o rosto com o jade-roller que, na terça-feira à hora de almoço, comprei no Ale-Hop. É um objecto bonito, com umas translúcidas pedras cor de rosa suportadas por metal acobreado. Quando lhe pego, as pedras estão frias e a sensação da pedra macia e fria a rolar no rosto é bastante agradável. Nunca apliquei botox ou fiz lifting ou o que quer que seja. Por vezes, o YouTube, sabendo as saudades que, por vezes, sinto das revistas que via quando ia ao cabeleireiro, propõe-me tutoriais de moda ou de rotinas de beleza. Vejo com alguma curiosidade pois são apresentados como coisas simples, quase como apenas lavar a cara com água e sabão azul e branco e, afinal, são todo um processo. Põem produtos em cima de produtos e, se as mulheres começam com um aspecto normalíssimo, com algumas imperfeições, até com olhos pequenos e lábios secos, acabam com menos anos, sem rugas, sem olheiras, olhos grandes e lábios carnudos. E eu vejo aquilo e sinto-me uma descuidada. Lavo a cara, coloco um hidratante, uma leve sombra nas pálpebras superiores e está feito. Se tenho reunião, ainda ponho um pinkezito nos lábios mas, tirando isso, nem creme para isto, creme para aquilo, anti-olheiras, base, pó, iluminador, máscara, preenchimento de sobrancelhas, etc. Mas agora, com este instrumento, tenho esperança que produza o mesmo efeito que tudo o que não uso. E, se não produzir, paciência, pelo menos mantem-me acordada enquanto o uso.
Estou agora a ver as notícias. Hoje uma pessoa dizia-me que já não conseguia ver notícias pois já andava a sentir-se deprimido, não suportando a impotência perante o grau de violência de Putin e o sofrimento dos ucranianos. A minha mãe diz-me a mesma coisa, que já não quer ver notícias, diz que, sempre que vê o que está a passar-se, fica incomodada, não se sente bem. Ouço isto e receio que isto venha a acontecer comigo, com toda a gente: cansarmo-nos de ver tanta violência, alhearmo-nos da destruição e do sofrimento dos que estão a ser tão vilmente atacados, deixarmos que o criminoso aniquile um país. Quando o mal é assimilado como uma coisa normal é a morte que se metastiza na nossa vida.
A minha mãe de vez em quando fala de quando era miúda e havia guerra e havia falta de tudo. Ouvia-a falando disso como se se tratasse de uma realidade remota, irrepetível, coisa de outros tempos. Na nossa Europa, agora estável, as fronteiras sagradas, ter havido uma coisa tão medonha quase parecia coisa de há mil séculos. Quando mais recentemente tantas guerras têm acontecido, embora qualquer guerra seja sempre um buraco negro por onde a vida é sugada, parece que, mesmo que involuntariamente, a minha mente parece que colocava um qualquer filtro que me impedia de as encarar com excessivo realismo. Na minha mente era como se fossem conflitos ancestrais, lutas irracionais por fronteiras, casos de loucura exacerbada como os que levam algumas pessoas a matarem-se por uns centímetros nas extremas de um terreno, povos habituados à violência, civilizações para quem a vida não tem assim tanto valor, alguns arriscam-na para conquistar o paraíso e para irem fazer companhia a bandos de virgens, lugares onde as religiões andam com armas à cintura. Na minha cabeça, alguns eram lugares relativamente longínquos, de instabilidade e sofrimento, quase sem salvação possível, um triste escoadouro de armamento e munições que mantinham florescente a indústria das armas. Mas, de repente, quando estávamos ainda a digerir a nossa fragilidade perante um vírus, acontece uma coisa destas, aqui perto, uma coisa feroz, desalmada, desumana, numa era em que todos queremos paz e amor -- e tudo parece inconcebível, imperdoável e, sobretudo, muito triste.
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